- Valor Econômico
Eleições municipais entram no radar dos partidos políticos
A conhecida fórmula de dividir para conquistar e reinar, adotada por Jair Bolsonaro em sua bem sucedida estratégia eleitoral, precisa ser revista o quanto antes pelo presidente da República. Embora presente em almanaques militares e de teoria política, a estratégia tende a ser arriscada demais para um governo que ainda necessita obter um número considerável de votos no Congresso para conseguir ajeitar as contas públicas e reformar a Previdência Social.
O calendário que se impõe é desafiador. O Carnaval ocorreu relativamente tarde, apenas em março. Isso retardou a instalação das comissões temáticas no Parlamento e, na prática, adiou o início para valer dos trabalhos legislativos.
Além dos feriados que ainda restam neste primeiro semestre e dos festejos juninos, que tradicionalmente esvaziam o Congresso, dia após dia as eleições municipais do ano que vem passam a pautar o comportamento dos agentes políticos. Na capital federal, já há quem envie ao Palácio do Planalto recomendações para que Bolsonaro converse com os presidentes da Câmara e do Senado, com o objetivo de construir uma decisão consensual rumo à convocação do Congresso Nacional no que seria o recesso parlamentar do meio do ano.
Mais do que acelerar a tramitação da reforma da Previdência Social, a medida evitaria que os parlamentares retornassem às suas bases eleitorais. Lá, seriam alvos fáceis para pressões contra as mudanças defendidas pelo governo no sistema previdenciário.
Hoje, no entanto, o difícil é justamente esperar que o chefe do Executivo lidere uma iniciativa desse tipo. Quem sempre contestou o papel da política como meio para viabilizar projetos e executar políticas públicas tende a não ter a real dimensão da importância da pacificação nacional. Em sua cruzada contra os políticos tradicionais, Bolsonaro passou a ter parcela de responsabilidade na quase extinção de interlocutores confiáveis para qualquer governo no Congresso Nacional.
Um experiente parlamentar, que retornou nas últimas eleições à Câmara dos Deputados depois de exercer por um período cargo executivo no seu Estado, resume aos interlocutores que reencontra as dificuldades dos articuladores políticos do Palácio do Planalto. "Liste aí dez deputados que vão garantir o diálogo e construir acordos nesta legislatura", desafia. "Vai, rapidinho, responde em 15 segundos. Difícil, não é mesmo?", pressiona, sorrindo com a silenciosa concordância que recebe como resposta ou a ausência de contestação.
O preocupante é que passou mesmo a ser difícil responder esse desafio assim, de supetão. E tende a permanecer dessa forma ou piorar, até que os parlamentares do próprio partido do presidente da República compreendam que os acordos necessários à aprovação dos projetos de interesse do Palácio do Planalto - e de interesse do país - precisam ser feitos por meio de negociações, sim. Inclusive com representantes de siglas que seguem orientações ideológicas distintas.
No entanto, enquanto esse experimentado parlamentar demonstrava ao Valor sua legítima preocupação com o futuro das discussões legislativas, correligionários de Bolsonaro preferiam manter um duro enfrentamento com a oposição da tribuna sobre um assunto qualquer. Outros estavam dedicados a produzir mídias para suas redes sociais do chão do plenário. O exemplo vem do Planalto.
Desde a posse, o presidente da República dobrou a aposta. No lugar da política, Bolsonaro demonstra que vê na polarização do eleitorado uma forma de aglutinar forças populares para pressionar o Congresso a chancelar as decisões oriundas do Executivo. Essa estratégia, no entanto, não chegou ainda a passar por testes verdadeiros.
Não há ainda perspectiva de quando o Congresso Nacional poderá fazer sessão conjunta para apreciação de algum dos nove vetos feitos pelo presidente da República. Tradicionalmente, a eventual derrubada de vetos presidenciais é vista como sinal de debilidade do chefe do Poder Executivo ou mensagem de insatisfação dos parlamentares com o tratamento recebido pelo governo. Em outras palavras, demandas por cargos e liberação de verbas para suas bases.
O Parlamento também ainda não apreciou matérias orçamentárias relevantes, e as medidas provisórias editadas por Bolsonaro ainda estão longe de perder a validade. Vão expirar apenas em junho, quando a proposta de reforma da Previdência estiver em um estágio mais avançado de tramitação.
A oposição não precisa ter força extraordinária para derrubá-las, basta que o governo não consiga reunir votos suficientes para aprová-las para acumular derrotas ao fracassar em suas tentativas de alterar a estrutura do governo, reduzir ministérios, elevar o combate a fraudes previdenciárias e extinguir contribuição sindical na folha de pagamento. Junto com a reforma da Previdência, esses são assuntos que as corporações adorariam ver sucumbir no Congresso.
Isso sem falar na proposta de desvinculação orçamentária defendida pela equipe econômica. Ela pode levar as bancadas temáticas, antes vistas como aliadas de primeira hora na estratégia de reduzir o poder dos partidos políticos, a se insurgir contra uma iniciativa que pode reduzir as verbas das áreas de saúde e educação.
Apesar das resistências do presidente, o inevitável encontro de contas de seu governo com as lideranças tradicionais da política nacional não deve tardar. Elas estão à espera de sinais mais claros de como será o comportamento do presidente nas eleições municipais, quais aliados serão mais beneficiados por verbas, cargos e apoio durante a campanha.
No Senado, outro assunto já está no horizonte e pode conturbar o ambiente durante a tramitação da reforma da Previdência: a sucessão da procuradora-geral da República. O mandato de Raquel Dodge à frente da PGR acaba em setembro.
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