segunda-feira, 6 de julho de 2020

Correção incerta – Editorial | Folha de S. Paulo

STF precisa encerrar insegurança em torno de atualização de dívidas trabalhistas

Não bastassem as incertezas econômicas e sociais advindas da pandemia, o país continua convivendo com o agravante da insegurança jurídica em temas de grande impacto para empresas e trabalhadores.

É o que se vê na discussão sobre o mecanismo de correção monetária de dívidas trabalhistas, que se arrasta há anos nos tribunais.

A disputa envolve a correção pela TR (taxa referencial definida com base na Selic e um fator redutor) ou pelo IPCA-E (um índice de preços ao consumidor). Além da atualização monetária, incidem sobre os débitos juros de 12% ao ano.

Até 2015, a Justiça do Trabalho aplicava a TR, que tende a ser mais vantajosa para os empregadores. Desde que o STF considerou inconstitucional o uso da taxa, em favor do IPCA-E, para a correção de precatórios, contudo, a tese de que o mesmo se deve aplicar aos débitos trabalhistas ganhou força.

A insegurança aumentou em 2017, quando a reforma da CLT estabeleceu a TR como fator de correção, o que vem sendo ignorado com frequência nos julgamentos. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) já formou maioria pela aplicação do IPCA-E, mas não chegou a concluir o julgamento.

O capítulo mais recente é a liminar concedida pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, para a suspensão das decisões judiciais relacionadas ao mecanismo de correção monetária.

Na prática, até a decisão da corte sobre duas ações diretas de constitucionalidade em favor do uso da TR, a Justiça do Trabalho está impedida de alterar o critério.

A TR está zerada desde 2017 e de forma geral tem sido mais baixa que o IPCA-E. Definida a partir de critérios artificiais (o fator de redução não tem sentido econômico), a TR não cumpre a função essencial de manutenção do poder de compra. O STF agirá bem se finalmente encerrar a controvérsia em favor de uma correção monetária definida em plenário.

No entanto há outra excentricidade que precisa ser corrigida. No contexto atual, em que a taxa básica de juros da economia está em 2,25% ao ano (-0,7% quando descontada a inflação esperada para os próximos 12 meses), é abusiva a incidência de juros de 1% ao mês sobre as dívidas. Melhor é adotar um critério que guarde relação com os juros básicos da economia —e não apenas no caso em pauta.

De forma geral, a Justiça precisa ter mais cuidado com os custos que impõe à sociedade, muitas vezes sem guarida na realidade econômica. A respeito do STF, o que mais se pede é previsibilidade. Temas complexos e de ampla repercussão devem ser decididos pelo colegiado, não de forma monocrática. Basta de personalismos que esgarçam a confiança na corte.

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