segunda-feira, 4 de março de 2019

‘Direita assumida’ tenta cavar espaço em Portugal

Enquanto partidos conservadores tradicionais evitam associação com bandeiras ultradireitistas, siglas ainda nanicas procuram explorar avanço da tendência em vizinhos da Europa e no Brasil

- Gian Amato Especial para O Globo

LISBOA - A direita perdeu a timidez em Portugal. Enquanto a geringonça, a coligação informal de governo entre forças de esquerda, é invejada em quase todo mundo, a tentativa de fazer oposição ao primeiro-ministro socialista António Costa ganhou as ruas e as redes sociais. Neste ano de eleições europeias e legislativas, e que também marca os 45 anos do fim da ditadura de Salazar, novos partidos ainda sem representação parlamentar assumem posições mais à direita para disputar votos e militantes.

O ex-premier Pedro Santana Lopes (2004-2005) fundou o partido Aliança em outubro de 2018. Com campanha publicitária, cobertura dos meios de comunicação e explorando o espaço deixado pela inclinação ao centro do principal partido conservador — o Social Democrata (PSD), cujos dirigentes evitam se declarar publicamente de direita —, Lopes atraiu políticos da sigla como Virgílio Costa, que tinha mais de 40 anos na legenda.

CHANCE NA ELEIÇÃO EUROPEIA
Lopes convidou para vice-presidentes da agremiação a advogada da Madonna, Ana Pedrosa-Augusto, e um professor de ciência política, Bruno Ferreira Costa, ambos jovens e bem-sucedidos. Ao lado do experiente político, os novatos têm suas fotos estampadas em outdoors nas ruas das principais cidades com o slogan do Aliança: “Um país às direitas.” —Percebemos que as novas gerações já assimilam uma direita moderna, que não é reacionária ou retrógrada, mas capaz de acreditar na liberdade econômica. Assumimos publicamente que estamos à direita, sim, mas longe dos extremos — declarou Lopes, que salpica as frases com expressões em inglês.

O Aliança se apresenta como “low-cost, high profile e paper free” (de baixo custo, alto perfil na mídia e sem burocracia). Entre os pilares do seu estatuto estão a “liberdade de educação e o papel da família enquanto célula estruturante, liberdade econômica e iniciativa privada”. A sigla tem recrutado com campanhas no Facebook e no Instagram e usa fotos de modelos para atrair militantes, que podem contribuir com até €10,4 mil ao ano e devem ajudar na divulgação da captação de recursos via crowdfunding.

— Somos um partido do século XXI com aderência de bons quadros junto aos segmentos high tech ede startups —disse Lopes. 

Nas eleições para o Parlamento Europeu, em maio, o partido tem a chance de eleger um deputado. Paulo de Almeida Sande, ex-assessor do presidente Marcelo Rebelo (PSD), tem 4% das intenções, segundo o Eurosondagem. O outro objetivo é disputar as eleições para a Assembleia da República, em outubro, e, caso obtenham sucesso, negociar coligação de oposição com o PSD e o CSD-Partido Popular (PP). 

Candidato a estrela do partido, Bruno Ferreira Costa acredita na falência da geringonça no segundo mandato, para o qual António Costa deverá se reeleger, como indicam as pesquisas. —Vivem de aparência, por que são vários os problemas no país. Na União Europeia, Portugal tem que ter uma posição de exigência e não de obediência —disse o professor.

Para o cientista político José Adelino Maltez, Portugal entrou na fase de arrumação do tabuleiro pré-eleitoral para a ocupação do vazio à direita. O interessante será observar se haverá fragmentação nas Legislativas ou se a polarização PS versus PSD será mantida. Com o crescente avanço dos partidos de direita e extrema direita pela Europa, ele faz um alerta.

— Um populismo equivalente ao francês ou espanhol ainda não surgiu porque o fascismo português é covarde e não se recompôs desde o fim da ditadura. Mas já há um ou outro com discurso contra os imigrantes, os ciganos. Por enquanto, não parecem ter força intelectual ou financeira, mas cedo ou tarde isso vai acontecer. Quando o PSD diz que não é de direita, retoma posição ao centro para tirar votos do PS. E há um arranjo do cenário e disputa para obter aqueles votos à direita —disse Maltez.

Nas pesquisas para as eleições europeias, foi registrada a manutenção da maioria de centro-direita do Partido Popular Europeu, no qual estão o PSD e o CDS-PP (183 lugares). O grupo dos Socialistas e Democratas, do qual faz parte o PS, mantém a segunda maior bancada, com 135 deputados. O grupo de extrema direita Europa das Nações e das Liberdades (ENF), formado pela União Nacional de Marine Le Pen e pela Liga Norte de Matteo Salvini, sobe para 59, 22 a mais que os 37 atuais.

CONEXÃO COM O BRASIL
Ao constatar a tendência de crescimento do bloco de extrema direita, José Pinto-Coelho não sai do Facebook e sonha em eleger, pela primeira vez, um deputado europeu. Presidente do Partido Nacional Renovador (PNR) — sigla fundada em 2000 que nunca elegeu representantes e teve 0,18% dos votos na eleição geral de 2015 —, diz que pretende se candidatar por Lis boa em outubro. Para tirar partido da onda que levou à eleição de Jair Bolsonaro, Pinto-Coelho criou esta semana a página PNRBrasil no Facebook:

—Somos o único sem complexo de politicamente correto. Porque os outros são uma direitinha morna que a esquerda dominante permite e que lhe convém. Somos contra a imigração permissiva, não queremos uma Europa muçulmana, não defendemos bandido e só reconhecemos o sexo homem e o sexo mulher.

Ele, que viveu no Brasil por três anos, explica a estratégia das campanhas:

—Tivemos 15 mil votos nas últimas europeias. Temos que crescer dez vezes. Não é impossível graças ao que fizeram Bolsonaro, Trump, Salvini, o Vox espanhol. Mas se chegarmos a 50 mil votos, será um trampolim para as legislativas, onde, com 20 mil votos, chegarei ao Parlamento.

Pinto-Coelho diz que recebe centenas de mensagens da direita brasileira. Depois que o deputado do PSOL Jean Willys renunciou ao mandato e saiu do Brasil devido a ameaças, ele organizou o protesto “Jean Wyllys não é bem-vindo em Portugal”. Diz acreditar que o ex-parlamentar brasileiro, convidado a dar palestras na Universidade de Coimbra no mês passado, é um dos símbolos do “marxismo cultural”:

— Está enraizado nas escolas, nos meios de comunicação e no sistema. Isto é o sistema. Para eles, a direita é ódio. E a esquerda, a tolerância.

André Ventura já foi do PSD e é o fundador do Chega, na fase de formalização, mas já com as assinaturas necessárias para a aprovação. Defende a castração de pedófilos e declarou que a etnia cigana viveria de subsídios estatais. Seu partido deverá formaruma frente para as europeias com o Partido Popular Monárquico (PPM), o Partido Cidadania e Democracia Cristã (PPV-CDC) e o movimento Democracia 21. Em 2017, também foi criado o Iniciativa Liberal (IL).

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