Resta à Argentina a tênue esperança de renegociar o acordo com o Fundo Monetário Internacional
A Argentina vem de recessão em recessão durante toda a década. Em 2020 foi atingida pelo novo coronavírus, e a economia terá a maior contração de sua história, superando até mesmo a crise de 2002 - a previsão é que o PIB caia 12%. A covid-19 agudizou os já crônicos problemas do país: seus grandes déficits fiscais, a permanente escassez de dólares e a persistente e alta inflação, hoje uma das mais altas do mundo (40,7% em 12 meses). Na terça-feira, o Banco Central adotou mais medidas para limitar as já escassas chances de compra de dólares. Os mercados estão em queda, o dólar blue, paralelo, subiu a 145 pesos por dólar, quase o dobro dos 79 pesos do câmbio oficial.
Os argentinos, que já pagavam 30% sobre gastos em dólar no cartão de crédito, mais uma ração mensal de até US$ 200, agora pagarão mais 35% (restituível pelo imposto de renda, em caso de saldo) e os gastos com viagens no exterior passarão a ser contados para efeitos da restrição. O BC argentino deu ainda um passo temerário: as empresas argentinas que devem em dólares - essas remessas são a maior fonte da queda das reservas - só poderão adquirir 40% das parcelas a quitar pelo câmbio oficial. Elas serão empurradas a reestruturar débitos, comprar um dólar bem mais alto que o oficial, se tiveram caixa ou dar calote. “Poucos dias depois de sair de um default soberano vamos para um default do setor privado”, disse o economista Luciano Laspina (El Cronista).
Dada a integração econômica e comercial com o Brasil, empresários brasileiros serão também prejudicados pelo lado financeiro com o cerco ao dólar do governo de Alberto Fernández, que já colocara uma trava na importação. Fernández foi cobrado por suas palavras um ano antes, quando não era governo e criticou o “cepo” cambial comparando-o a colocar um pedra em uma porta giratória: o estreito espaço não permite a saída dos dólares, mas tampouco a entrada.
A Argentina fez um dos mais severos lockdowns do mundo. Mas perdeu-se no fim das restrições. Há agora mais de 10 mil novos casos por dia, 589 mil infectados e 12.229 mortos até quarta-feira. Para combater a pandemia, o governo ampliou o déficit público, como tinha de fazer, e ele deverá fechar o ano ao redor de 10% do PIB.
O orçamento de 2021, apresentado quase simultaneamente ao pacote do dólar, tem um rombo de 4,5% do PIB. Nele, o governo prevê usar 10% do total, ou 2,2% do PIB, para investir em infraestrutura. “O gasto público será o acelerador”, resumiu Cecilia Todesca, vice-chefe de gabinete de ministros. O financiamento do buraco orçamentário, porém, será feito com mais dívida (40%) e emissão monetária (60%).
Financiar déficits imprimindo dinheiro é um problema recorrente argentino. Os pesos tendem a se converter em dólares, porque consumidores e empresas não confiam na moeda nacional há décadas, e com razão. O aperto do controle cambial dá novos motivos de confirmação. O governo restringiu a compra de dólares, aumentando a pressão sobre fontes não oficiais de oferta, o preço no paralelo sobe e a moeda americana entesourada só volta ao mercado por uma cotação bem maior.
Como o papel do dólar como poupança na economia argentina é enorme, o repasse das desvalorizações aos preços é significativo. Mesmo na maior recessão de sua história, a inflação deve terminar o ano perto de 40%, o que é muito diante do congelamento há um ano das tarifas de gás, água, energia elétrica e transportes, e do controle de preços de 2.300 produtos em vigor. A pandemia, além disso, inibiu o consumo, estimulou uma poupança, que logo retomará seu curso normal quando a economia se normalizar. Não é crível assim a previsão do orçamento, de um índice de 29% em 2021, nível do qual jamais se aproximou mesmo com as atividades quase paralisadas.
As críticas a Alberto Fernández e sua vice Cristina Kirchner, estão crescendo, em especial pela falta de um plano econômico coerente - não parece haver outro além do de tentar impulsionar a economia com gastos públicos. Alberto, que defende bandeiras do peronismo como substituição de importações e ataques ao capitalismo “especulativo”, herdou uma economia em péssimo estado de seu antecessor, o liberal Mauricio Macri, mas, como ele, não parece saber como retirar o país do atoleiro.
Resta à Argentina a tênue esperança de renegociar o acordo com o Fundo
Monetário Internacional, amaldiçoado hoje e desde sempre pelos peronistas e por
Nestor, ex-marido de Cristina. Não é uma saída gloriosa, mas pode ser a única
para sair da crise.
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