Indiciamento de jornalista é afronta – Editorial | O Globo
Procurador denunciar Greenwald, não responsabilizado pela PF, significa investir contra a Carta
A Operação Lava-Jato, lançada a partir de Curitiba em março de 2014, seria um marco histórico e atrairia apoiadores apaixonados e críticos ferozes. Não deixaria de causar ruidosas e duradouras repercussões uma força-tarefa criada entre Justiça, Ministério Público, Polícia Federal e Receita capaz de desmontar, entre outros esquemas de corrupção, aquele batizado de petrolão, montado dentro da Petrobras num conluio entre PT, legendas aliadas (PMDB e PP), empreiteiras e dirigentes da estatal. O caso se desdobrou em investigações e processos na Suíça, nos Estados Unidos e em vários países latino-americanos. Bilhões foram devolvidos ou pagos em multas pela estatal para não ser indiciada pela Justiça americana. Um ex-presidente da República, Lula, foi preso.
Ainda se sucedem implicações geradas pela Lava-Jato, como intensas escaramuças no Legislativo e na própria Justiça entre os que desejam domesticar uma repressão mais firme à corrupção e correntes que mesmo admitindo alguns exageros nas investigações querem preservar a espinha dorsal deste modelo de trabalho contra o roubo do dinheiro público, inédito no país, e que vem sendo construído há muito tempo.
Dentro deste contexto, um procurador da República, Wellington Divino de Oliveira, do Distrito Federal, acaba de denunciar o jornalista americano Glenn Greenwald, radicado no Brasil, pela invasão de caixas postais de autoridades, dentro do sistema de mensagens russo Telegram. Greenwald, do site Intercept, recebeu de hackers, devidamente investigados e sendo processados, uma grande quantidade de mensagens trocadas entre o ainda juiz da Lava-Jato Sergio Moro e procuradores, entre eles, Deltan Dalllagnol, chefe do MP na operação.
Há um debate e enorme divergência em torno da importância jurídica do material, sem dúvida usado por interessados em degradar a imagem de Moro e ajudar investigados. Há também, deve-se reconhecer, quem de boa-fé se preocupa com o respeito aos espaços de privacidade e de atuação do Estado definidos pela Constituição. E há também má-fé.
Mas agora o que importa é rechaçar o ataque ao jornalista, protegido pelo direito de informar e do sigilo da fonte. Mesmo que ela já seja conhecida, é afrontoso tentar acumpliciar Glenn Greenwald com os hackers, com base em interpretações forçadas de frases soltas em diálogos travados entre Glenn e Walter Delgatti Neto, obtidos pela Polícia Federal. Que, por sinal, nada viu nas investigações que identificasse a “participação material” do jornalista nos crimes de interceptação e roubo dos diálogos.
É preciso separar o que é importante daquilo que só atrapalha o entendimento do que aconteceu. Investigar o que esteve por trás da invasão de privacidade e tudo o mais não pode avançar sobre o espaço da liberdade constitucional de imprensa e, por decorrência, do jornalista. Que não pode é propagar mentiras, calúnias e difamações. Moro e Dallagnol não reconhecem o material vazado, que não serve de prova na Justiça por ter sido roubado. Já as implicações políticas são livres numa sociedade que se pretende aberta. Inaceitável é o MP, por meio de um procurador, buscar vingança no uso do cargo.
Caixa aberta – Editorial | Folha de S. Paulo
Auditoria no BNDES não vê evidência de crime, mas pode ajudar a definir papel do banco
A custosa auditoria contratada pelo BNDES para investigar algumas de suas operações durante os governos petistas de Lula e Dilma Rousseff concluiu que não há evidência direta de suborno ou corrupção no escopo do que foi analisado.
Com o exorbitante gasto de R$ 48 milhões, o trabalho encomendado no governo Michel Temer teve como foco oito operações, entre 2005 e 2018, com as empresas JBS, Bertin e Eldorado Brasil Celulose. Os valores chegam a R$ 11,4 bilhões.
Buscou-se determinar se houve pressão, interna ou externa, ou influência indevida no sentido de “alterar as opiniões e recomendações da equipe técnica do BNDES” de modo a beneficiar as empresas.
Embora não sirva de salvo conduto às gestões petistas, na medida em que a investigação é apenas parcial e apresenta uma conclusão cheia de ressalvas, a ausência de prova direta de desvios importa para refutar as teses mais radicais de parte do governo Jair Bolsonaro de que o banco seria uma caixa-preta repleta de irregularidades.
Nesse contexto, a demissão abrupta de Joaquim Levy em função de suposta resistência em abrir as transações do banco (e também em antecipar a devolução dos empréstimos da União) fica ainda mais vexatória para o governo, inclusive para o ministro da Economia, Paulo Guedes, que tolerou a humilhação pública de seu subordinado.
