- Valor Econômico
Bolsonaro compõe, mas mantém o general na retaguarda
Na retomada da cidade de Goma, no Congo, o general Santos Cruz liderou sua tropa mata adentro por 20 quilômetros, sob calor amazônico, num trajeto coalhado de minas e corpos frescos da guerra. Quando os guerrilheiros do M-23 bombardearam sua tropa, o general estava na linha de frente. Ao sobrevoar as áreas de guerrilha pedia para o helicóptero voar baixo, sob risco de ser atingido, para poder analisar a situação das estradas. Deitado em trincheira, viu um foguete russo cair a 30 metros de distância.
Santos Cruz já estava de pijama quando foi recrutado para a primeira missão ofensiva da história dos capacetes azuis das Nações Unidas, que já dura 20 anos e soma quase 6 milhões de mortos. O cargo lhe foi conferido a despeito de o Brasil não ter tropas no Congo, contrariando a tradição de conferir o comando da missão ao país com a maior contribuição no combate.
O relato de Yan Boechat, único jornalista brasileiro a acompanhar de perto a principal missão da carreira de Santos Cruz, em 2013, não deixa dúvidas. A escolha do general de 67 anos que exibe a mais respeitada experiência de guerra, no Exército brasileiro, para ocupar a pasta responsável pela relação com o Congresso é autoexplicativa.
O presidente eleito Jair Bolsonaro vai compor, mas se valerá do efeito demonstração de sua Esplanada para derrubar o preço de governar. É pule de 10 em Brasília que a Praça dos Três Poderes fornecerá um lote de presidiários junto com a posse do novo presidente. A presença do juiz Sergio Moro e do batalhão de policiais federais no segundo escalão do Ministério da Justiça fincou no Executivo um posto avançado da Lava-Jato.
O ministro chegou a declarar que esperava contar com o general para a Secretaria Nacional de Segurança Pública mas acabou por cedê-lo a pedido do presidente eleito. Moro e Santos Cruz, portanto, não terão dificuldades de trabalhar em conjunto. A parceria pode tirar de campo lideranças que comandam praças pedagiadas na capital federal, mas ainda vai sobrar um Congresso e maiorias constitucionais a serem conquistadas.
Um ex-ministro, com longa estrada em Brasília, fez o levantamento da carreira de cada um dos 513 eleitos. Encontrou, entre 243 novos deputados da Câmara, apenas 87, de fato, estreantes. Mas nem todo parlamentar com carreira política pregressa tem contas a prestar. Querem um cargo ali e uma emenda acolá, de preferência, com uma obra que renda foto e rede social. Para ambições tão modestas, a composição ministerial do futuro governo não parece assim tão hostil. Basta ver os escolhidos para Agricultura, Saúde, Educação, Cidadania e Turismo.
O presidente eleito não pode se limitar a atender às bancadas temáticas. Não apenas pelos interesses conflitantes das próprias bancadas, como os ressentimentos que já se colhem em relação ao prestígio da Igreja Universal e de seu PRB junto ao presidente eleito, como também pela segurança exigida para a maioria constitucional em reformas como a da Previdência.
A indicação do deputado federal Osmar Terra (MDB-RS) abre uma janela no partido que passou de segunda para quarta bancada da Câmara, mas mantém poder de articulação. A opção por Tarcísio Freitas, ex-diretor do Dnit, para o Ministério da Infraestrutura agradou muito mais o PR, donatário do setor, do que o nome anteriormente cotado, do general Oswaldo Ferreira.
Se confirmada pelo Senado, a reversão da Lei das Estatais, que reabrirá o loteamento político, facilitará a composição do presidente eleito com vistas à eleição das mesas. Seus filhos vão continuar nas redes sociais a propagandear o Bolsonaro da campanha enquanto um outro vai se compondo com vistas à eleição das mesas do Congresso no início de fevereiro.
O Centrão ora condiciona o apoio à reeleição do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) à votação do projeto que muda a Lei de Execuções Penais e evitaria a nova safra de prisões na Praça dos Três Poderes, ora negocia com seu mais provável adversário no segundo turno, o deputado João Campos (PRB-GO). Se atender ao Centrão, Maia perde apoio do governo. Se atender a Bolsonaro, perde apoio do Centrão.
Tem apoio da oposição para permanecer no cargo e a simpatia do futuro ministro da Economia, mas enfrenta o azedume do correligionário que ocupará a Casa Civil. As resistências do governo eleito para que permaneça no cargo só não são maiores do que aquelas em relação à recandidatura de Renan Calheiros (MDB-AL) ao comando da mesa do Senado, Casa que tem mais ascendência sobre órgãos vitais aos negócios do Estado, como TCU, Cade e as agências reguladoras. Com o general Santos Cruz, a Secretaria de Governo ganha a inédita gestão do PPI, o bilionário Programa de Parcerias de Investimentos, por onde passam todas as obras de infraestrutura sobre as quais o Senado sempre teve ingerência.
Da composição das mesas depende, em grande parte, a arregimentação para a votação da Previdência. Se derrotado nas mesas, Bolsonaro passaria a depender ainda mais da parceria Moro/Santos Cruz. O primeiro para colocar em cartaz o espetáculo do combate à corrupção e à violência que manterá o apoio ao presidente eleito contra um Congresso apegado às velhas práticas e o segundo para mostrar aos parlamentares que o dique de contenção no Congresso é controlado pelos capacetes azuis.
No documentário de 25 minutos que a rede de televisão do Catar, Al Jazeera, lhe dedicou em sua passagem pelo Congo, Santos Cruz diz que "do sucesso ao desastre é uma linha muito tênue". O general acabou com o maior grupo paramilitar do país, que degolava a cabeça de suas vítimas e as exibia em praça pública, mas não com as milícias. No documentário, falava da guerra mas a frase preenche todos os requisitos de sua missão a partir de 1º de janeiro.
A urgência do presidente eleito para mostrar resultados na economia sem uma equação política clara vai esticar a corda com o Congresso. Ainda que não faltem vaticínios de que os conflitos levariam à profecia de autogolpe do vice-presidente eleito, hoje parece mais provável que as instituições se amoldem a Bolsonaro. Da mesma forma que um dia se ajustaram à pressão pela derrubada da ex-presidente Dilma Rousseff, no mesmo rumo da democracia mitigada.
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