Ventos
sopram contra Bolsonaro no Senado
O Globo
O
depoimento do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, primeiro na CPI da
Covid, foi um prenúncio do que tende a ser um bombardeio contra o governo.
Mandetta, que deixou a pasta em 16 de abril de 2020, não tergiversou sobre
erros e omissões do presidente Jair Bolsonaro. Disse que, sob seu comando, o
ministério seguia numa direção, Bolsonaro noutra. Questionado sobre se esse
descompasso contribuíra para que o país superasse os 410 mil mortos, foi
direto: “Tem, sim, impacto. O Brasil podia mais, o SUS podia mais, poderíamos
estar vacinando desde novembro”.
Mandetta
deixou Bolsonaro em maus lençóis em vários momentos. Relatou que o governo
tentou mudar a bula da cloroquina para incluir a indicação em casos de
Covid-19, uma aberração médica, científica e ética. Inúmeros estudos comprovam
que a droga é ineficaz contra o novo coronavírus e pode causar efeitos
colaterais graves. Felizmente, a sandice não prosperou. Chamou de “kit ilusão”
as drogas sem eficácia distribuídas pelo governo, entre elas a cloroquina,
obsessão particular de Bolsonaro.
Mandetta disse ainda que alertara Bolsonaro para a gravidade da pandemia, apresentando três cenários traçados para dezembro de 2020, com entre 30 mil e 180 mil mortos. Entregou à CPI a carta que endereçou a Bolsonaro em 28 de março de 2020, quando o país somava 114 mortos: “Recomendamos, expressamente, que a Presidência da República reveja o posicionamento adotado, acompanhando as recomendações do Ministério da Saúde, uma vez que a adoção de medidas em sentido contrário poderá gerar colapso no sistema de saúde e gravíssimas consequências à saúde da população”. Três dias depois, Bolsonaro ignorou o alerta e, sem máscara, participou de uma das várias aglomerações que provocaria.
Enquanto
a CPI avança, o governo dá sinais de desorientação. O ex-ministro Eduardo
Pazuello, cujo depoimento estava marcado para hoje, comunicou aos senadores que
não poderia comparecer por ter tido contato com auxiliares que testaram
positivo para Covid-19. Seu depoimento foi adiado para daqui a duas semanas.
Pazuello tem participado de treinamentos, mas a avaliação é que ele ainda está
muito nervoso. O adiamento provocou reações. “Ele vai sem máscara ao shopping e
não pode vir à CPI”, disse a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA).
Outro
sintoma de desarticulação entre os governistas veio à tona de forma
constrangedora numa pergunta do senador Ciro Nogueira (PP-PI). Mandetta disse
ter recebido aquela mesma pergunta, por engano, do ministro das Comunicações,
Fábio Faria. Também criticou indiretamente as ações para compra de vacinas.
“Teria ido atrás delas como se fosse um prato de comida. Sabia que a saída era
pela vacina.” A artilharia de Mandetta não poupou nem o ministro da Economia,
Paulo Guedes, a quem se referiu como “desonesto intelectualmente, homem pequeno
para estar onde está”. Guedes também deverá ser convocado pela CPI.
O
depoimento de Mandetta mostrou que os ventos da CPI sopram contra Bolsonaro. Ficou
claro que ele ignorou a ciência, fez pressão por medicamentos ineficazes, a
ponto de tentar mudar a bula de um remédio, e desprezou todos os alertas do
ministro da Saúde. A gestão de Mandetta cobre menos de dois meses de pandemia.
Ainda há muita água para rolar. E, pelo jeito, vem aí uma tempestade.
Corte
no orçamento do MEC confirma descaso do governo com a Educação
O
Globo
Em mais uma demonstração de pouco-caso com a Educação, o governo destinou no Orçamento deste ano apenas R$ 8,9 bilhões para gastos discricionários do MEC, 60% menos que os R$ 23,2 bilhões orçados em 2018, ano da eleição do presidente Jair Bolsonaro. É com esses recursos sem destino predefinido que o ministério faz política educacional. Na montagem final do Orçamento de 2021, ainda foram bloqueados R$ 2,7 bilhões destinados ao ministério. Podem ou não ser liberados até o final do ano, a depender das condições fiscais. Os números da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado, sugerem que o MEC, mesmo com o descontingenciamento desses recursos, terá dificuldades para enfrentar os problemas deste ano, semelhantes aos de 2020.
