- Folha de S. Paulo
Atual governo destrói com empenho a política internacional do país
No final de 2019, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, publicou no Twitter o balanço da política externa brasileira no primeiro ano de sua gestão.
Segundo ele, a ação exterior de sua pasta acumulara êxitos na área comercial, na afirmação da soberania e na promoção da democracia e dos valores do povo brasileiro. Há quem concorde com o ministro, enfatizando que nossa política externa, por ser coerente com a orientação do governo Bolsonaro, estaria no rumo certo.
Mas qual é mesmo o rumo? Isso existe no comércio internacional. Aí o dinamismo e os interesses do agronegócio definem o caminho. Fora disso, em meio a discursos grandiloquentes, ofensas gratuitas a parceiros e obsequiosa subserviência ao presidente Donald Trump, Bolsonaro e seu fiel ministro empurram o país rumo à insignificância internacional.
Muitas décadas atrás, o embaixador Araújo Castro (1919-1975), diplomata tarimbado, disse que, nos anos 1950, embora houvesse desenvolvido uma política externa, o Brasil ainda carecia de uma política internacional. Com isso distinguia as relações de um país com outros —fossem elas bilaterais ou no interior de organismos multilaterais— da existência de concepção mais ampla e de longo alcance do papel internacional que aspira a desempenhar bem como das estratégias para chegar lá.
Ao longo das últimas décadas, governos de diferentes orientações políticas foram construindo a visão de uma nação pacífica que desejava mais protagonismo nas decisões internacionais. Um país que buscava relações de cooperação com os Estados Unidos, ao mesmo tempo em que reafirmava sua autonomia em relação à grande potência do Norte. E que se propunha a desempenhar função estabilizadora e de articulação política na América do Sul —além de se somar à causa da preservação ambiental. Para realizar seus objetivos, o compromisso forte com o multilateralismo tornou-se política de Estado, não por ideologia, mas por ser esse o arranjo no qual limitados recursos de poder disponíveis a uma nação emergente poderiam ser potencializados.
Assim, em sua ação externa, o Brasil somou-se à construção de regimes internacionais —entre eles o da mudança climática— e teve participação ativa nos organismos multilaterais, nos quais passou a demandar assento nos centros de decisão mais importantes, como, por exemplo, a direção da Organização Mundial do Comércio ou uma cadeira permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
É a política internacional do Brasil que o governo de extrema direita está destruindo com empenho. Sem ela, a política externa ruma certeiramente para lugar nenhum.
*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
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