Por outro lado, o relatório final aponta possíveis lacunas na investigação, como o acesso apenas a documentos públicos ou internos, o caráter voluntário de conversas com a área técnica, a falta de acesso a executivos das empresas ou a políticos mencionados como possíveis receptores de pagamentos.
Além disso, segundo o relatório, em várias situações funcionários não seguiram as políticas do banco, usando de sua discricionariedade para alterar condições contratuais, embora se possa avaliar que frente às informações existentes na época as decisões tenham sido baseadas em razões legítimas.
Essa constatação joga luz em outra crítica usual à atuação do BNDES, relacionada à política de formação de campeões nacionais, da qual a JBS talvez seja o principal exemplo, e ao financiamento para obras em regimes amigos da esquerda, como Cuba e Venezuela.
Ainda que legalmente corretas, algumas dessas decisões foram mais baseadas em ideologia, ao custo de enormes subsídios, do que no interesse nacional. Tais erros não são revertidos pelo resultado da investigação.
Bolsonaro e alguns membros de seu governo deveriam aproveitar a oportunidade para adotar uma abordagem mais racional em relação ao papel do BNDES. Seria desejável que começassem a pensar fora de sua caixa-preta ideológica.
Uma boa iniciativa – Editorial | O Estado de S. Paulo
Depois de um ano de bravatas, caneladas e falta de rumo na área ambiental, o governo de Jair Bolsonaro afinal tomou uma iniciativa que, se for conduzida com propriedade, pode ajudar a reverter o desastroso desempenho do Brasil nessa seara, considerada crucial para o desenvolvimento.
Trata-se do anúncio da criação do Conselho da Amazônia, cujo objetivo, segundo o presidente, será coordenar as ações de vários Ministérios em projetos para a proteção e o desenvolvimento sustentável da Amazônia. Na mesma linha, o governo informou que será criada uma Força Nacional Ambiental, em articulação com os Estados da região, destinada a combater o desmatamento e outros crimes ambientais.
São ações de quem parece ter entendido a gravidade do problema – mesmo que tenha sido mais por pressão do que por convicção. O desmatamento na Amazônia vem batendo recordes, mas esse desastre foi tratado com desdém pelo presidente Bolsonaro e por seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. As críticas ao governo foram interpretadas ou como intriga de países europeus interessados em prejudicar o agronegócio brasileiro ou simplesmente como invenções destinadas a alimentar uma conspiração internacional com o objetivo de violar a soberania nacional.
O simples fato de que o governo tomou alguma atitude com contornos institucionais para enfrentar o problema deve ser, portanto, comemorado, ainda que quase nada se saiba sobre o formato do Conselho da Amazônia.
Até ontem, não havia informações sobre o que norteou a criação do Conselho nem como será composto ou como funcionará. Também não se sabia qual o volume de recursos necessários para bancar a empreitada. O que se sabe oficialmente é que o Conselho será coordenado pelo vice-presidente Hamilton Mourão, e que a estrutura da nova entidade ficará na própria Vice-Presidência.
Parece prudente entregar essa tarefa a Mourão, que conhece bem a região amazônica e ademais mostrou-se até aqui bem mais ajuizado que o ministro do Meio Ambiente. Pode soar estranho que uma iniciativa tão importante na área ambiental não tenha à testa o ministro da área, mas, nesse caso, a decisão faz todo o sentido, pois o ministro Ricardo Salles é um dos grandes responsáveis pela forte degradação da imagem do Brasil em relação à questão ambiental, graças principalmente a seu comportamento às vezes intempestivo em encontros internacionais sobre o clima. É preciso, portanto, aumentar o teor de serenidade no comando de ações governamentais destinadas a mitigar o desastre ambiental na Amazônia, e o vice-presidente Mourão em princípio atende a esse requisito.
Não parece ser coincidência que o anúncio da criação do Conselho da Amazônia tenha ocorrido no momento em que o ministro da Economia, Paulo Guedes, está em Davos (Suíça), no Fórum Econômico Mundial, para apresentar a investidores estrangeiros oportunidades de negócios no Brasil. Como era esperado, esses investidores cobraram do governo brasileiro uma política ambiental séria, pois atualmente não se concebem negócios, em qualquer lugar civilizado do mundo, sem levar em conta a questão da preservação do planeta, hoje a principal preocupação de parte significativa dos consumidores.
O típico discurso bolsonarista adotado pelo ministro Guedes em Davos, segundo o qual “o pior inimigo da natureza é a pobreza, as pessoas destroem o meio ambiente porque precisam comer”, tem cada vez menos espaço num mundo que rejeita a destruição das florestas em nome do desenvolvimento econômico dos países emergentes. E, no caso do Brasil, porque a devastação não é feita por famélicos, mas por criminosos em busca de ganhos fáceis e rápidos.
