quarta-feira, 5 de maio de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

Ventos sopram contra Bolsonaro no Senado

O Globo

O depoimento do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, primeiro na CPI da Covid, foi um prenúncio do que tende a ser um bombardeio contra o governo. Mandetta, que deixou a pasta em 16 de abril de 2020, não tergiversou sobre erros e omissões do presidente Jair Bolsonaro. Disse que, sob seu comando, o ministério seguia numa direção, Bolsonaro noutra. Questionado sobre se esse descompasso contribuíra para que o país superasse os 410 mil mortos, foi direto: “Tem, sim, impacto. O Brasil podia mais, o SUS podia mais, poderíamos estar vacinando desde novembro”.

Mandetta deixou Bolsonaro em maus lençóis em vários momentos. Relatou que o governo tentou mudar a bula da cloroquina para incluir a indicação em casos de Covid-19, uma aberração médica, científica e ética. Inúmeros estudos comprovam que a droga é ineficaz contra o novo coronavírus e pode causar efeitos colaterais graves. Felizmente, a sandice não prosperou. Chamou de “kit ilusão” as drogas sem eficácia distribuídas pelo governo, entre elas a cloroquina, obsessão particular de Bolsonaro.

Mandetta disse ainda que alertara Bolsonaro para a gravidade da pandemia, apresentando três cenários traçados para dezembro de 2020, com entre 30 mil e 180 mil mortos. Entregou à CPI a carta que endereçou a Bolsonaro em 28 de março de 2020, quando o país somava 114 mortos: “Recomendamos, expressamente, que a Presidência da República reveja o posicionamento adotado, acompanhando as recomendações do Ministério da Saúde, uma vez que a adoção de medidas em sentido contrário poderá gerar colapso no sistema de saúde e gravíssimas consequências à saúde da população”. Três dias depois, Bolsonaro ignorou o alerta e, sem máscara, participou de uma das várias aglomerações que provocaria.

Enquanto a CPI avança, o governo dá sinais de desorientação. O ex-ministro Eduardo Pazuello, cujo depoimento estava marcado para hoje, comunicou aos senadores que não poderia comparecer por ter tido contato com auxiliares que testaram positivo para Covid-19. Seu depoimento foi adiado para daqui a duas semanas. Pazuello tem participado de treinamentos, mas a avaliação é que ele ainda está muito nervoso. O adiamento provocou reações. “Ele vai sem máscara ao shopping e não pode vir à CPI”, disse a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA).

Outro sintoma de desarticulação entre os governistas veio à tona de forma constrangedora numa pergunta do senador Ciro Nogueira (PP-PI). Mandetta disse ter recebido aquela mesma pergunta, por engano, do ministro das Comunicações, Fábio Faria. Também criticou indiretamente as ações para compra de vacinas. “Teria ido atrás delas como se fosse um prato de comida. Sabia que a saída era pela vacina.” A artilharia de Mandetta não poupou nem o ministro da Economia, Paulo Guedes, a quem se referiu como “desonesto intelectualmente, homem pequeno para estar onde está”. Guedes também deverá ser convocado pela CPI.

O depoimento de Mandetta mostrou que os ventos da CPI sopram contra Bolsonaro. Ficou claro que ele ignorou a ciência, fez pressão por medicamentos ineficazes, a ponto de tentar mudar a bula de um remédio, e desprezou todos os alertas do ministro da Saúde. A gestão de Mandetta cobre menos de dois meses de pandemia. Ainda há muita água para rolar. E, pelo jeito, vem aí uma tempestade.

Corte no orçamento do MEC confirma descaso do governo com a Educação

O Globo

Em mais uma demonstração de pouco-caso com a Educação, o governo destinou no Orçamento deste ano apenas R$ 8,9 bilhões para gastos discricionários do MEC, 60% menos que os R$ 23,2 bilhões orçados em 2018, ano da eleição do presidente Jair Bolsonaro. É com esses recursos sem destino predefinido que o ministério faz política educacional. Na montagem final do Orçamento de 2021, ainda foram bloqueados R$ 2,7 bilhões destinados ao ministério. Podem ou não ser liberados até o final do ano, a depender das condições fiscais. Os números da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado, sugerem que o MEC, mesmo com o descontingenciamento desses recursos, terá dificuldades para enfrentar os problemas deste ano, semelhantes aos de 2020.

