segunda-feira, 6 de julho de 2020

Alex Ribeiro - BC avalia a força da volta da economia

- Valor Econômico

Questão no fim do ano é se a demanda crescerá sem ajuda

O ponto mais relevante na decisão sobre os juros na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, no começo de agosto, será a força com que a economia está retomando depois do baque do coronavírus. Mais para o fim do ano, entraremos em uma nova etapa: será a vez de examinar como a economia estará caminhando com as próprias pernas, quando saírem de cena os programas de transferência de renda do governo.

“Pensando na próxima reunião [do Copom] e onde está o olho do comitê, é na atividade econômica agora”, disse o diretor de Política Monetária do BC, Fabio Kanczuk, em uma live do Banco Safra. “O Copom está mais de olho nos dados de atividade do que esteve nos meses anteriores.”

O Banco Central está agora na terceira fase da sua resposta à pandemia. Na primeira, em meados de março, quando ainda havia muita incerteza sobre o tamanho do choque que atingiu a economia, concentrou-se em injetar liquidez no sistema financeiro, com um programa de R$ 1,2 trilhão. Na segunda fase, em maio, o BC já foi capaz de dimensionar melhor o impacto no Produto Interno Bruto (PIB), que passou de uma alta de 2% para uma queda de 6,4% neste ano. Nessa etapa, o Copom estimou o grau de estímulo monetário que seria preciso para compensar a queda da economia e baixou a Selic em dois pontos percentuais.

Agora, o Banco Central está olhando com atenção os dados de atividade econômica para verificar se a economia vai, de fato, reagir da forma esperada. O cenário central do BC não é de uma recessão em forma de “V”, em que a economia se recupera rapidamente depois de cair fortemente, disse Kanczuk. Também não é de “U”, em que a economia cai, fica muito tempo no fundo do poço e só bem mais tarde volta. O Banco Central vê uma recuperação em formato de “swoosh”, ou do símbolo na Nike. Ou seja, depois da forte queda, a economia terá uma recuperação inicial mais forte e depois converge mais lentamente para o nível que estava antes da pandemia. Esse é, segundo Kanczuk, o cenário básico do Copom, que leva a uma projeção de inflação de 3,2% para 2021.

Aqui, um parênteses: alguns analistas econômicos dizem que, dada a projeção de inflação de 3,2%, o Banco Central deveria cortar os juros mais aceleradamente, afinal o percentual é bem menor do que a meta de 2021, de 3,75%. O argumento é que a fase dois no plano de reação à crise não foi completada: os juros teriam que cair mais para fazer frente ao choque do coronavírus. Se o BC não corta os juros, é porque desistiu da meta de 2021. O BC, porém, tem afirmado que não existe relação mecânica entre as projeções de inflação e as decisões de política monetária. Nunca houve, nem no Copom atual nem nos anteriores - se fosse assim, bastava rodar o modelo de projeção e decidir a baixa de juros necessária. O que o Copom olha, na verdade, é a inflação esperada, que representa a média ponderada pelas probabilidades das projeções no cenário básico e nos alternativos. Entre eles, se destaca o cenário em que os programas de renda do governo se traduzem em uma queda menos intensa da demanda. Fecha parêntesis.

O que está no foco do BC agora, portanto, é a velocidade da volta da economia. Como Kanczuk disse que o cenário básico do Copom é uma recuperação no formato do símbolo da Nike, depreende-se que, se esse for o padrão da retomada, então a inflação deverá caminhar para 3,2% (isto é, se não houver surpresas negativas em outros riscos, como o fiscal). Nessa hipótese, em tese haveria espaço para, pelo menos, uma discussão sobre cortar os juros além do possível ajuste “residual” sinalizado.

Importante notar, porém, que o Banco Central está de olho em mais do que apenas o comportamento da demanda agregada. “Fica aí fica uma questão: quais dados da economia estão voltando, são aqueles ligados à demanda, ao consumo? Ou a economia está voltando como um todo, com o fim do lockdown, e a oferta vem junto?”, perguntou-se Kanczuk. Ou seja, não importa apenas a demanda, mas também a oferta. Se a demanda crescer sozinha, a capacidade ociosa será menor que o estimado.

Depois da etapa atual, o Banco Central vai entrar em uma nova fase no diagnóstico da economia, provavelmente no fim do ano. Os programas de transferência de renda devem terminar, ou pelo menos perder muito a força. A última parcela da prorrogação do auxílio será em agosto. O governo tem especulado criar um novo programa, o Renda Brasil, mas será apenas uma realocação de recursos na área social.

Muitos analistas econômicos tem alertado que, depois dessa fase de apoio dos programas de renda do governo, o que vai falar mais alto para determinar a atividade econômica serão os rendimentos do trabalho, que sofrem uma enorme queda em virtude da alta do desemprego. Eles temem que, sem o apoio do governo, a economia se comportará como o Wile E. Coyote, aquele personagem do Papa-Léguas que despenca das alturas quando percebe que o chão desapareceu de repente.

“Pode ser que a economia esteja voltando forte agora, mas será que vai ficar se arrastando ao longo do tempo?”, perguntou-se Kanczuk. Segundo ele, na medida em que se avança para o fim do ano, o Banco Central provavelmente estará de olho nisso. Mas ele fez duas ponderações. No fim do ano, começa a entrar no radar, ainda com um peso menor, a meta de inflação de 2022, que é de 3,5%. Segundo: poderá haver uma força na direção oposta à do fim do auxílio emergencial. A pandemia fez a incerteza na economia subir a níveis sem precedentes, o que levou o consumidor a se retraírem e a pouparem mais. “Talvez, nesse segundo período, eles [os consumidores] não tenham mais o auxílio emergencial, mas haja uma normalização na incerteza e voltem para um padrão mais normal de consumo.” Por isso, para ele, será muito importante observar a atividade até o fim do ano, com uma mudança de foco na medida em que termina o programa emergencial de transferência de renda.

Quais outras surpresas podem acontecer no meio do caminho? Uma delas é uma segunda onda de contágio do coronavírus. “Isso não está no cenário básico”, reconheceu Kanczuk, acrescentando que isso “com absoluta certeza” teria reflexos na condução da política monetária.

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