Com Bolsonaro no Planalto, preocupação é que manifestações tensionem ainda mais o ambiente político
Gustavo Uribe / Folha de S. Paulo
BRASÍLIA - Na tentativa de impedir que o governo se envolva em nova polêmica, a cúpula militar quer evitar comemorações públicas e efusivas dos 55 anos do golpe militar, a serem completados no próximo dia 31 de março.
A preocupação é de que, por se tratar da primeira celebração da data no governo Jair Bolsonaro (PSL) —capitão reformado e simpático ao período da ditadura (1964-85)—, as manifestações extrapolem os muros dos quartéis e batalhões e ganhem os espaços públicos, tensionando ainda mais o clima político.
O receio surgiu após terem chegado a auxiliares do governo informações sobre a intenção de serem promovidas festividades maiores do que em anos anteriores para comemorar a efeméride, como em escolas de formação e em clubes militares.
A cúpula militar defende nos bastidores que se repita a discrição verificada nos últimos anos, sem haver, como definiram assessores presidenciais em conversas reservadas, “confete”, “serpentina” ou “carnaval”. E que “não se crie marola” sobre o assunto, nas palavras de um deles, ofuscando a reforma da Previdência, considerada a prioridade da atual gestão.
“É o primeiro 31 de Março sob a égide do governo de Jair Bolsonaro. Espera-se que haja algum tipo de comemoração, digamos assim, mas ela será, obviamente, intramuros”, disse à Folha o vice-presidente, general Hamilton Mourão.
As Forças Armadas discutem a expedição de uma diretriz sobre a memória da data, que, embora tenha comemoração considerada controversa, é valorizada e lembrada pela classe militar como um fato histórico relevante para o país.
Neste ano, ao menos três estabelecimentos militares incluíram a efeméride em seus calendários, divulgados em suas páginas na internet, como o dia da “Revolução Democrática de 1964”: a Escola Preparatória de Cadetes do Exército, o Comando de Operações Terrestres e o Colégio Militar de Santa Maria. No Clube Militar do Rio de Janeiro, foi marcado um almoço em homenagem aos 55 anos.
Desde 1965, o episódio costuma ser recordado no dia 31 de março em unidades militares. A partir de 2003, com a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao Palácio do Planalto, a lembrança passou a ser feita, no entanto, de maneira mais discreta.
Após a eleição de Dilma Rousseff (PT), a data foi retirada do calendário de comemorações do Exército, mas clubes militares continuaram a homenageá-la. Em 2011, segundo noticiou a Folha, foi cancelada palestra que o hoje ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, faria sobre a data, intitulada “A contrarrevolução que salvou o Brasil”.
Na época, em carta ao jornal, ele disse que a fala não iria “ferir os princípios da hierarquia e da disciplina”. “Minhas palavras não iriam modificar os fatos, apenas contar a verdade aos mais jovens”, afirmou.
Com a vitória de Bolsonaro, generais de alta patente avaliam agora reincluir a data na programação oficial do Exército. Procurado pela Folha, o Ministério da Defesa disse, por meio de sua assessoria de imprensa, que por enquanto "não dispõe de informações a respeito".
Preocupada com manifestações públicas, a deputada federal Perpétua Almeida (PC do B-AC) reuniu-se com o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva. Na audiência, marcada para discutir diferentes temas, ela disse ter relatado a ele que recebeu informações de que havia animação em unidades militares para a data e que não seria conveniente uma “comemoração extramuros”.
“Ele concordou que não há necessidade de criar novas tensões no país”, disse a parlamentar de esquerda.
Para o líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), é da responsabilidade do governo federal e dos comandos militares desestimularem comemorações públicas que podem, na avaliação dele, aumentar a polarização política no país.
“Eu acho que isso seria muito ruim, porque pode adicionar uma complicação maior a esse ambiente que já é muito tenso”, disse.
Apesar do receio da cúpula militar, a expectativa é de que o presidente se manifeste, nem que seja pelas redes sociais, em homenagem à data. Para auxiliares palacianos, na tentativa de evitar críticas da opinião pública, seria ideal que, no mesmo posicionamento, ele fizesse uma defesa da democracia.
No ano passado, no dia da efeméride, Bolsonaro publicou vídeo no Facebook em que aparecia estourando um rojão em frente ao Ministério da Defesa, acompanhado de uma faixa que agradecia os militares por não terem permitido que o Brasil se transformasse em Cuba. “O 7 de Setembro nos deu a independência e o 31 de Março, a liberdade”, disse.
Em sua trajetória política como deputado federal, ele fez inúmeros elogios à ditadura no país e chamou de “herói brasileiro” o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos principais símbolos da repressão durante o regime militar, morto em 2015.
Ustra comandou o DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações) do 2º Exército entre 1970 e 1974, no auge do combate às organizações da esquerda armada. Segundo o relatório final da Comissão Nacional da Verdade, só em sua gestão, a unidade militar foi responsável pela morte ou desaparecimento de ao menos 45 presos políticos.
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