Pouco importa se a intenção de Bolsonaro, ao anunciar a criação do Conselho da Amazônia, seja a de tentar melhorar a imagem brasileira no exterior, desgastada pelo próprio presidente em reiteradas declarações hostis ao lidar com o problema ambiental desde que tomou posse. O que interessa é que a iniciativa, se passar do discurso à prática, tem tudo para ser um bom passo na direção da formulação de uma política ambiental realista, conjugando os interesses econômicos com os imperativos climáticos, condição sem a qual é impossível pensar em desenvolvimento sustentável.
Davos debate desigualdade, mas faltam soluções eficazes – Editorial | Valor Econômico
A desigualdade foi um dos temas recorrentes na reunião deste ano do Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça. O fórum começou, na terça-feira, já sob o impacto de dois novos relatórios nada auspiciosos a respeito do assunto, um deles da rede de organizações não-governamentais Oxfam, e outro da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
A Oxfam constatou, dramaticamente, que “a desigualdade econômica está fora de controle”, depois de calcular que apenas 2.153 bilionários detêm mais riqueza do que 60% da população mundial, o equivalente a 4,6 bilhões de pessoas. Mais do que isso, 22 deles possuem mais dinheiro do que todas as mulheres da África juntas.
Já a OIT salientou que, apesar do desemprego estar relativamente baixo na média mundial, em 5,4%, muitas pessoas estão no trabalho informal. Segundo a organização, somam 188 milhões os desempregados no mundo, dos quais 12 milhões no Brasil. Outras 165 milhões de pessoas têm emprego, mas gostariam de trabalhar mais; e 120 milhões não são considerados desempregadas, mas só marginalmente vinculadas ao mercado de trabalho. E há cerca de 2 bilhões de trabalhadores informais, 61% da força de trabalho mundial.
Em termos de salário, que tem impacto direto na desigualdade, mais de 630 milhões de trabalhadores no mundo continuam vivendo na pobreza extrema ou moderada, que a OIT define quando se recebe menos de US$ 3,2 por dia em termos de paridade de poder de compra. Além disso, a renda do trabalho diminuiu para o equivalente a 51% dos ganhos dos detentores de capital, abaixo dos 54% de 2004. Na análise da organização, tensões comerciais e geopolíticas deprimem a confiança de empresários e investidores, influenciando negativamente as cadeias globais de produção.
Não foram apontadas soluções novas para o problema. A Oxfam voltou ao tema da tributação de fortunas. Enquanto os salários médios cresceram 3% de 2011 a 2017 nos países do G-7, os dividendos para acionistas saltaram 31%. Nos mercados emergentes a diferença deve ter sido ainda maior. Segundo a associação, apenas 4% das receitas tributárias globais provêm da taxação de fortunas, e a evasão fiscal escamoteia 30% da renda dos muitos ricos.
O próprio Fórum Econômico Mundial divulgou estudo que projeta ganho de até 4,4% no PIB global caso as economias dessem oportunidades iguais a seus cidadãos. Levando em conta salários, sistema de proteção social, condições de trabalho e educação continuada, a lista dos dez países entre 82 analisados com maior mobilidade social no mundo engloba somente os europeus Dinamarca, Noruega, Finlândia, Suécia, Islândia, Holanda, Suíça, Áustria, Bélgica e Luxemburgo. Os Estados Unidos aparecem em 27º lugar; e o Brasil está na 60ª posição.
Perguntado em um painel, em Davos, a respeito do que o Brasil estava fazendo para combater a desigualdade e apoiar os jovens, o ministro da Economia, Paulo Guedes, avaliou que a desigualdade de renda tem duas origens principais no país. A primeira delas é a educação deficiente, que dificulta o acesso dos jovens de origem pobre aos bons empregos; e a segunda, a falta de competição no mercado interno. Segundo o ministro, países asiáticos que evoluíram economicamente, como a Coreia e o Vietnã, investiram na educação em seus primeiros estágios e abriram seus mercados. Sem dar detalhes, Guedes informou que o governo vai apoiar um “gigantesco [programa de] vouchers para educação nos primeiros estágios” (Valor 22/1). Disse ainda que a reforma da Previdência aprovada no ano passado foi totalmente focada nos jovens, e lembrou a agenda de desoneração de salários para a contratação de jovens. Em relação aos mercados, reclamou que “temos cartéis para todos os lados porque não gostamos do capitalismo, odiamos competição”.
Guedes não acenou com nada mais direto em relação ao mercado de trabalho. Não falou em programas sociais, reconhecidos como eficientes para reduzir a desigualdade até pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). A preocupação do ministro com a educação “nos primeiros estágios” chama a atenção uma vez que é responsabilidade das autoridades municipais. Além disso, sabe-se que o principal problema da educação no país está no ensino médio, cujas deficiências provocam evasão e resultam no fraco desempenho dos jovens nos exames internacionais.
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