segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Marcus Melo: Armadilha da democracia?

- Folha de S. Paulo

No recente relatório "Freedom in the World 2018", que mensura direitos políticos e liberdade civis, o Brasil aparece na quinta colocação na América Latina. Há uma década, alterna essa posição com a Argentina, atrás de Uruguai, Costa Rica, Chile e Panamá.

O Brasil aparecia em quarto lugar nos rankings pioneiros elaborados por Russell Fitzgibbon entre 1945 e 1965. O autor baseava-se em questionário aplicado a professores e correspondentes de grandes jornais dos EUA, sobre 15 tópicos relacionados à democracia, como independência do Judiciário, relações civil-militares e fraudes nas eleições.

Intitulado "Measurement of Latin America Political Phenomenon" (mensuração de fenômenos políticos latino-americanos), o primeiro foi publicado na "American Political Science Review" (1945). Nesses estudos, o Brasil foi o país que apresentou os maiores progressos institucionais.

Uruguai, Costa Rica, Chile, Brasil e Argentina —na ordem— apresentaram escores mais elevados. Nesse grupo, o ranking não se altera muito no período —salvo Cuba em quarto lugar em 1950, que depois declina abruptamente. Nas últimas posições estavam os mesmos países que exibem os piores escores no relatório da Freedom House (Venezuela etc.).

O fato de que mais países têm caído nos escores dessa instituição do que subido, desde 2006, levou Larry Diamond (Stanford) a concluir que o mundo passa por uma "recessão democrática".

No Brasil, a mesma conclusão pessimista contrasta com o otimismo que marcou a segunda metade da década de 90 e os anos 2000. A crise é a razão para o enorme desencanto cívico. À primeira vista, o país está em uma espécie de "armadilha da democracia de renda média".

A inspiração aqui é debate deflagrado nas instituições multilaterais e acadêmicas pelo artigo do cientista político Geoffrey Garrett na Foreign Affairs, em 2004, sobre o que chamou "armadilha da renda média". Países nessa situação, argumentou, não conseguem competir nem com os de renda baixa (pelos baixos custos) nem com os ricos (pela incapacidade de inovar/baixa competitividade), ficando incapazes de alcançar um nível mais alto de desenvolvimento.

As "democracias médias" encontram dificuldades similares que bloqueiam a transição a um "equilíbrio superior" caracterizado pelo império da lei. Como acontece na economia, inicialmente, a democratização em países com níveis mais baixos permite ganhos rápidos (colhem-se "os frutos dos galhos mais baixos"), que se tornam gradativamente mais difíceis de serem alcançados.

A armadilha revela-se quando a aplicação da lei estende-se à elite econômica e política. Temos importantes desafios à frente, mas o saldo até o momento é positivo.
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Doutor pela Sussex University, é professor titular de ciência política da UFPE

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