- O Estado de S.Paulo / O Globo
A falta de um plano de jogo claro e que faça
sentido, num quadro de grave deterioração fiscal, exacerba o clima de alta
incerteza do País
Em meio à colossal crise que o País enfrenta,
só se pode ver com muita apreensão a forma cada vez mais confusa com que a
política econômica vem sendo formulada e conduzida, em Brasília.
A verdade é que está difícil de discernir algo que se assemelhe a um plano de
jogo.
O que se vislumbra, com muito esforço, são pelo
menos três planos distintos. Embora sejam todos eles pouco nítidos, parece mais
do que claro que o que o ministro da Economia contempla já não é o que o Planalto tem em mente. Nem tampouco o que acalenta a
recém-empoderada base parlamentar que o governo recrutou às pressas no Centrão.
Agastado com parlamentares, Paulo Guedes decidiu
deixar a negociação da pauta econômica do governo com o Congresso por
conta do ministro-chefe da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos, e das lideranças das bancadas
governistas na Câmara e no Senado.
“Acabou meu voluntarismo”, anunciou o ministro da Economia. O que se teme é
que, junto com o voluntarismo de Paulo Guedes, tenha também acabado a garantia
de que o que for negociado com o Congresso estará alinhado com o que o ministro
entender que deva ser acertado.
No Planalto, o capitão e seus generais já não se
pautam pelo que lhes recomenda o Posto Ipiranga. Sem ir mais longe, para assegurar
“desempate”, o general Luiz Eduardo Ramos passará a integrar a Junta de
Execução Orçamentária (JEO), colegiado responsável pelas principais decisões
do Orçamento, do qual, antes, só faziam parte os ministros da
Economia, Paulo Guedes, e da Casa Civil, general Walter Braga Netto.
A proposta orçamentária enviada ao Congresso é
sabidamente uma peça de ficção. Não inclui itens importantes da lista de gastos
prioritários do Planalto para 2021, como projetos de investimento do Plano
Pró-Brasil, preconizado pela ala desenvolvimentista do governo, e o
programa Renda Brasil, que turbinaria o Bolsa Família e
substituiria o Auxílio Emergencial com algum sucesso político. Ou alguém
acredita, mesmo, que Bolsonaro de fato desistiu do Renda Brasil? O presidente
bem sabe que, se, a esta altura, desistir, não terá como evitar que o Congresso
tome a iniciativa de criar programa similar, como bem entender.
Há, ainda, outras contas vultosas em aberto. Não se
sabe em que medida o enorme aumento de dispêndio ensejado pela pandemia será,
de fato, revertido em 2021. Ou qual será o custo fiscal da saraivada de derrubadas
de vetos presidenciais engatilhadas no Congresso. Como poderá tudo isso ser
acomodado sob o Teto de Gastos? Em que déficit primário o governo terá de
incorrer em 2021?
Setembro está ficando para trás e o início da
campanha eleitoral nos municípios, dia 27, tornará ainda mais difícil a
tramitação no Congresso das medidas que supostamente abririam algum espaço
fiscal. Às voltas com mais reformas do que terá condições de aprovar, o governo
precisa se concentrar no que lhe é de fato essencial.
Na semana passada, parecia que o governo decidira
centrar esforços na PEC do Pacto Federativo, fiando-se nas promessas um tanto
róseas do seu relator, no Senado, de aprovação de avanços significativos na
agenda de desvinculação de receitas e desindexação de gastos. Só que não.
Correndo contra o tempo e acossado como está, o ministro da Economia não teve
melhor ideia do que anunciar que o fundamental, agora, é viabilizar a aprovação
de seu desajuizado projeto de recriação da CPMF.
A falta de um plano de jogo claro e que faça
sentido, num quadro de grave deterioração fiscal, exacerba o clima de alta
incerteza em que o País está imerso. Sem redução substancial do risco fiscal
será difícil de destravar investimentos que ainda permanecem viáveis, em
setores que não padecem de excesso de capacidade, como os de infraestrutura,
óleo e gás e agronegócios. E, sem retomada do investimento, a reativação da
economia e a recuperação da receita fiscal estarão fadadas a ser muito mais
lentas do que o governo espera.
A verdade é que, por enquanto, está difícil vislumbrar redução palpável dos efeitos paralisantes do risco fiscal.
*Economista, doutor pela universidade harvard, é
professor titular do departamento de economia da PUC-Rio
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