O corte significa, portanto, que a pasta se manterá inerte sob Milton Ribeiro, quarto ministro a ocupar o cargo na gestão Bolsonaro. Não se pode dizer que seja um acaso. Ribeiro tem se feito notar pela omissão. No ano passado, nem sequer conseguiu gastar o dinheiro que tinha disponível (o MEC devolveu R$ 1 bilhão ao Tesouro).

Ao mesmo tempo, Ribeiro continuou executando seu projeto de esvaziar o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), ligado ao MEC, responsável pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Em entrevista ao GLOBO, o ex-presidente do Inep Alexandre Lopes, demitido em fevereiro, relatou como Ribeiro foi “totalmente omisso” na organização do Enem do ano passado. No final do mês passado, sete ex-ministros da Educação — Tarso Genro, Fernando Haddad, Cid Gomes, José Henrique Paim, Aloizio Mercadante, Mendonça Filho e Rossieli Soares — alertaram que o Inep está “em perigo”.

O corte no orçamento do MEC também atinge as universidades públicas, cujos recursos serão 20% inferiores aos do ano passado. Voltarão ao patamar de 2019, mesmo tendo havido aumento no número de matrículas. O resultado é, entre outros efeitos, a redução de bolsas que faculdades destinam a alunos carentes.

No ano passado, mesmo com a suspensão das aulas devido à pandemia, Ribeiro, empossado em julho, gastou apenas R$ 574 milhões no apoio à infraestrutura para a educação básica, quase 70% abaixo do R$ 1,8 bilhão despendido no ano anterior. Não foi dada no ministério a devida prioridade a projetos de inclusão digital de escolas e alunos, que o MEC pode apoiar com repasses para estados e municípios.

Na prática, sob Ribeiro, o MEC deverá continuar distante das dificuldades reais dos estudantes. A gestão dele confirma que, além do ativismo ideológico ditado por uma agenda de cunho religioso, a marca das administrações bolsonaristas no MEC tem sido pouca, se alguma, ação concreta no campo educacional — e um descaso ultrajante pela área mais importante para o futuro do Brasil.

Cartada de Mandetta

Folha de S. Paulo

Documento e relatos comprometem o presidente sem defesa consistente na CPI

A estreia da Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado sobre o enfrentamento da Covid-19 demonstra que até para se defender de investigação o presidente Jair Bolsonaro, amador e despreparado, só conhece estratagemas truculentos e manobras evasivas.

Foi um passeio o testemunho do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, médico derrubado por Bolsonaro após três meses de tentativas de imprimir alguma racionalidade à ação do Planalto.

O ponto alto da sessão, em que não faltaram senadores a se pavonear retoricamente, foi a carta que Mandetta sacou para comprometer o chefe do Executivo.

A correspondência enviada em 28 de março de 2020 —um mês após o primeiro caso brasileiro, 11 dias depois da primeira morte registrada e 19 dias antes da demissão do ministro— lista informações de gravidade crescente sobre a pandemia e as providências da pasta.

Só o último parágrafo crava o espinho no coração da imputabilidade presidencial: “Recomendamos, expressamente, que a Presidência da República reveja o posicionamento adotado, acompanhando as recomendações do Ministério da Saúde, uma vez que a adoção de medidas em sentido contrário poderá gerar colapso do sistema de saúde e gravíssimas consequências à saúde da população”.

O documento oferece prova material de que Bolsonaro recebeu clara orientação do ministro para interromper arroubos negacionistas e liderar o esforço de guerra contra a epidemia. Naquela altura, os óbitos estavam em 2.000; um ano de incúria e três ministros depois, são mais de 410 mil. Não se vê defesa possível para a conduta mortífera do presidente.

Restam-lhe, ao que parece, manobras fadadas ao fracasso. Seus asseclas no Senado fizeram tentativas canhestras de obstrução e aceitaram o papel de recitar sem convicção arrazoados fraudulentos redigidos em palácio —até uma defesa extemporânea do “tratamento precoce” ensaiaram.

