Revista Política Democrática online, Nov/2018
Fortalecimento de um pensamento mais conservador não acontece somente no Brasil, mas em vários países e regiões do mundo, o que obriga a construção de uma nova formação política.
O resultado das eleições, realizadas em outubro último, com a vitória de Jair Bolsonaro (PSL), na disputa pela Presidência da República, pode ser compreendido como o encerramento de um ciclo político iniciado a partir da Nova República (1985), período que sucede o regime militar no Brasil (1964-1985) e cujo marco principal é a Constituição de 1988.
Durante grande parte dos últimos 30 anos de nossa democracia, o Brasil experimentou, majoritariamente, governos com claro viés progressista, que poderiam facilmente ser classificados como de centro-esquerda no espectro político-ideológico. Como ficou evidenciado depois do impeachment do presidente Collor de Meio, com a assunção de Itamar Franco, seu vice, que implementou uma série de reformas, começando pela mais importante, o Plano Real, que estancou o crônico processo de inflação que então vivíamos, abrindo as portas para um processo sustentado de desenvolvimento econômico.
Depois de dois mandatos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), do PSDB, no período em que o país viu a estabilidade econômica se solidificar, e a implementação de importantes políticas inclusivas, ampliando o mercado interno, e garantindo crédito para os segmentos mais vulneráveis de nossa população, o PT chegou ao poder com Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), que também esteve por oito anos no Palácio do Planalto, sendo sucedido por Dilma Rousseff (2011-2016), reeleita para um segundo mandato em 2014 e afastada, democrática e constitucionalmente, por meio de um processo de impeachment em 2016.
Como consequência da desastrosa experiência lulopetista, marcada pelo desmantelo da corrupção desenfreada e o enxovalhamento moral das esquerdas – o que acabou atingindo todo o campo progressista, inclusive as correntes não alinhadas ao PT -, uma parcela amplamente majoritária da sociedade brasileira, desta vez, optou por escolher Bolsonaro, um candidato nitidamente de direita, para governar o país pelos próximos quatro anos.
Neste caso, é bom salientar que não se trata apenas de um conservador ou até mesmo de um nacionalista reacionário, mas de um líder político que até se tornou conhecido mundialmente por algumas declarações frontalmente contrárias aos direitos das minorias, às liberdades individuais, às instituições republicanas e à própria democracia.
Mas é preciso compreender o chamado “fenômeno Bolsonaro” de forma mais profunda, inserido em um contexto de transformações nas sociedades em todo o mundo. Os partidos políticos são instituições datadas do período da Revolução Industrial, ainda no século XIX, e hoje têm enormes dificuldades para se adaptar à nova realidade, pois perderam muito de sua interlocução junto à população. Por outro lado, vivemos novo período histórico em que a revolução digital experimentada em todo o planeta certamente oferece a possibilidade de criação de novas instituições também na esfera política.
Este processo é caracterizado não apenas pelo desenvolvimento das novas tecnologias e ferramentas de comunicação, mas, de forma preponderante, por transformação radical na maneira como nos relacionamos uns com os outros. O mundo digital nos afeta a todos, em todos os segmentos de atividade, e dá origem a novas organizações que substituirão as velhas estruturas. Temos de estar preparados, mais do que nunca, para abandonar vícios e valores ultrapassados que ficaram restritos a um mundo que não mais voltará.
Nesse sentido, a ascensão de um parlamentar do baixo clero à Presidência da República, com votação expressiva mesmo integrando um partido muito pequeno e sem tempo de exposição no horário eleitoral gratuito exibido nos meios tradicionais – a TV, especialmente -, como foi o caso de Bolsonaro, pode ser mais bem compreendida quando se considera a falência dos partidos tradicionais e o colapso do sistema político em geral, na esteira da Operação Lava-Jato. De outra parte, é evidente que a campanha massiva feita nas redes sociais, pelas quais foi construída uma ampla rede de apoios em todo o Brasil, também explica o êxito eleitoral de Bolsonaro, que soube, melhor do que todos os demais postulantes à presidência, utilizar tais ferramentas para fomentar seu discurso e angariar eleitores.
O fortalecimento de um pensamento mais conservador não acontece somente no Brasil, mas em vários países e regiões do mundo. Hoje, temos praticamente o fim das fronteiras de Estados nacionais e um fluxo migratório significativo e crescente, o que leva ao recrudescimento de forças nacionalistas de direita que reagem a isso, por meio de um discurso xenófobo. O que ocorreu, para citarmos exemplo emblemático, nas eleições presidenciais de 2016, nos Estados Unidos, com a vitória de Donald Trump. Guardadas as devidas proporções e diferenças em relação ao caso brasileiro, ali tivemos também um resultado que expressa, de certa forma, o espírito de um tempo.
