- Folha de S. Paulo
Ministro não está entre os que aderiram ao bolsonarismo para moderá-lo
Em 2018, Paulo Guedes disse à jornalista Malu Gaspar, da revista Piauí, que Bolsonaro havia se tornado “um animal completamente diferente”. Foi a pior avaliação de risco zoológico desde a do cara que não cozinhou direito o morcego.
Guedes não está entre os que podem dizer que aderiram ao bolsonarismo para moderá-lo. Aderiu cedo, quando Bolsonaro ainda era fraco, e serviu de álibi para que a elite o apoiasse. “Álibi”, não “razão”: pouco depois do impeachment, pesquisas mostravam Bolsonaro muito melhor entre os ricos do que entre os pobres. Paulo Skaf, a Sara Winter da burguesia, está aí para provar o quanto foi fácil convencê-los.
Mas digamos que, depois da eleição, Guedes tivesse conseguido moderar Bolsonaro e aplicar seu programa com sucesso. Teria sido preciso reconhecer que jogou certo.
Pois é, não.
Guedes como moderador de Bolsonaro foi um fracasso. Digo-lhe o mesmo que já disse para os militares: se isto aí é a versão moderada, o que foi que vocês apoiaram em 2018? Guedes ficou lá durante as ameaças de golpe, subestimou a pandemia junto com Bolsonaro (“com 4 ou 5 bilhões a gente derrota”) e talvez tenha perdido a última chance de sair com alguma aparência de dignidade quando não se demitiu com Moro.
Os resultados econômicos não vieram. O crescimento de 2019 foi muito menor do que as projeções do início do ano. Não, não estávamos voando antes da pandemia. O Comitê de Datação de Ciclos Econômicos da FGV mostrou que o Brasil já entrava em recessão no primeiro trimestre de 2020.
Guedes tampouco foi responsável por aprovar qualquer reforma. A da Previdência foi tocada por Rodrigo Maia, o marco do saneamento foi tocado por Tasso Jereissati. Na tributária, Guedes conseguiu uma façanha: propôs a nova CPMF, vetada pelo Planalto, o que faz dele o único ministro contra quem Bolsonaro já teve razão.
Diante da pandemia, Guedes foi salvo pelo Congresso, que aprovou um auxílio emergencial três vezes maior do que a proposta do governo. Ao que parece, é esse auxílio que vem sustentando a popularidade presidencial nas pesquisas à medida que a classe média lavajatista abandona Bolsonaro.
A coisa toda é uma lição para o ministro da Economia.
Em 2018, ele gostava de se referir aos períodos PSDB e PT como se fossem uma coisa só, uma era social-democrata. Isso lhe dava pontos junto aos bolsonaristas, que haviam acabado de aprender, com Olavo de Carvalho, a expressão “socialismo fabiano”.
PT e PSDB nunca foram a mesma coisa. Porém Guedes tinha razão em um ponto: o eleitorado da Nova República demonstrou preferências social-democratas. Queria capitalismo com redistribuição de renda, escolhendo, em cada eleição, a combinação que lhe agradava. A eleição de Bolsonaro, que não parecia ser baseada em nada disso, parecia ter rompido o padrão.
Mas quando a crise bateu, quando a onda da Lava Jato passou, onde chegamos? Chegamos a Guedes desesperado tentando comprar legitimidade para suas reformas ampliando o Bolsa Família e taxando dividendos.
Sem a expectativa, que sempre foi infundada, de um grande salto econômico causado pelo fim súbito e sem custos da corrupção, o eleitorado volta a ser social-democrata.
Agora é ver quem vai ter mais dificuldades de se adaptar: Guedes para ser social ou Bolsonaro para ser democrata.
*Celso Rocha de Barros, Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).
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