Ainda pior figura fez o general e ex-ministro Eduardo Pazuello, quando já não se esperava tal proeza do militar que obedeceu passivamente ao mando de um admirador da imunidade de rebanho, legando centenas de milhares de cadáveres em tempos de paz.

O homem que foi ao centro de compras sem máscara num dia no outro alega risco de contágio para esquivar-se de responder na CPI pelos próprios atos.

Manobra tão desastrada, diga-se, quanto ensaiar mudar a bula de um medicamento por decreto, como revelou Mandetta aos senadores, apenas para sustentar as manias do chefe. Com defensores desse naipe, Bolsonaro não precisa de inimigos para se complicar na CPI.

Aposta equivocada

Folha de S. Paulo

Quebrar patentes de vacinas não tornará mais célere a imunização no país

Se não há dúvidas quanto ao imperativo da imunização célere contra a Covid-19, a quebra de patentes das vacinas não se mostra, no entanto, uma aposta acertada.

Após um vaivém na pauta, a proposta de rompimento temporário da garantia de exploração comercial exclusiva das farmacêuticas foi aprovada pelo Senado. O próximo passo se dará na Câmara.

Ocorre que uma eventual quebra de patentes não garante os ingredientes, a expertise e, tampouco, os equipamentos e tecnologias necessários para produzir vacinas.

De alta complexidade, os imunizantes desenvolvidos pela Pfizer e pela Moderna (ambas dos EUA)
—empresas centrais na discussão da quebra de patentes— usam um pedaço de material genético (RNA) do novo coronavírus para levar à resposta imune do organismo.

São vacinas de última geração. Dificilmente poderiam ser reproduzidas, mesmo nos laboratórios mais sofisticados do mundo, sem a devida transferência de tecnologia.

No Brasil, as duas vacinas contra a Covid-19 em produção —a Coronavac e a Oxford/Astrazeneca— derivam de técnicas conhecidas há um certo tempo.

A primeira usa o vírus inativado para levar à produção de anticorpos, mesma estratégia usada para fabricar as vacinas contra a gripe.

Já a segunda se baseia em um adenovírus de chimpanzé capaz de infectar células humanas, mas que, como não forma novos vírus, impede que a infecção progrida.

Os dois produtos foram viabilizados por meio de acordos de transferência de tecnologia. O país, no entanto, ainda patina para acelerar a produção em massa.

O processo de imunização também padece de falta de campanhas, de orientação e de acompanhamento do Ministério da Saúde. São iniciativas bem mais simples do que quebrar patentes.

Como noticiou a Folha, mais de meio milhão de vacinados com a Coronavac no primeiro mês de imunização no país perdeu o prazo da segunda dose. E pelo menos 16,5 mil vacinados tomaram doses de fabricantes diferentes —o que é considerado um erro vacinal, comprometendo a imunização.

A própria sinalização de intenção de quebra de patente pelo governo federal pode paralisar negociações de compra de imunizantes em andamento. Mais importante é aumentar a capacidade de produção dos produtos já acordados e avançar em compras, além de investir em pesquisa científica.

De ‘frouxos’ e ‘maricas’

O Estado de S. Paulo

Pelo critério bolsonarista de coragem, o general Pazuello acoelhou-se ao mandar avisar que não poderá comparecer à CPI

O ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello mandou avisar ontem que não poderá comparecer a seu depoimento na CPI da Pandemia, marcado para hoje. A alegação, citada pelo presidente da comissão, senador Omar Aziz (PSD-AM), é que no fim de semana passado o general intendente teve contato recente com dois coronéis, seus auxiliares, que estariam com covid-19.

Conceda-se ao ex-ministro o benefício da dúvida. Afinal, pode ser apenas uma inusitada coincidência o fato de que Eduardo Pazuello tenha se dado conta de que pode ter contraído covid-19 logo às vésperas de seu esperado depoimento na CPI – em que seria inquirido sobre sua desastrosa administração no Ministério da Saúde durante a pandemia.

No entanto, à luz das muitas mentiras e distorções já manifestadas por autoridades do governo de Jair Bolsonaro a respeito da pandemia, não se pode condenar quem tenha dificuldade em acreditar no ex-ministro Pazuello.