O
corte significa, portanto, que a pasta se manterá inerte sob Milton Ribeiro,
quarto ministro a ocupar o cargo na gestão Bolsonaro. Não se pode dizer que seja
um acaso. Ribeiro tem se feito notar pela omissão. No ano passado, nem sequer
conseguiu gastar o dinheiro que tinha disponível (o MEC devolveu R$ 1 bilhão ao
Tesouro).
Ao
mesmo tempo, Ribeiro continuou executando seu projeto de esvaziar o Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), ligado ao
MEC, responsável pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), pelo Sistema de
Avaliação da Educação Básica (Saeb) e pelo Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica (Ideb). Em entrevista ao GLOBO, o ex-presidente do Inep
Alexandre Lopes, demitido em fevereiro, relatou como Ribeiro foi “totalmente
omisso” na organização do Enem do ano passado. No final do mês passado, sete
ex-ministros da Educação — Tarso Genro, Fernando Haddad, Cid Gomes, José
Henrique Paim, Aloizio Mercadante, Mendonça Filho e Rossieli Soares — alertaram
que o Inep está “em perigo”.
O
corte no orçamento do MEC também atinge as universidades públicas, cujos
recursos serão 20% inferiores aos do ano passado. Voltarão ao patamar de 2019,
mesmo tendo havido aumento no número de matrículas. O resultado é, entre outros
efeitos, a redução de bolsas que faculdades destinam a alunos carentes.
No
ano passado, mesmo com a suspensão das aulas devido à pandemia, Ribeiro,
empossado em julho, gastou apenas R$ 574 milhões no apoio à infraestrutura para
a educação básica, quase 70% abaixo do R$ 1,8 bilhão despendido no ano
anterior. Não foi dada no ministério a devida prioridade a projetos de inclusão
digital de escolas e alunos, que o MEC pode apoiar com repasses para estados e
municípios.
Na
prática, sob Ribeiro, o MEC deverá continuar distante das dificuldades reais
dos estudantes. A gestão dele confirma que, além do ativismo ideológico ditado
por uma agenda de cunho religioso, a marca das administrações bolsonaristas no
MEC tem sido pouca, se alguma, ação concreta no campo educacional — e um
descaso ultrajante pela área mais importante para o futuro do Brasil.
Cartada de Mandetta
Folha
de S. Paulo
Documento
e relatos comprometem o presidente sem defesa consistente na CPI
A
estreia da Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado sobre o enfrentamento da
Covid-19 demonstra que até para se defender de investigação o presidente Jair
Bolsonaro, amador e despreparado, só conhece estratagemas truculentos e
manobras evasivas.
Foi
um passeio o testemunho
do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, médico derrubado por
Bolsonaro após três meses de tentativas de imprimir alguma racionalidade à ação
do Planalto.
O
ponto alto da sessão, em que não faltaram senadores a se pavonear
retoricamente, foi a carta
que Mandetta sacou para comprometer o chefe do Executivo.
A
correspondência enviada em 28 de março de 2020 —um mês após o primeiro caso brasileiro,
11 dias depois da primeira morte registrada e 19 dias antes da demissão do
ministro— lista informações de gravidade crescente sobre a pandemia e as
providências da pasta.
Só
o último parágrafo crava o espinho no coração da imputabilidade presidencial:
“Recomendamos, expressamente, que a Presidência da República reveja o
posicionamento adotado, acompanhando as recomendações do Ministério da Saúde,
uma vez que a adoção de medidas em sentido contrário poderá gerar colapso do
sistema de saúde e gravíssimas consequências à saúde da população”.
O
documento oferece prova material de que Bolsonaro recebeu clara orientação do
ministro para interromper arroubos negacionistas e liderar o esforço de guerra
contra a epidemia. Naquela altura, os óbitos estavam em 2.000; um ano de
incúria e três ministros depois, são mais de 410 mil. Não se vê defesa possível
para a conduta mortífera do presidente.
