- Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Tudo o que Bolsonaro não quer é ser ouvido presencialmente, isso
permitiria aos delegados buscar contradições entre suas declarações e os fatos
já apurados. O depoimento foi suspenso
O ministro do
Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello suspendeu, ontem, a
tramitação do inquérito que apura se o presidente Jair Bolsonaro tentou
interferir na Polícia Federal. O decano da Corte, ministro Celso de Mello,
licenciado por motivos de saúde, havia decidido que Bolsonaro faria um
depoimento presencial, sendo inquirido pelos delegados que investigam o caso,
mas a Advocacia-Geral da União (AGU) recorreu da decisão, solicitando que o
depoimento fosse por escrito, como aconteceu com o ex-presidente Michel Temer.
O ministro Marco Aurélio decidiu que caberá ao plenário do STF apreciar a
questão.
A decisão mexe
com o espírito de corpo da Corte, porque a reversão da decisão de Celso de
Mello empana a saída do decano do Supremo. Na sua decisão, Marco Aurélio, que
será o novo decano, antecipou seu voto como relator, que faculta ao presidente
da República enviar um depoimento por escrito ou, se preferir, escolher o
melhor dia para ser ouvido. Tudo o que Bolsonaro não quer é ser ouvido, porque
isso permitiria aos delegados buscar contradições entre suas declarações e os
fatos já apurados. Caberá ao presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, pôr na
pauta do plenário a apreciação do caso. Até lá, o inquérito fica paralisado.
O maior
constrangimento do presidente Bolsonaro, acusado pelo ex-ministro da Justiça
Sergio Moro de tentar interferir na atuação da Polícia Federal, é o caso
Fabrício Queiroz, o ex-assessor parlamentar de seu filho Flávio Bolsonaro
(Republicano-RJ), senador eleito pelo Rio de Janeiro, investigado no escândalo
das rachadinhas da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. O empresário Paulo
Marinho, que participou da coordenação da campanha de Bolsonaro e é o primeiro
suplente de Flávio, denunciou à Polícia Federal o vazamento de informações
sobre o caso Queiroz e seu envolvimento com as milícias fluminenses, às
vésperas da sucessão presidencial.
Celso de
Mello, em licença médica até o dia 26 de setembro, havia negado pedido para que
as respostas ao depoimento fossem dadas por escrito. Bolsonaro teria que
comparecer à Polícia Federal como investigado, porém, com direito a permanecer
em silêncio. O decano também decidiu que os advogados de Moro poderiam
acompanhar o depoimento. Entendeu que os chefes dos Três Poderes,
constitucionalmente, só podem depor por escrito como testemunhas ou vítimas,
não quando são investigados ou réus por atos cometidos no exército do mandato.
Essa decisão
esticou a corda das tensões entre o Executivo e o Supremo. Entretanto, a
liminar de Marco Aurélio desanuviou a situação, ao invocar o precedente do
ex-presidente Michel Temer, em decisões dos ministros Edson Fachin, que é o
relator da Lava-Jato, e Luís Roberto Barros, atual presidente do Tribunal
Superior Eleitoral (TSE). Seriam três votos favoráveis ao pleito de Bolsonaro,
supõe-se. O ex-presidente da Corte, Dias Toffoli, sempre foi um conciliador, e
o ministro Luiz Fux, que acabou de assumir, devem acompanhar Marco Aurélio.
Outro que pode atuar para distensionar as relações do Supremo com o presidente
da República é o ministro Gilmar Mendes, que já deu liminares favoráveis ao
senador Flávio Bolsonaro no caso Fabrício Queiroz. O único constrangimento é a
revisão da liminar do decano Celso de Mello, na sua despedida do Supremo.
Posse
radioativa
Tudo indica que a cerimônia de posse do ministro Luiz Fux na Presidência do
Supremo, de caráter presencial, mesmo com todas as cautelas, foi um fator
disseminador da covid-19 na cúpula dos Poderes, embora os organizadores do
evento tenham observado o protocolo de segurança sanitária estabelecido pelo
Departamento de Saúde do STF. Além do ministro Fux, que contraiu a doença, o
procurador-geral da República, Augusto Aras, anunciou que está com o vírus. Antes,
já haviam comunicado que se contaminaram a presidente do Tribunal Superior do
Trabalho (TST), Maria Cristina Peduzzi, e os ministros do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) Luís Felipe Salomão e Antônio Saldanha Palheiro, além do
presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Todos estavam na posse de Fux, que
ofereceu uma espécie de coquetel aos convidados.
Em nota divulgada ontem, o STF recomendou a todos os convidados do evento que fizessem o teste de coronavírus. O mesmo procedimento foi adotado em relação aos servidores do tribunal. O Brasil registrou, ontem, 134 mil mortes e 4, 4 milhões de casos. A média móvel nas últimas duas semanas, porém, continua em queda, com 789 mortes, uma redução de 8%. No mundo, a aceleração do número de casos na Europa, que registrou novos 54 mil contaminados nas últimas 24 horas, provocou um alerta da Organização Mundial de Saúde (OMS), que teme uma segunda onda à medida que, nas cidades, volta-se à vida normal.
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