O objetivo desta análise, entretanto, não é pormenorizar os motivos que levaram à vitória de Jair Bolsonaro que, por sinal, se realizou nos marcos da constitucionalidade do sistema democrático, no qual a alternância de Poder se dá através do voto livre da cidadania. Trata-se, ao fim e ao cabo, de sinalizar possível caminho para o reagrupamento necessário do campo democrático e das forças progressistas no sentido de se reconectar com a sociedade e oferecer aos brasileiros uma alternativa real neste próximo ciclo que se avizinha. Todas as instituições, afinal, vêm passando por mudanças significativas.
Nós, do PPS, sempre tivemos clareza da necessária construção de uma nova formação política, aberta aos movimentos cívicos que vicejaram recentemente, entre os quais podemos destacar o Agora!, Livres, Acredito, Renova Brasil, Roda Democrática, e muitos outros.
Temos plena consciência de que é necessário interpretar as transformações vivenciadas pela sociedade nos mais diversos setores – o que inclui, fundamentalmente, uma aproximação com segmentos da cidadania brasileira que estavam distantes da vida partidária, em função de um descrédito generalizado que atinge a classe política. E estabelecer contatos com os liberais, cuja interlocução, depois da queda do Muro de Berlim, pôs abaixo qualquer preconceito que, então, interditava uma maior aproximação, e hoje é imperioso por conta da nova realidade colocada pelo inexorável processo de globalização. Como demonstra a Alemanha de Angela Merkel, onde o CDU, conservador, e a Social Democracia, antes adversários, hoje comungam um governo de coalizão.
Não é de hoje que alertávamos que novas instituições estavam surgindo e apontávamos a necessidade de construir nova formação política que desse conta de momento histórico muito peculiar, como fizemos na década de noventa com a superação do Partido Comunista Brasileiro, PCB, pelo PPS, por reconhecermos que o esgotamento da experiência do “socialismo real” tinha perdido relevância histórica, tragado pelo avassalador processo que a revolução científico-tecnológica tinha possibilitado, na gênese de um novo processo histórico que enterrou o período da guerra fria.
Em março deste ano, o PPS realizou, em São Paulo, seu XIX Congresso Nacional, com a participação de militantes de todo o Brasil. No encontro, foram debatidos temas como as alterações no mercado de trabalho, as reformas, a luta pelos direitos das minorias, as novas formas de relações pessoais e profissionais, o papel da esquerda democrática em um cenário de profundas mudanças econômicas, políticas, sociais e nos costumes, entre outros assuntos.
Como já havia sido definido naquele conclave, o PPS fará, na segunda quinzena de janeiro de 2019, um Congresso Extraordinário buscando a recomposição do campo democrático e a construção de novo instrumento de organização das demandas da cidadania. O intuito é incorporar, de forma mais ampla, tais movimentos, forças políticas e personalidades da sociedade civil comprometidas com a democracia, a liberdade e as instituições, para a gestação de um novo partido. Já foi definida, inclusive, a mudança de nome do atual Partido Popular Socialista (PPS), um novo Manifesto e Programa, bem como em sua estrutura organizacional, exatamente para que estejamos verdadeiramente conectados com os reais anseios dos brasileiros e com essa nova sociedade que emerge.
Congresso Nacional
Se essa nova formação política já se fazia necessária, há tempos, é imperativo que se torne realidade neste momento, mais do que em nenhum outro. O futuro governo, que se inicia em 1º de janeiro de 2019, é uma incógnita e desperta uma série de preocupações – decorrentes, sobretudo, da vida pregressa do então deputado federal Bolsonaro, marcada por declarações que atentavam contra os valores da democracia e dos direitos humanos – e por alguns de seus aliados, durante a campanha. O esfacelamento moral do lulopetismo contaminou, aos olhos da sociedade, praticamente todo o campo progressista, que precisa se reafirmar e recuperar a capacidade de interlocução com os mais diversos atores sociais.
É chegado o momento de arregaçarmos as mangas e nos debruçarmos a fundo sobre o Brasil que queremos e o que podemos fazer para, juntos, torná-lo realidade. Ao lado dos movimentos da cidadania e das diversas forças políticas interessadas na reconstrução de um campo democrático sólido, altivo, independente, plural e atuante, o PPS convoca os brasileiros para começarmos, desde já, a construir os caminhos necessários para sermos contemporâneos do futuro.
Como já disse o famoso poeta espanhol Antônio Machado, ” … Caminhante, não há caminho, faz-se caminho ao caminhar”. Não há tempo a perder. O Brasil precisa de nós. (Revista Política Democrática online/novembro 2018)
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Roberto Freire, advogado, presidente do PPS (Partido Popular Socialista)
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