- The Washington Post, O Estado de S.Paulo
Possivelmente, Pyongyang não cumpriria seus acordos, mas os EUA não têm um histórico bom de respeitar pactos internacionais
Ao que parece, o presidente Donald Trump decidiu que um mau acordo com a Coreia do Norte seria pior do que nenhum acerto. Uma conclusão sensata, sugerindo que ele e sua equipe estão abordando este assunto tão importante com a seriedade que ele merece. Um dos desafios no caso é tentar chegar a um acordo com a Coreia do Norte que já no início detenha concessões, pois a história nos diz que Pyongyang não cumprirá seus compromissos. Mas na verdade os EUA também não têm um histórico muito bom de respeitar os compromissos internacionais.
Em uma negociação é sempre útil se colocar na posição do outro. Se você fosse um estadista norte-coreano, certamente analisaria o último acordo internacional importante negociado e assinado por um presidente americano: o acordo nuclear com o Irã. Em troca da eliminação de 98% do material físsil iraniano, da paralisação das milhares de centrífugas e do seu reator nuclear de Arak, como também as instalações de câmeras e inspetores em todas as áreas, os EUA concordaram com a suspensão das sanções contra o Irã e autorizaram as empresas ocidentais a manter negócios com o país.
Mas mesmo à época do governo Obama, o Irã nunca teve muito acesso ao sistema econômico internacional. E quando Trump assumiu a presidência, passou a infringir o acordo e a fazer pressão sobre os países europeus para boicotarem o Irã, usando também o poder do dólar para paralisar negócios com aquele país. Assim, sem nenhuma surpresa, o apoio ao acordo com o Irã, que era muito forte naquele país, sofreu um severo abalo.
Ou analise quando a Líbia aceitou, em 2013, “desmantelar” todas suas armas de destruição em massa, promessa que basicamente cumpriu. Em troca, o governo de George W. Bush se comprometeu a ajudar o país “a reconquistar um lugar seguro e respeitado entre as nações” e prometeu “relações muito melhores entre EUA e Líbia”. Praticamente nada disso ocorreu e anos depois o governo Obama ajudou a derrubar o regime de Muamar Kadafi. Não estou discutindo os méritos da intervenção na Líbia. Mas se você se colocar na posição do negociador norte-coreano e as garantias de segurança que Washington está prometendo, vai achar esta parte da história relevante e preocupante.
Se os norte-coreanos relembrarem honestamente a própria história de negociações com os EUA reconhecerão que mentiram e quebraram promessas repetidas vezes. O comportamento de Washington não foi tão ambíguo, mas foram feitas promessas a Pyongyang que jamais foram cumpridas.
Em 1994, a Coreia do Norte concordou em suspender as operações da sua central nuclear de Yongbyon e ter seu combustível usado monitorado por inspetores. Washington “adotaria medidas para a plena normalização das relações políticas e econômicas” e daria àquele país dois reatores de água leve. A Coreia do Norte adotou a maior parte das medidas determinadas.
Mas como sublinhou o estudioso Leon Sigal no website 38North.org, Washington retardou seus compromissos, jamais forneceu os reatores e não entregou o combustível no tempo previsto. Adotou apenas algumas medidas modestas para normalizar as relações.
Pyongyang deixou claro que se os EUA não cumprissem a sua parte do acordo, rejeitaria todas as suas obrigações. Mas o governo Clinton não se manifestou e a Coreia do Norte passou a violar o acordo. Em seguida, o governo de George W. Bush pôs fim a todo o processo e adotou uma posição muito mais dura contra o país.
Vamos comparar isto com o atual clima político. Trump se retirou do acordo nuclear com o Irã, do acordo sobre o clima de Paris, da Parceria Transpacífica e tem questionado o valor da Otan. E repetidamente deixa claro que considera qualquer medida adotada por seu antecessor no mínimo errada e com frequência enganosa.
Se você fosse um negociador norte-coreano com certeza perguntaria se algum acordo firmado com o governo Trump será honrado ou implementado corretamente por seus sucessores. E com razão. O corrosivo clima interno de polarização nos EUA tem um péssimo efeito sobre a credibilidade e coerência do país no exterior. / Tradução de Terezinha Martino
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