Críticas do futuro ministro da Saúde ao programa podem destruir algo que tem dado certo
Coerentes com o figurino ideológico de ideias defendidas pelo presidente eleito Jair Bolsonaro na campanha eleitoral, ministros indicados têm feito propostas ultraconservadoras em vários campos. Se isso protege o futuro governo de acusações de estelionato eleitoral — como já praticaram tucanos e petistas —, garante, em contrapartida, movimentados debates sobre temas-chave para a vida das pessoas. E também justifica temores sobre novas políticas que podem vir por aí.
Um dos assuntos que já chamam a atenção de especialistas é, na saúde pública, o enfrentamento preventivo do HIV, para controlar e reverter a disseminação da Aids.
Doença sexualmente transmissível, também disseminada entre adictos de drogas injetáveis, ela é cercada, no universo bolsonarista, por interdições retrógradas, que, se aplicadas em políticas públicas, serão fatais para a bem-sucedida estratégia brasileira de combate à Aids, um trabalho de reconhecimento mundial.
Temores de retrocessos surgiram nas primeiras declarações do ministro indicado da Saúde, o ortopedista Luiz Henrique Mandetta, sobre o assunto. Perfilado ao pensamento do presidente eleito, Mandetta se declarou incrédulo da eficácia das campanhas de prevenção e educação executadas em escolas e redes de saúde pública.
O futuro ministro repete o que se tornou um mantra de Bolsonaro, que educação sexual é prerrogativa única das famílias, e que o Estado nada tem a ver com isso. Ou seja, instruir crianças e jovens, cada um da forma adequada, para que não sejam vítimas de doenças sexualmente transmissíveis, estará fora de questão nos próximos quatro anos.
Ora, informar de maneira correta, principalmente os mais novos, sobre como se precaver contra essas doenças, inclusive a Aids, precisa ser, também, função do Estado, porque nem todas as famílias têm condições para tal.
Retirar, portanto, o poder público deste circuito é temerário, porque aumentará o risco de contaminações. Entre os mais jovens é que se detectam sinais de recrudescimento de infecções, muito também devido ao relaxamento causado pela eficácia relativa de coquetéis antirretrovirais.
O êxito científico tem levado a um perigoso descaso com o HIV. Também por isso, campanhas de esclarecimento público e educacionais precisam continuar a ser realizadas, ao contrário do que acha o futuro ministro da Saúde.
A distribuição gratuita do coquetel, desde 1996, é um dos fatores que garantem o êxito do programa brasileiro. Nos últimos quatro anos, por exemplo, de acordo com o Ministério da Saúde, o índice de mortes por Aids caiu 16,5%, de 5,7 por mil habitantes para 4. Preconceitos não podem transformar este êxito em fracasso.
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