Para quem assumiu a Presidência aceitando conceder reajuste ao funcionalismo em meio a uma enorme crise fiscal, como Michel Temer, não chega a surpreender que agora sancione um reajuste de 16,38% para a parcela mais bem remunerada da administração pública, o Judiciário. Temer, perto de deixar o cargo, com a mais baixa popularidade entre todos os presidentes desde a redemocratização, não tem nada a perder. Já o Supremo Tribunal Federal mostrou-se mais uma vez como a vanguarda do corporativismo, ao usar os poderes que lhe são conferidos para forçar o Executivo a conceder uma correção salarial em época de drástico corte de gastos e penúria de investimentos básicos.
A concessão do auxílio moradia é justificável em alguns poucos casos, mas absolutamente anômalo da forma generalizada com que foi acolhido em liminar pelo ministro Luiz Fux. Juízes e membros do Ministério Público, mesmo que, como em vários casos, possuíssem um ou mais imóveis nas cidades em que trabalham, passaram a receber ajuda de R$ 4,37 mil mensais. É abusiva a extensão desse direito, mas quem decide a questão em primeira e última instância é o beneficiário do auxílio, o STF. Com isso, usou-se os poderes de que dispõem para uma barganha indevida - abrir mão de um direito que não têm em troca de um reajuste salarial que, diante da situação dramática das finanças públicas, talvez lhes fosse negado.
Com isso, o Judiciário espetou uma conta de R$ 4 bilhões no Tesouro em 2019, mas esse cálculo pode ser impreciso. Além disso, as despesas com auxilio moradia, depois dele se tornar amplo, geral e irrestrito para os juízes, somaram algo como R$ 5 bilhões, sem arrecadação adicional, já que sobre esta parcela não incide Imposto de Renda.
O Judiciário tradicionalmente puxa a fila do arrastão salarial do funcionalismo público. A elevação do teto do Judiciário elevará a remuneração em todos os Poderes da União e, em seguida, dos servidores mais bem remunerados dos Estados e dos municípios. Só no Executivo e Legislativo, há 5,7 mil funcionários que ganham acima do teto e tem abatimento para se adequar a ele, ganharão também R$ 5,53 mil a mais com o reajuste.
Apenas o reajuste do Judiciário, de R$ 5,5 mil, equivale a uma renda mensal que 96% dos brasileiros não têm. Considerado o funcionalismo como um todo, eles recebem cerca de 67% a mais do que trabalhadores da iniciativa privada com mesma experiência e escolaridade - a maior diferença observada pelo Banco Mundial em pesquisa com 50 países - além de desfrutarem de outras benesses como a quase impossibilidade de demissão.
No caso dos magistrados, há nos Estados uma penca de outros benefícios que, somados, até ultrapassam o auxílio moradia, especialmente no Rio de Janeiro, mas não só lá. Qualquer vantagem, uma vez instituída, adquire vida própria e dificilmente será retirada, porque é o Judiciário que julgará sobre sua conveniência e adequação legal.
Os ministérios da Fazenda e do Planejamento, corretamente, se opuseram à sanção presidencial ao reajuste, votado às pressas no Senado sob inspiração de seu presidente, Eunício Oliveira (PMDB), que está a caminho de casa após ter sido derrotado nas urnas. O primeiro argumento é de que o reajuste é "contrário ao interesse público" e teria efeito-cascata em todos os poderes. Além disso, não há dotação para este aumento prevista na lei de diretrizes orçamentárias. E a Lei de Responsabilidade Fiscal obriga que a cada nova despesa criada sejam apontados os recursos que poderiam serão cortados de forma compensatória.
A derrubada da liminar que liberou o auxilio moradia, no entanto, não encerrou a história. Entidades como a Associação dos Juízes Federais do Brasileiro (Ajufe), a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) estudam meios de impugnar a decisão que pôs fim ao auxilio, dizendo que uma coisa é o reajuste de salário, e outra é o benefício retirado. A própria liminar dada por Fux misturava as duas coisas. O auxílio moradia não seria devido se houver reajuste de salários, mas seria legítimo, em tese, se não houvesse correção salarial.
Com o reajuste concedido, não é difícil prever que o pedido da equipe econômica para que se adie o reajuste do funcionalismo em 2019 também será abandonado. Com isso, a folha do funcionalismo encostará no ano que vem em R$ 300 bilhões, mantendo-se como a segunda maior despesa orçamentária após a Previdência - e sem perspectivas de contenção.
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