quarta-feira, 8 de agosto de 2018

*Paulo Delgado: O topo do pau-de-sebo

- O Estado de S.Paulo

Esta é uma eleição de temperamentos. De um lado, a algazarra, do outro, a reflexão

Quem quiser chegar ao fim da eleição sem se desmoralizar totalmente é melhor tratar de ser sincero. Não procure dar implicação moral ou ideológica ao que for mera ambição. Falso escrúpulo, dissimulação, pode fazer um honesto detestável e um desonesto tolerável. Procure ter uma fé, um ponto no futuro e busque atingir a imaginação do eleitor sem querer manipulá-lo pela mentira ou o medo. A maior fatalidade do Brasil atual é o sucesso do excesso. Não pode ser presidente da República quem consegue se convencer de qualquer coisa; pior ainda se for incapaz de deixar de estar certo de muita coisa.

Se fosse um campeonato de futebol antigo, poderíamos dizer que Geraldo, o tranquilo, venceu o torneio no início ao atuar como um jóquei cuidadoso: só bem montado que se deve galopar. Mais do que conseguir tempo de TV, dividiu com o eleitor a responsabilidade de escolher sua base de apoio congressual desde o 1.º turno. Sem nuance indefinível, claro e aberto, organizou seu time diferente de governos que fizeram sua maioria depois de eleitos. Sua decisão muda a tradição de aderir ao vencedor quando a vitória, no oba-oba, abre o armazém alfandegário da fisiologia parlamentar.

Jair, o incoerente, montou uma equação inverossímil ao mostrar como é falso defender hierarquia e ordem e fazer o cardeal ser vice do vigário. Luta num ringue fictício, pois seu perfil é igual ao esquerdista que combate. Seu adversário real é o tucano, de quem sequestrou os eleitores, mas poderão sair do cativeiro libertados por Ana, a vice certa. Quando ficar claro que sempre foi governista, com o mesmo padrão de voto da esquerda no Parlamento, o galo de briga perderá a espora. Está se salvando até agora porque seus críticos se esquecem de que até para insultar é preciso ter alguma classe. O sentimento de violência que o fez candidato não se combate com destempero.

Luiz, o mesmo, “nada aprendeu e tudo repete”. Imagina curar com eleitor a ferida que deve ser tratada com advogado. Vê triunfo em ter levado com ele o guarda-roupa do partido, deixando seus amigos nus, sem os deixar usar as próprias roupas. Quer deixar peladas as instituições, acusadas de serem incapazes de vestir com dignidade algum argumento em relação a ele. Deseja recuperar para si os bens do poder sem perceber a consequência que foi obtê-lo a qualquer preço. Faz do seu candidato um homem sem vontade à espera do maná que é o voto dos alcançados pela bolsa-tudo, a majestosa mendicância administrativa que mudou o papel das instituições públicas e produziu a crise. Tranca a rua para aliados, dando um ar de ninharia à responsabilidade da esquerda para com o País.

Ciro, o traído, provou o fel do desleal. Deve se sentir como o velho político inglês George Canning: “Dê-me o inimigo declarado, ereto, valoroso. Posso enfrentá-lo com bravura, talvez responder ao golpe. Mas, Deus meu, de todas as pragas que tua cólera pode enviar, salva-me, oh Deus, salva-me do amigo perigoso”.

Marina, a mística, se movimentou no bosque de suas preferências e colheu um homem cordato e experiente para vice. Não está fechado seu caminho para crescer, pois sabe como ninguém expressar uma imagem, embora não saibamos bem o que fará com o Graal quando o encontrar. É popular sem ser demagógica, e já revelou, quando foi atacada por mentiras divulgadas por Dilma na eleição passada, que não sacrifica seus ideais à brutalidade das intrigas políticas.

O eleitor, o personagem central da eleição, parece satisfeito com sua insatisfação vendo as coisas ocorrerem totalmente desprovidas de medida. Desconfiado, não deixa nenhuma virtude se impor dominado por um amorfismo moral sem precedentes. Vivemos o tempo de uma geração fraca e indolente incentivada pela adulação da política e da internet. Todos acham que alguém lhes deve algo. Ninguém tem vergonha de pedir tanta atenção, exigir tanto. Não há necessidade de querer dar nomenclatura ou elaboração conceitual à sociedade da intriga, da superficialidade. Resuma sem solenidade, como me disse um amigo: “WhatsApp, Facebook, bicho mais fuxiqueiro que existe”.

Há uma disfunção afetiva, psicológica, relacional no ar. Não basta indignação, opinião ou raiva, é preciso ter domínio técnico da questão, conhecimento cronológico do encadeamento dos fatos para compor uma lógica sustentável, coisa impossível após a internet e as redes sociais, que impuseram ao mundo uma insatisfação com a presença humana que se torna cansativa por ser verdadeira. O meigo virtual pode ser um monstro presencial, e vice-versa. O que colocará dentro da urna, se decidir ir até lá? Enfim, até agora é um país de cidadãos bebês, transferidores de culpa, que escolherá o presidente.

Uma eleição sob o império e a aflição do distraído, pulverizado, do cansado, da ação rude, que só aceita o caminho da violência, imprecaução, imprudência. Seu objetivo não é a consequência nem a persistência, são a pressa e o improviso. Cabeça de celular. A facilidade de carregar tudo na palma da mão reduziu o assunto à superficialidade da palma da mão. Seu ego é um aplicativo, seu desejo, um chip do vale do suplício. A fofoca interessa mais que o declínio da pátria. E, sem paciência para o entendimento, prefere a grosseria, mais compreensível para ele. Nem a Bíblia anda lendo: “Quanto fardo enfadonho Deus impôs aos filhos do homem”. Andar, suar e chorar enquanto semeia e prospera. Assim sempre foi a vida.

Se o cidadão não refizer seus vínculos emocionais, seu padrão de decisão é o estado de desespero. Esta é uma eleição de temperamentos. De um lado, a algazarra, a barulheira do impróprio. Do outro, a calma, a reflexão. A luz do exorcista contra a sedução do feiticeiro. O que falta ao Brasil não é ousadia, é sobriedade. Enérgico sim, farsesco não. Nem todos podem alcançar o poder. O que sai da urna é uma elite. Qual deve ser a sua cara refletida nela, nobre eleitor?
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*Sociólogo, copresidente do Conselho de Economia, Sociologia e Política da Fecormecio/SP

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