- O Globo
Enquanto o ministro da Educação dá aulas de autoritarismo, manda filmar crianças cantando o Hino Nacional e ordena, para logo voltar atrás, que louvem o novo Brasil, no velho reinado de Momo o carnaval dá lições de irreverência e liberdade.
Tem leis próprias essa festa orgíaca. As multidões respondem aos tambores da bateria, só cumprem ordens do puxador do samba, é um fuzuê anárquico, incompatível com o espírito marcial. Marcha, só rancho ou marchinha de carnaval.
Estes milhões de brasileiros suados e seminus não parecem afeitos à visão de mundo do ministro da Educação nem sensíveis à pregação moralista da ministra das Mulheres. Ambos não entenderam que não se apaga a cultura de um povo, inventando à força um país que não existe.
Difícil sustentar a tese da sociedade conservadora diante dos blocos que trazem, sim, inconvenientes à cidade, mas também um pouco de alegria para uma gente massacrada, desalentada por uma sucessão de decepções e desastres.
Este ano, o carnaval começou mais cedo e vai acabar mais tarde, como se os brasileiros quisessem esticar ao máximo esse território liberado para a festa possível. Embora carnavalesca incurável, este ano sinto no ar, pelo avesso da alegria, um fundo de tristeza que transforma o carnaval em uma gigantesca catarse, liberação de uma angústia reprimida, que não encontra onde pousar. Só isso explica que com tantos lutos recentes sobreviva a explosão de música e dança que sacode o país. Não é indiferença, é um outro jeito de chorar. E de protestar: estamos vivos!
As mulheres levam para os blocos a indignação contra uma sociedade onde são espancadas, estupradas e assassinadas. Tatuam no corpo “Não é não” e saem à rua para se divertir, insubmissas à intimidação.
Passou o tempo dos olhos baixos. O covarde que invadiu um banheiro feminino não se lembra do que fez, a desculpa da moda que um espancador inventou. Vão se lembrar na cadeia.
Moralistas odeiam o carnaval. O carnaval dispensa o moralismo, e as mulheres fazem valer sua moral.
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