Restam-lhe,
ao que parece, manobras fadadas ao fracasso. Seus asseclas no Senado fizeram
tentativas canhestras de obstrução e aceitaram o papel de recitar sem convicção
arrazoados fraudulentos redigidos em palácio —até uma defesa extemporânea do
“tratamento precoce” ensaiaram.
Ainda
pior figura fez o general e ex-ministro Eduardo Pazuello, quando já não se
esperava tal proeza do militar que obedeceu passivamente ao mando de um
admirador da imunidade de rebanho, legando centenas de milhares de cadáveres em
tempos de paz.
O
homem que foi ao centro de compras sem máscara num dia no outro alega risco de
contágio para esquivar-se de responder na CPI pelos próprios atos.
Manobra
tão desastrada, diga-se, quanto ensaiar mudar a bula de um medicamento por
decreto, como revelou Mandetta aos senadores, apenas para sustentar as manias
do chefe. Com defensores desse naipe, Bolsonaro não precisa de inimigos para se
complicar na CPI.
Aposta
equivocada
Folha
de S. Paulo
Quebrar
patentes de vacinas não tornará mais célere a imunização no país
Se
não há dúvidas quanto ao imperativo da imunização célere contra a Covid-19, a
quebra de patentes das vacinas não se mostra, no entanto, uma aposta acertada.
Após
um vaivém na pauta, a proposta de rompimento temporário da garantia de
exploração comercial exclusiva das farmacêuticas foi aprovada
pelo Senado. O próximo passo se dará na Câmara.
Ocorre
que uma eventual quebra de patentes não garante os ingredientes, a expertise e,
tampouco, os equipamentos e tecnologias necessários para produzir vacinas.
São
vacinas de última geração. Dificilmente poderiam ser reproduzidas, mesmo nos
laboratórios mais sofisticados do mundo, sem a devida transferência de
tecnologia.
No
Brasil, as duas vacinas contra a Covid-19 em produção —a Coronavac e a
Oxford/Astrazeneca— derivam de técnicas conhecidas há um certo tempo.
A
primeira usa o vírus inativado para levar à produção de anticorpos, mesma
estratégia usada para fabricar as vacinas contra a gripe.
Já
a segunda se baseia em um adenovírus de chimpanzé capaz de infectar células
humanas, mas que, como não forma novos vírus, impede que a infecção progrida.
Os
dois produtos foram viabilizados por meio de acordos de transferência de
tecnologia. O país, no entanto, ainda patina para acelerar a produção em massa.
O
processo de imunização também padece de falta de campanhas, de orientação e de
acompanhamento do Ministério da Saúde. São iniciativas bem mais simples do que
quebrar patentes.
Como
noticiou a Folha, mais de meio milhão de vacinados com a Coronavac no
primeiro mês de imunização no país perdeu o prazo da segunda dose. E pelo menos
16,5 mil vacinados tomaram doses de fabricantes diferentes —o que é considerado
um erro vacinal, comprometendo a imunização.
A
própria sinalização de intenção de quebra de patente pelo governo federal pode
paralisar negociações de compra de imunizantes em andamento. Mais importante é
aumentar a capacidade de produção dos produtos já acordados e avançar em
compras, além de investir em pesquisa científica.
De ‘frouxos’ e ‘maricas’
O
Estado de S. Paulo
Pelo
critério bolsonarista de coragem, o general Pazuello acoelhou-se ao mandar
avisar que não poderá comparecer à CPI
O ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello mandou avisar ontem que não poderá comparecer a seu depoimento na CPI da Pandemia, marcado para hoje. A alegação, citada pelo presidente da comissão, senador Omar Aziz (PSD-AM), é que no fim de semana passado o general intendente teve contato recente com dois coronéis, seus auxiliares, que estariam com covid-19.
Conceda-se
ao ex-ministro o benefício da dúvida. Afinal, pode ser apenas uma inusitada
coincidência o fato de que Eduardo Pazuello tenha se dado conta de que pode ter
contraído covid-19 logo às vésperas de seu esperado depoimento na CPI – em que
seria inquirido sobre sua desastrosa administração no Ministério da Saúde
durante a pandemia.
