- Folha de S. Paulo
Ninguém vai mandar no lugar de Bolsonaro; cabe só a ele controlar seu poder de fazer estragos
“As armas, não os homens, lutaram.” Assim Jorge Luis Borges começa a encerrar a breve história “O Encontro”. Deduz ter achado explicação para um duelo que tinha testemunhado quando ainda era criança.
Um homem assassinara o outro no fim do combate, e muito tempo depois o narrador fica sabendo que as adagas usadas na refrega, retiradas naquele dia da coleção de armas da casa em que estavam os contendores, tinham uma longa história.
Uma pertencera, no passado distante, a um gaúcho famoso. A outra era do seu arquirrival. Os dois inimigos procuraram um ao outro ao longo da vida para acertar suas diferenças, mas jamais se encontraram.
As adagas cumpriram, pelas mãos de outras pessoas, o seu destino de duelar. “As duas sabiam lutar —não seus instrumentos, os homens— e lutaram bem naquela noite.”
A Presidência da República funciona mais ou menos como as armas no conto de Borges. Exerce seu poder egoísta a despeito de quem seja o indivíduo com a faixa verde-amarela.
Por isso vão encontrar sólida resistência, se não acabarem num completo fracasso, as tentativas de tutelar o presidente Jair Bolsonaro da parte de militares, de Sergio Moro ou de Paulo Guedes. O chefe do Executivo, ainda mais no Brasil, manda até mesmo quando não quer.
Ministro obedece ou cai fora, como aprendeu nesta semana o da Justiça no episódio da desnomeação de Ilona Szabó. Auxiliares econômicos e estafe palaciano engolem a seco as flechadas presidenciais contra pilares da reforma da Previdência.
Meninos e meninas da Faria Lima, deslumbrados com a agenda liberal, iludem-se e iludem os seus clientes com fantasias de tutela presidencial. Menosprezam a mecânica surda da política e das instituições.
Quem quiser arriscar aposte na capacidade própria do aprendiz de feiticeiro de controlar em tempo hábil o poder de fazer estragos da sua varinha mágica. Não perca tempo achando que alguém vai mandar em nome de Jair Bolsonaro. Não vai.
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