quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Joel Birman* - Repetição como farsa

- O Globo

Não acredito que a escolha de Regina Duarte possa modificar o projeto

Não há dúvida de que Bolsonaro se identifica com o projeto nazista de Roberto Alvim para a cultura. Porém, não esperava a reação da comunidade judaica que a ele se aliou desde a campanha eleitoral, e que promoveu uma famosa reunião no Clube Hebraica, no Rio de Janeiro, na qual o candidato Bolsonaro fez discursos de teor eminentemente fascista contra índios e negros. Como Bolsonaro preza sua aliança espúria com Israel, em consonância com os evangélicos brasileiros, Alvim ficou insustentável.

Nada disso é novo na brasilidade bolsonarista. O historiador argentino Filkenstein já indicava a similaridade do discurso de Bolsonaro com o nazista. Além disso, depois de eleito, fez o elogio de ditadores sangrentos como Pinochet e Stroessner, assim como dos crimes na época da ditadura militar no Brasil. O secretário de Cultura caiu, mas o projeto cultural continuará de pé, sua realização apenas poderá ser impedida pela resistência dos cidadãos brasileiros, em nome do estado democrático de direito.

Não acredito que a escolha de Regina Duarte para o cargo possa modificar o projeto, mesmo que seja uma artista reconhecida, o que Alvim, apesar de mais jovem, também era. O projeto de fundo continua o mesmo, infelizmente, não basta mudar os nomes.

A razão disso tudo? A sustentação direta do projeto político de Goebbels, ministro da Educação e Propaganda de Hitler desde os primórdios do regime nazista, baseado no combate da arte degenerada e do marxismo cultural, com a produção da arquitetura da destruição proposta pelo nazismo. Apropriando-se de expressões e metáforas do político nazista, Alvim nos propôs o renascimento da cultura brasileira na construção de uma máquina de guerra, conjugando Deus, pátria e família, em oposição a tudo o que ocorreu anteriormente na história cultural brasileira.

O ex-secretário se valeu fartamente dos ingredientes de sua formação teatral no pronunciamento, com a postura militar assumida pelo corpo, pelo tom de voz e pausas ensaiadas, pelo corte de cabelo parecido com o de Goebbels e a coloração de suas roupas, num cenário meticulosamente montado com a cruz medieval de Lorena e o retrato do presidente Bolsonaro ao fundo, acompanhado suavemente pela música de “Lohengrin”, a ópera de Wagner preferida do Führer .

Não havia qualquer originalidade no discurso de Alvim, um plágio descarado da intervenção de Goebbels aos artistas de teatro da Alemanha em 1933. Mesmo que Alvim tenha falado em coincidência retórica, qualquer análise semiológica preliminar do seu texto indica a apropriação vergonhosa do discurso de Goebbels, se nos basearmos na análise intertextual proposta pelo linguista russo Bakhtin.

O discurso do ex-secretário era previsível, não apenas por suas ações anteriores desde o tempo da Funarte, como pelos ataques que realizou contra Fernanda Montenegro, e as indicações para os cargos principais da Secretaria de Cultura, com os discursos protonazistas dos escolhidos.

Para Alvim, a censura não é censura, mas curadoria. Por sua agressão a Fernanda Montenegro, foi aplaudido por Bolsonaro e promovido ao posto de secretário de Cultura. Além disso, Alvim foi saudado por Bolsonaro como o mais importante secretário de Cultura que o Brasil já teve.

A cena dramatúrgico-política de Alvim, sustentada por Bolsonaro, é uma repetição da cena originária de Goebbels nos seus menores detalhes, e não passa assim de uma farsa, já que, como dizia Marx sobre a repetição histórica no “18 de Brumário de Luís Bonaparte”, a história acontece como tragédia (nazismo) e se repete como farsa ( populismo de extrema direita contemporâneo), no cenário da miséria tropical brasileira. Sustentada pelo discurso evangélico neopentecostal, pelas bancadas ruralista e da bala do Congresso Nacional, pelas milícias paramilitares e digitais, sem esquecer, é claro, as elites econômicas brasileiras que apoiaram financeiramente o projeto político de Bolsonaro, tornando possível assim a sua eleição.

*Joel Birman é professor da UFRJ e psicanalista

Um comentário:

Fernando Carvalho disse...

Essa história da queda do goebelsiano Roberto Alvim tem que ser melhor contada. Parece que o embaixador de Israel chamou Boçalnaro na xinxa e o boçal demitiu o ministro nazistoide. Mas dizem que a Confederação Israelita não aprovou a pressão do embaixador no precioso aliado do Estado de Israel que é Boçalnaro.