- Folha de S. Paulo
A transformação do nicaraguense Daniel Ortega
No espaço de quatro décadas, o nicaraguense Daniel Ortega converteu-se de líder revolucionário, que ajudara a remover do poder uma das mais detestáveis ditaduras familiares do planeta, a tirano que não hesita em matar manifestantes desarmados. O que deu errado? O problema, receio, pode estar na arquitetura de nossos cérebros.
Já comentei aqui o interessante livro de Dacher Keltner (“O Paradoxo do Poder”), no qual este professor de psicologia de Berkeley sustenta que instalar-se no poder desencadeia uma série de processos mentais que favorecem o surgimento de características comuns em ditadores, como o aumento da impulsividade, a redução da empatia e o apelo a narrativas de excepcionalismo para justificar as próprias ações.
Para Keltner, vivemos uma era em que a melhor rota para posições de comando deixou de ser o emprego da força bruta para tornar-se a utilização de virtudes sociais —em especial ajudar os outros, o que facilmente se converte em alianças e votos. O problema é que, uma vez acomodado no topo, o indivíduo passa por transformações psicológicas que tendem a torná-lo mais egoísta e menos sensível às necessidades alheias.
Keltner procura fundamentar sua tese com uma série de experimentos mensuráveis, que mostram que pessoas que se sentem empoderadas costumam comer mais, ter mais casos extraconjugais, cometer mais infrações de trânsito etc.
A democracia, então, está fadada a degenerar em tirania, como acreditava Platão? Talvez não. Raramente o futuro é predeterminado, e abundam exemplos de líderes democráticos que não viraram ditadores. Isso não nos impede, é claro, de tomar algumas medidas preventivas.
Um passo interessante nesse sentido foi dado pelos equatorianos, que decidiram limitar a possibilidade de recondução para cargos eletivos a apenas uma, valendo para toda a vida. Algo assim teria poupado a Nicarágua de assistir à transformação do líder sandinista no novo Somoza.
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