No
entanto, à luz das muitas mentiras e distorções já manifestadas por autoridades
do governo de Jair Bolsonaro a respeito da pandemia, não se pode condenar quem
tenha dificuldade em acreditar no ex-ministro Pazuello.
Tudo
soa especialmente falso diante do inaudito zelo do intendente, supostamente
preocupado em não contaminar senadores. Nem parece o ministro que, quando
esteve à frente da Saúde, jamais organizou campanhas estruturadas e
sistemáticas para defender medidas de restrição e isolamento social, as únicas
capazes de frear a contaminação, conforme consenso científico mundial. Nem
parece o cidadão que passeava despreocupadamente sem máscara num shopping de
Manaus há pouco mais de uma semana – embora tenha passado um ano como ministro
da Saúde e, por isso, tinha a obrigação de saber que a máscara é a proteção
mais efetiva contra o vírus. Flagrado, Pazuello preferiu ironizar quem lhe
cobrava o uso da máscara.
Ou
seja, o histórico do ex-ministro não combina com sua súbita conversão às
medidas sanitárias preventivas, entre as quais a quarentena, à qual ele diz que
agora vai se submeter, a um dia de seu depoimento na CPI da Pandemia. Se
Eduardo Pazuello fosse firme defensor desses cuidados básicos quando era
ministro, muitas mortes teriam sido evitadas. O intendente, contudo, preferiu
ser absolutamente subserviente a Jair Bolsonaro, anunciando-se publicamente
como humilde cumpridor de ordens do presidente.
Convém
lembrar que Bolsonaro chamou de “frouxos” e “maricas” os brasileiros que se
preocupavam em manter distanciamento social e respeitavam as restrições para
conter a pandemia. Era preciso, disse o presidente, enfrentar a crise “de peito
aberto”. Pelo critério bolsonarista de coragem, portanto, Pazuello acoelhou-se.
Na
hipótese benevolente de que faltará a seu depoimento por singelo zelo
sanitário, o ex-ministro estará apenas adiando a inevitável prestação de contas
de seu horroroso trabalho à frente da Saúde, sob o comando supremo do
presidente Bolsonaro. Ao final das duas semanas regulamentares de quarentena, e
comprovada sua saúde, o intendente terá afinal condições de responder, sob
juramento, aos questionamentos dos senadores.
Consta
que o ex-ministro Pazuello passou os últimos dias sendo treinado pelo governo
federal para enfrentar a CPI, cuja maioria não se alinha ao Palácio do
Planalto. Entre os assessores de Bolsonaro há a preocupação, mais que
justificada, de que o intendente, escandalosamente despreparado para a função
de ministro da Saúde, seja incapaz de explicar aos senadores por que o governo
preferiu apostar em remédios inúteis a comprar vacinas a tempo e hora, por que
não fez campanhas de prevenção e em favor de medidas de isolamento social, por
que não promoveu testagem em massa e por que não providenciou insumos e
medicamentos para o tratamento de pacientes internados.
De
fato, não será fácil para Pazuello encarar a CPI, razão pela qual a hipótese
maldosa de que ele inventou uma desculpa esfarrapada para faltar a seu
depoimento hoje, por medo, é perfeitamente factível, coadunando-se com o
comportamento pretérito do ex-ministro. Seja qual for o desfecho dessa comédia
imoral estrelada pela trupe bolsonarista, o lugar de Pazuello na história já
está garantido. Como disse o Júlio César de Shakespeare, “os covardes morrem
várias vezes antes de sua morte”.
Um governo anticiência
O
Estado de S. Paulo
CNPq
custeará 13% das bolsas de doutorado e pós-doutorado que estavam aprovadas
Dias após ter comemorado 70 anos de existência, no final de abril, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) anunciou que, por causa de cortes orçamentários impostos pelo governo, teve de fazer um corte drástico na concessão de bolsas de doutorado e pós-doutorado aprovadas com base em pareceres técnicos emitidos por seus comitês de assessoramento.
Vinculado
ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, o CNPq é a principal agência
de fomento à pesquisa do País. Ao lado da Coordenação de Aperfeiçoamento do
Pessoal de Ensino Superior (Capes), órgão responsável pela fiscalização e
avaliação do sistema de pós-graduação, o CNPq também é um dos pilares do
sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação. Desde o início do governo
Bolsonaro os dois órgãos vêm passando por graves dificuldades
financeiras.
