Relatório da ONU sobre Venezuela alerta para os riscos associados aos dois extremos do espectro ideológico
Execuções extrajudiciais, desaparecimentos forçados, detenções arbitrárias e torturas comprovadas. Eis as principais conclusões do relatório de 411 páginas divulgado nesta semana pela Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas sobre a ditadura de Nicolás Maduro na Venezuela. Nas palavras de Marta Valiñas, líder da missão enviada ao país, desde 2014, autoridades e forças de segurança venezuelanas “planejaram e executaram sérias violações de direitos humanos, algumas das quais configuram crimes contra a humanidade”.
Não é uma conclusão que surpreende quem acompanha o naufrágio da Venezuela sob o chavismo. Em fevereiro de 2018, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA já documentara em detalhes o avanço do arbítrio sobre Legislativo e Judiciário, o cerceamento à liberdade de expressão e a direitos políticos, a violência, a pobreza e a degradação da saúde.
No ano passado, a alta-comissária da ONU Michelle Bachelet concluiu, depois de outra missão à Venezuela, que, desde o início da década, vários assassinatos de jovens em confrontos com forças do Estado “constituíram execuções extrajudiciais cometidas pelas forças de segurança”. O que o novo relatório acrescenta são provas. A missão da ONU analisou 3.124 casos, 223 em detalhe. Os 48 descritos no documento lembram relatos dos porões das ditaduras latino-americanas dos anos 1970.
Maduro, é bom lembrar, não conquistou o poder num golpe, como os generais do passado. O chavismo foi tomando conta do Estado aos poucos, até chegar à ditadura. A Venezuela é o exemplo mais acabado de aonde leva o arbítrio dos autocratas modernos: aparelhamento do Judiciário, controle da imprensa, restrição a liberdades políticas e perseguição a adversários. Com hiperinflação anual perto de 15.000% e encolhimento de 63% no PIB desde 2014, o saldo tétrico da ditadura de Maduro traz dois alertas para o Brasil.
O primeiro, para a necessidade imperiosa de manter instituições e liberdades democráticas protegidas dos avanços do populismo. Embora chavismo e bolsonarismo estejam em polos opostos do espectro ideológico, há semelhanças perturbadoras entre os dois. Todos os regimes que inspiram Bolsonaro — Hungria, Polônia, Filipinas e tantos outros — adotaram estratégia de ocupação do Estado em tudo similar à chavista.
O segundo alerta se dirige ao polo oposto. O chavismo contou com
beneplácito e apoio dos governos petistas. Até hoje desfruta simpatia
indisfarçada nos partidos de esquerda. É inaceitável, lastimável, vergonhoso até,
que tantas vítimas dos anos de chumbo da ditadura militar brasileira façam
vista grossa para outra ditadura que censura, tortura e mata seus opositores.
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