- Folha de S. Paulo
A centro-esquerda está saindo renovada e fortalecida da era populista
Poucos discordam que a sequência marcada pelo impeachment de Dilma Rousseff em 2016 e a detenção de Lula em 2018 definiu o atual projeto do Partido dos Trabalhadores. Todavia, outra dinâmica não menos importante, comum a outras formações de centro esquerda, também influenciou esse processo.
Os anos 2015-2020 são caracterizados pela ascensão e queda de novas formações de esquerda como o espanhol Podemos, a França Insubmissa e, mais importante ainda, pela tomada de poder de Jeremy Corbyn no Partido Trabalhista britânico.
Todos defendiam uma estratégia de acirramento da contestação política e de mobilização apaixonada das bases.
Eles ofereceram o respaldo teórico e prático ao PT para dar uma guinada programática depois de treze anos no poder. Naquela altura, a prioridade do partido era evitar ser ultrapassado pela esquerda.
O que resta dessa experiência? Dirigido por uma tirania familiar, o Podemos virou uma muleta ineficiente do governo Pedro Sánchez.
A França Insubmissa fracassou na sua tentativa de capturar o eleitorado de esquerda órfão do Partido Socialista. Os trabalhistas sofreram algumas das suas mais humilhantes derrotas sob o comando de Jeremy Corbyn.
Contra todas as expectativas, a pandemia abriu um novo capítulo. O moderado Keir Starmer reconstruiu as fundações dos trabalhistas no Reino Unido e, em poucos meses, recuperou a popularidade perdida nos anos Corbyn.
Na França, ambientalistas e socialistas triunfaram nas municipais. Juntos, eles formam a alternativa mais credível ao governo Macron, firmemente ancorado à direita. Um pouco por todo o lado, a centro-esquerda está saindo renovada e fortalecida da era populista.
No Brasil, porém, a Executiva Nacional do PT resiste graças a duas falácias. A primeira é denunciar a eleição de Jair Bolsonaro como parte de uma interminável conspiração contra o partido. A segunda falácia é a ideia de que o PT deve continuar girando em torno de Lula.
O advento do Consórcio do Nordeste, a maior força de oposição ao governo, e a atuação dos melhores quadros petistas nas discussões da Frente Ampla, deixam claro de que isso não passa de uma ilusão sustentada por burocratas desprovidos de capital eleitoral.
O PT não é o primeiro grande partido de centro-esquerda a ter dificuldades em gerir a transição para a oposição depois de um longo período no governo. Basta olhar para a travessia do deserto dos trabalhistas depois da queda de Tony Blair. Tampouco é o primeiro partido a ter de lidar com a onipresença de um líder histórico. Por décadas, o Partido Socialista francês viveu na sombra do seu fundador e idealizador, François Mitterand. Embora delicadas, essas questões seriam facilmente superadas por uma nova geração de dirigentes.
Mas o PT é a única formação que optou por renovar o mandato de uma Comissão Executiva Nacional com uma agenda rejeitada pela sociedade e descartada no mundo inteiro. Por isso, não vale a pena perder tempo tentando debater as sempiternas querelas sobre golpe, Lava Jato e a Venezuela. Para a atual Executiva do PT, o único projeto é o impasse.
*Mathias Alencastro, pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento e doutor em ciência política pela Universidade de Oxford (Inglaterra)
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