Das
3.080 propostas aprovadas nas diferentes áreas do conhecimento, e cujos
beneficiários já haviam sido informados em 15 de março, o CNPq só poderá
financiar 396 – cerca de 13% do total. O critério de escolha privilegiou as
propostas que receberam as maiores notas. As outras 2.684 propostas, que
envolvem dez categorias de bolsas no Brasil e no exterior, não serão
implementadas.
Com
valor de R$ 2,2 mil mensais por um período de quatro anos, tempo que leva a
formação de um doutor, e de R$ 4,1 mil mensais por um período de dois anos no
caso de pós-doutorado, as bolsas do CNPq são fundamentais para produção de
ciência de ponta e ciência aplicada no Brasil. Os doutores em formação são
oriundos, em sua grande maioria, das melhores universidades públicas do
País.
A
comunidade científica, que já fora surpreendida na segunda semana de abril com
a indicação de uma desconhecida professora de direito de uma universidade
particular para a presidência da Capes, classificou os cortes orçamentários
impostos ao CNPq pela equipe econômica do governo como mais uma etapa do
irresponsável desmonte do sistema de ensino de ponta e de desenvolvimento
científico brasileiro. “Este cenário só atesta, mais uma vez, a situação precária
em que se encontra o financiamento à pesquisa no Brasil. Isso é particularmente
mais grave quando se percebe que a ciência é uma parte essencial da solução
para essa situação dramática que estamos vivendo”, afirma o físico Sylvio
Canuto, pró-reitor de Pesquisa da USP.
A
não concessão de 2.684 entre as 3.080 bolsas aprovadas pelo CNPq frustrará os
recém-formados no ensino superior que optaram por seguir carreira científica,
com base em bolsas de estudo. Contudo, esse é apenas um dos lados do problema.
O outro lado é a ausência de recursos para financiar pesquisas em andamento sob
responsabilidade de cientistas que foram formados com apoio financeiro de
agências públicas de fomento, como o CNPq. Sem condições de trabalho, é cada
vez maior o número de jovens cientistas que estão deixando o País.
Essa
fuga de cérebros revela o paradoxo do sistema brasileiro de qualificação
acadêmica, produção cientifica e inovação tecnológica. Após ter financiado com
recursos públicos a qualificação desses jovens cientistas, o governo não os
retém, seja por causa de seu negacionismo científico, seja por não lhes
assegurar condições de trabalho. Assim, os órgãos de fomento à pesquisa acabam
financiando a formação de cientistas que são atraídos por outros países, o que
é um contrassenso. “Vi a situação apertando no Brasil, aí apareceu uma
oportunidade de ir para fora e não tive como recusar. Meu primeiro sentimento
foi de tristeza, pois foi feito um investimento muito grande na minha formação.
Justamente quando esse investimento começaria a dar frutos, tive de ir embora”,
diz o físico Tárcius Ramos, cuja formação foi custeada por bolsas de estudo e
que se mudou para a Bélgica um mês após defender seu doutorado na USP.
A
construção de um sistema de ciência e tecnologia leva muito tempo, como revela
a trajetória do CNPq. Mas destruí-lo é muito rápido, como tem sido evidenciado
nestes últimos 28 meses de governo desastroso.
Comida, minérios e dólares
O
Estado de S. Paulo
O
campo e a mineração continuam garantindo o Brasil contra o risco de crises
cambiais
A segurança do Brasil contra as devastadoras crises cambiais continua a depender principalmente das exportações de minérios, de alimentos e de matérias-primas de origem agropecuária. Crises desse tipo, nunca experimentadas pela maioria dos brasileiros de hoje, podem levar o País à insolvência, forçá-lo a buscar ajuda externa e a enfrentar ajustes muito dolorosos. Os dois setores mais competitivos da economia nacional têm evitado desastres como esses, derivados da escassez de dólares. Neste ano, com vendas conjuntas de US$ 41,27 bilhões, a mineração e o agro acumularam superávit de US$ 36,45 bilhões nos quatro primeiros meses. Esse resultado cobriu o déficit da indústria de transformação e ainda garantiu um saldo positivo de US$ 18,26 bilhões na balança comercial.
