- Folha de S. Paulo
Órgão Especial do tribunal deu um pequeno passo em favor do resgate do decoro do Poder Judiciário
Num país em chamas, em que
o devido processo legal está sendo esturricado junto com as onças e os jacarés
—enquanto doutores do punitivismo pisam nos astros desastrados—, o Órgão
Especial do TRF-2 deu um pequeno passo em favor do resgate do decoro do Poder
Judiciário. Decoro! Gosto dessa palavra nas lentes do direito ou em Paulo, o
apóstolo. “Tudo me é permitido, mas nem tudo me convém.”
Por 12 votos a 1, com um impedimento, os juízes federais
aplicaram a pena de censura ao juiz Marcelo Bretas, triunfando, por
quase unanimidade, o voto do relator, Ivan Athié, que viu “superexposição e
autopromoção” na conduta do chamado “juiz da Lava Jato do Rio” ao participar de eventos públicos, no dia 15 de fevereiro,
em companhia do presidente da República e de outros políticos.
Em seu voto, Athié citou
trechos de um texto que publiquei em meu blog, apontando
a desconformidade da atuação de Bretas com o que dispõe resolução do Conselho
Nacional de Justiça, que recomenda ao juiz “evitar expressar opiniões ou
compartilhar informações que possam prejudicar o conceito da sociedade em
relação à independência, à imparcialidade, à integridade e à idoneidade do
magistrado ou que possam afetar a confiança do público no Poder Judiciário”.
O mesmo texto alerta que o
magistrado deve “evitar manifestações que busquem autopromoção ou
superexposição”. Os leitores desta coluna certamente conhecem ao menos parte
das minhas reservas à atuação judicial e extrajudicial de Marcelo Bretas. De
seu particularíssimo entendimento do artigo 312 do Código de Processo Penal,
por exemplo, que regula a prisão preventiva, à exibição narcísica de sua,
digamos, musculatura jurídica, não me parece que ele seja um bom discípulo de
Paulo.
Seja no entendimento da
Constituição, seja na interpretação que faz do Evangelho, entendo que o juiz é
mais um a ignorar a letra explícita das leis, dos códigos e mesmo das
escrituras. E o faz em favor do solipsismo estridente, de modo que seu
subjetivismo e seu personalismo, embora alinhados com a metafísica influente
destes tempos, atuam contra as garantias do devido processo legal e do Estado
democrático e de Direito.
Não destaco por vaidade o
fato de o juiz federal Athié ter citado um texto meu num voto que encontrou uma
única dissensão, sendo referendado por 11 outros. Eu o faço em homenagem a uma
postura —hoje minoritária no país e na imprensa—, que reconhece não haver saída
para o Brasil fora do ordenamento legal e da prevalência das instituições.
E assim é porque vivemos
num regime democrático, ainda que literalmente sufocado por fumaças,
imposturas e omissões. Numa ditadura, numa tirania, a subversão é um dever
moral e um imperativo ético. E me orgulho muito de, dentro das limitações do
que me permitia a juventude, ter atuado para sabotar o estado ditatorial. Na
democracia, um conservador preserva instituições. Se em desconformidade com
elas, força os limites da moldura em favor de mudanças.
Considero inaceitável, aí
sim, que quadros que integram o aparato da ordem —devendo, pois, atuar em
defesa da sua permanência, assegurando, por óbvio, a eficácia dos mecanismos
que lhe permitem a mudança— atuem como subversivos de toga, de sorte que as
garantias que a própria Constituição assegura à magistratura ou ao Ministério
Público são postas, então, a serviço da corrosão da institucionalidade.
Infelizmente, essa visão
intervencionista, subversiva e corrosiva da Justiça já chegou às cortes
superiores. Para quem sabe ler as linhas e as entrelinhas, o discurso de posse de Luiz Fux como presidente do STF acena para a
condescendência com os métodos ilegais e heterodoxos da Lava Jato. A
substituição da política pela polícia —de sorte que se pode falar hoje, em
certos casos, de uma polícia política— abriu o caminho para o triunfo dos
“hooligans” contra a ordem democrática.
Estão por aí, a crestar, real ou simbolicamente, tudo o que encontram pela frente: Constituição, bicho ou gente. Em meio à fumaça e à cultura da morte, o TRF-2 emprestou um respirador à democracia.
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