- Valor Econômico
Acordo entre EUA e China afetaria as vendas brasileiras
Em visita de trabalho nesta terça-feira à Casa Branca, faria sentido o presidente Jair Bolsonaro não limitar sua conversa com Donald Trump às agendas bilateral e regional.
Seria importante Bolsonaro procurar saber como andam negociações comerciais de Washington com a China e com a União Europeia (UE), pelo impacto que terão sobre a economia brasileira.
Também seria uma forma de recordar a Trump, reconhecidamente pouco esclarecido, que a dimensão e o alcance de interesses brasileiros não se limitam à região.
A visita de Bolsonaro à Casa Branca coincide com a tentativa dos EUA e da China de alcançar uma nova trégua na guerra comercial deflagrada por Trump.
Uma proposta que estaria em discussão visaria levar Pequim a reduzir seu superávit comercial com os americanos, que foi de US$ 324 bilhões em 2018 para algo próximo de zero em seis anos. Significa que as importações chinesas procedentes dos EUA poderiam alcançar US$ 600 bilhões em 2024, comparado a US$ 155 bilhões em 2018.
Nessa hipótese, o Brasil e vários outros exportadores perderiam entre 10% e 20% de suas vendas anuais para o mercado chinês, pelas projeções do banco britânico Barclays.
A China é o maior parceiro comercial do Brasil e o principal comprador dos produtos agrícolas brasileiros. E um acordo EUA-China envolvendo importações maciças de produtos americanos pelos chineses, se alcançado, tende a colocar assim o Brasil como um dos perdedores. É que basicamente haverá substituição de importações. Analistas consideram improvável que a China crie demanda adicional proximamente.
Muito vai depender das condições pelas quais produtores americanos voltarão ao mercado chinês, como nos casos de soja, carnes bovina e de frango. Se antes da imposição de sobretaxa chinesa eles tinham fatia de 50% em determinado produtos e caíram para 10%, voltar a ocupar 50% não traz grande problema. Se passam a ter 70%, graças a vantagens oferecidas pelo controle estatal de Pequim, a fatura pesará mais para produtores brasileiros. O frango brasileiro vai perder espaço, não parece haver dúvida sobre isso, com o compromisso de preço que aceitou para evitar sobretaxa antidumping. Os americanos voltarão com força no mercado agrícola chinês.
Se, por outro lado, os EUA arrancarem dos chineses acesso a novos mercados, por exemplo para o etanol, com 10% de mistura na gasolina, abrem-se possibilidades também para produtores brasileiros - no longo prazo. Atualmente o Brasil importa etanol de milho americano.
Para Gary Cohn, ex-assessor econômico de Trump, o presidente americano está "desesperado" por um acordo com os chineses e declarar-se vencedor. A dúvida de Cohn é sobre a capacidade de Trump de obter mudanças em subsídios estatais, regulações, regras trabalhistas e ambientais e em várias formas de interferência de Pequim que Washington acusa de causar concorrência desleal. Mudanças poderiam ser positivas também para outros parceiros, como o Brasil.
Em editorial, o jornal "The New York Times" conclamou Trump a não fechar um acordo que o permita proclamar um triunfo superficial, sem forçar a China a fazer mudanças importantes. Limitar ganhos a mais compras chinesas, ao custo de parceiros, seria algo puramente cosmético, na avaliação do jornal. Exemplificou que, se a China comprar mais soja da Dakota do Norte, isso significará menos compras da commodity brasileira, o que dificulta a situação para o parceiro.
Bolsonaro poderia indicar que o Brasil está atento também às discussões de Washington com a UE em torno de um acordo comercial. No lançamento da iniciativa, o comunicado conjunto EUA-UE não fez menções a produtos agrícolas. Mas durou pouco tempo até a Casa Branca começar a insistir que não pode ter entendimento com os europeus sem obter acesso preferencial para seus produtos agrícolas no mercado comum europeu.
Isso afetaria o Brasil, ao mesmo tempo em que as negociações do Mercosul e UE prosseguem sem entusiasmo. Os europeus não cessam de cobrar mais concessões. Chegaram a insistir com o Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai para poder aplicar o "'princípio de precaução", pelo qual poderiam suspender as importações sem completar investigações com base na ciência - ou seja, uma porta aberta ao protecionismo quando Bruxelas assim desejasse. O precedente para outros acordos comerciais do Mercosul seria significativo.
Por outro lado, os governos Bolsonaro e Trump poderão atuar juntos na Organização Mundial do Comércio (OMC) proximamente com proposta de uma negociação plurilateral (participa quem quer) para acelerar a liberalização no protegido setor de carnes. Isso aumentaria a pressão sobre a UE e a China. É algo que deve ser articulado pelas diplomacias ao longo do semestre.
Enquanto Trump cobra concessões rápidas dos chineses e dos europeus, Bolsonaro deve na volta focar também nas relações com os dois parceiros.
Mesmo se não ocorrer visita a Pequim, Bolsonaro terá neste ano ocasião de conversar duas vezes com o líder chinês Xi Jinping. Primeiro, no fim de junho na cúpula do G-20 em Osaka (Japão) e depois na cúpula do Brics em novembro, em Brasília.
Além disso, uma reunião da comissão mista poderá ocorrer nos próximos meses, com o lado brasileiro dirigido pelo vice-presidente, Hamilton Mourão. É quando cada lado traz "sua lavanderia e põe todos os problemas na mesa", como diz um negociador.
Com a UE, a relação bilateral sofreu um esfriamento a partir de 2014, antes mesmo do impeachment da então presidente Dilma Rousseff. A chefe da diplomacia europeia, Federica Mogherini, da centro-esquerda italiana, chegou a marcar visita ao Brasil no governo Temer, mas a adiou quando explodiu o escândalo da JBS.
O período de esfriamento bilateral coincidiu com a queda do comércio bilateral. O Brasil passou de nono para décimo segundo parceiro comercial dos europeus, superado por Canadá e México, dois países que têm acordos preferenciais com o bloco. Mas um fato relevante é que a UE continua a ser o segundo mercado de destino de exportações brasileiras. E não só por isso faz sentido buscar novo vigor nas relações bilaterais. O Brasil e a UE têm posições convergentes por exemplo na crise da Venezuela, diferentemente do que ocorre com a China e a Rússia, aliados de Nicolás Maduro.
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