O
Brasil tem sido um dos países mais beneficiados pelo superciclo dos produtos
básicos no mercado global. Com a forte recuperação da China, dos Estados Unidos
e de várias outras economias, depois do desastre ocasionado em 2020 pela
covid-19, cresceu muito a demanda de minérios, como ferro e petróleo, e de
produtos agropecuários, como soja, milho e carnes. A consequente alta de preços
internacionais ainda foi reforçada pela quebra de safras em alguns países.
Com
as boas cotações e a forte demanda desses bens, analistas do mercado financeiro
já projetam para o Brasil um superávit comercial na faixa de US$ 70 bilhões a
US$ 73 bilhões neste ano. Se confirmado, será um resultado bem melhor que o
recorde atual, o saldo de US$ 56 bilhões obtido em 2017.
O
mercado chinês se manteve como principal destino das exportações brasileiras,
tendo absorvido produtos no valor de US$ 28,44 bilhões, ou 34,63% do total
embarcado pelo Brasil. Apesar dos atritos diplomáticos e dos desaforos ditos por
autoridades brasileiras, a China se manteve como maior parceiro comercial do
País e como seu principal fornecedor de vacinas anticovid e de insumos para
esse tipo de imunizante, aquele mesmo qualificado, há meses, como ineficaz e
nada confiável pelo presidente Jair Bolsonaro.
As
exportações brasileiras desses produtos foram, então, duplamente favorecidas –
pelo aumento do volume embarcado e pela alta dos preços internacionais. Entre
janeiro e abril, os exportadores de produtos agropecuários faturaram US$ 18,61
bilhões, ou 27,2% mais que um ano antes. A receita dos vendedores de minérios
(US$ 22,66 bilhões) foi 51,3% maior que a de igual período de 2020. A indústria
de transformação embarcou produtos no valor de US$ 40,48 bilhões, soma 15,6%
maior que a de um ano antes. O total das exportações, de US$ 82,13 bilhões,
superou por 26,6% o de janeiro-abril de 2020.
Preços
mais altos fortaleceram a receita comercial do Brasil, mas, ao mesmo tempo,
encareceram a produção industrial, elevando o custo das matérias-primas, e
impulsionaram a inflação. Motoristas tiveram de pagar mais pelos combustíveis
e, além disso, alimentos ficaram mais caros para o consumidor nacional. No
Brasil este efeito é particularmente grave, porque a alimentação tem grande
peso no orçamento da maior parte das famílias.
A
receita conjunta dos bens primários foi pouco maior que a obtida pela indústria
de transformação. No entanto, minérios e mercadorias do agro proporcionaram, ao
contrário dos bens industriais, um robusto superávit, porque o Brasil é
altamente competitivo no comércio de produtos básicos e pouco dependente de
importações de alimentos e de minerais.
Se
nenhum erro do governo atrapalhar, o Brasil continuará sendo um grande produtor
e exportador de minérios e, principalmente, de comida. Então, o País poderá
contribuir mais que qualquer outro para a segurança alimentar da crescente
população mundial. Além disso, o agro brasileiro poderá cumprir essa função com
mínimo custo ambiental. Para isso será preciso neutralizar a política antiambiental
implantada pelo presidente Jair Bolsonaro e usada em campanhas – até agora sem
resultado – contra a importação de produtos brasileiros. Será enorme erro
continuar motivando essas campanhas.
Fluxos financeiros e saldo comercial favorecem o real
-
Valor Econômico
O
Brasil não tem hoje problemas nas contas com o exterior, o dinheiro não está
fugindo do país
O
bom desempenho das contas externas e o provável superávit comercial recorde
forçam uma valorização do real, ainda que contida pelo peso negativo das
dúvidas sobre solvência fiscal e do baixo crescimento da economia brasileira. A
apreciação da moeda brasileira possivelmente já teria jogado o dólar abaixo dos
R$ 5 se não fossem as intervenções desastradas do presidente Jair Bolsonaro e
as travessuras do governo em parceria com o Centrão no péssimo desenho do
orçamento de 2021. O Brasil não tem hoje problemas nas contas com o exterior, o
dinheiro não está fugindo do país, embora a desconfiança se manifeste onde nos
últimos anos ela não existiu: nos investimentos diretos no país, sintoma de uma
lesão estrutural grave.
Até
março, os regressos líquidos dos investimentos no exterior (US$ 6 bilhões) e os
investimentos líquidos em carteira (US$ 23,3 bilhões) cobriram o que deixou de
entrar em investimentos produtivos (US$ 29,4 bilhões). O saldo comercial
deslanchou em abril, atingiu US$ 10,3 bilhões (recorde da série histórica) e
acumula US$ 18,2 bilhões no ano. A Secex e o Banco Central estimam que ele
provavelmente chegue a US$ 90 bilhões em 2021, novo recorde.
China
e EUA estão puxando a recuperação econômica, o que ateou fogo às cotações das
commodities alimentares e metálicas, das quais o Brasil é um dos maiores
exportadores mundiais. O Brasil amplia gradualmente sua dependência da China.
No ano, as exportações para lá subiram 37% e as importações, 15,5%. O resultado
é que os chineses passaram a comprar nos quatro primeiros meses do ano 38,39%
de tudo o que o Brasil vende no exterior, ante 37% em 2020. O superávit com a
China soma 78,6% dos US$ 18,2 bilhões do saldo positivo obtido até agora no
ano.
A
pauta de importações chinesas do Brasil é inteiramente de commodities: soja e
minério de ferro compõem 70% dela. Como o apetite chinês renovado puxa as
cotações, o minério de ferro atingiu US$ 190 a tonelada este mês, um recorde
histórico. Em consequência, as vendas brasileiras do produto dobraram no
primeiro quadrimestre e cresceram 80% para os chineses. A soja, disparada em
primeiro lugar, viu sua venda subir 45%, o que sustentou altas cotações. Também
com crescimento na casa de dois dígitos estiveram óleos brutos, celulose e
óleos vegetais.
A
recuperação nos Estados Unidos, por outro lado, ajudou a reduzir o déficit na
relação bilateral. As exportações passaram a crescer com força, 15,5% no
acumulado do ano, enquanto as importações recuaram 5,7%. Exportações e
importações de e para a União Europeia se equilibraram, na casa de aumento de
mais de 30% cada, e o déficit brasileiro com os europeus também recuou.
O
Brasil conseguiu exportar mais também para a Argentina, que retomou a terceira
posição entre os países com maior mercado para produtos brasileiros (sua fatia
no total aumentou de 2,71% para 3,39%). A recuperação ocorreu pelo crescimento
das vendas de automóveis de passageiros, motores e peças, além de minério de
ferro. Essa tendência pode ser interrompida. Apesar de o FMI ter previsto um
crescimento do PIB de 5,8% para este ano, maior do que os 3,7% do Brasil, os
argentinos enfrentam nova onda de contágios e mortes pela covid-19, acompanhada
de alta nos preços e lockdowns.
Enquanto
a pandemia devastava em 2020 a economia global, a desvalorização cambial mais
puxou a inflação do que ajudou os exportadores a venderem mais (embora
engordasse substancialmente suas margens), enquanto os juros se tornaram
negativos, desestimulando o carry over e afastando capital especulativo. Estas
condições, entretanto, estão mudando.
O
Banco Central deve decidir amanhã que os juros cheguem a pelo menos 3,5%, isto
é, 1,5 ponto percentual, enquanto o juro dos fed funds permanece negativo e a
percepção de risco do Brasil não piorou, até teve pequena melhora. A pressão
sobre os títulos de longo prazo americanos, uma das bases de aferição dos
prêmios de risco de títulos brasileiros, arrefeceu provisoriamente, diante da
negativa do Federal Reserve de qualquer ação até que a inflação comprovadamente
passe dos 2% e fique lá por algum tempo.
Até
que a temporada eleitoral saia dos bastidores para as ruas, é possível que o
real se valorize, retirando força do principal fator de alimentação dos preços
em ação. Reviravolta mais sólida depende da recuperação sustentável da
economia, mas esta é uma história ainda mais complicada e sem um final feliz à
vista.
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