Tudo soa especialmente falso diante do inaudito zelo do intendente, supostamente preocupado em não contaminar senadores. Nem parece o ministro que, quando esteve à frente da Saúde, jamais organizou campanhas estruturadas e sistemáticas para defender medidas de restrição e isolamento social, as únicas capazes de frear a contaminação, conforme consenso científico mundial. Nem parece o cidadão que passeava despreocupadamente sem máscara num shopping de Manaus há pouco mais de uma semana – embora tenha passado um ano como ministro da Saúde e, por isso, tinha a obrigação de saber que a máscara é a proteção mais efetiva contra o vírus. Flagrado, Pazuello preferiu ironizar quem lhe cobrava o uso da máscara.

Ou seja, o histórico do ex-ministro não combina com sua súbita conversão às medidas sanitárias preventivas, entre as quais a quarentena, à qual ele diz que agora vai se submeter, a um dia de seu depoimento na CPI da Pandemia. Se Eduardo Pazuello fosse firme defensor desses cuidados básicos quando era ministro, muitas mortes teriam sido evitadas. O intendente, contudo, preferiu ser absolutamente subserviente a Jair Bolsonaro, anunciando-se publicamente como humilde cumpridor de ordens do presidente.

Convém lembrar que Bolsonaro chamou de “frouxos” e “maricas” os brasileiros que se preocupavam em manter distanciamento social e respeitavam as restrições para conter a pandemia. Era preciso, disse o presidente, enfrentar a crise “de peito aberto”. Pelo critério bolsonarista de coragem, portanto, Pazuello acoelhou-se.

Na hipótese benevolente de que faltará a seu depoimento por singelo zelo sanitário, o ex-ministro estará apenas adiando a inevitável prestação de contas de seu horroroso trabalho à frente da Saúde, sob o comando supremo do presidente Bolsonaro. Ao final das duas semanas regulamentares de quarentena, e comprovada sua saúde, o intendente terá afinal condições de responder, sob juramento, aos questionamentos dos senadores.

Consta que o ex-ministro Pazuello passou os últimos dias sendo treinado pelo governo federal para enfrentar a CPI, cuja maioria não se alinha ao Palácio do Planalto. Entre os assessores de Bolsonaro há a preocupação, mais que justificada, de que o intendente, escandalosamente despreparado para a função de ministro da Saúde, seja incapaz de explicar aos senadores por que o governo preferiu apostar em remédios inúteis a comprar vacinas a tempo e hora, por que não fez campanhas de prevenção e em favor de medidas de isolamento social, por que não promoveu testagem em massa e por que não providenciou insumos e medicamentos para o tratamento de pacientes internados.

De fato, não será fácil para Pazuello encarar a CPI, razão pela qual a hipótese maldosa de que ele inventou uma desculpa esfarrapada para faltar a seu depoimento hoje, por medo, é perfeitamente factível, coadunando-se com o comportamento pretérito do ex-ministro. Seja qual for o desfecho dessa comédia imoral estrelada pela trupe bolsonarista, o lugar de Pazuello na história já está garantido. Como disse o Júlio César de Shakespeare, “os covardes morrem várias vezes antes de sua morte”.

Um governo anticiência

O Estado de S. Paulo

CNPq custeará 13% das bolsas de doutorado e pós-doutorado que estavam aprovadas

Dias após ter comemorado 70 anos de existência, no final de abril, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) anunciou que, por causa de cortes orçamentários impostos pelo governo, teve de fazer um corte drástico na concessão de bolsas de doutorado e pós-doutorado aprovadas com base em pareceres técnicos emitidos por seus comitês de assessoramento.

Vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, o CNPq é a principal agência de fomento à pesquisa do País. Ao lado da Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Ensino Superior (Capes), órgão responsável pela fiscalização e avaliação do sistema de pós-graduação, o CNPq também é um dos pilares do sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação. Desde o início do governo Bolsonaro os dois órgãos vêm passando por graves dificuldades financeiras. 

Das 3.080 propostas aprovadas nas diferentes áreas do conhecimento, e cujos beneficiários já haviam sido informados em 15 de março, o CNPq só poderá financiar 396 – cerca de 13% do total. O critério de escolha privilegiou as propostas que receberam as maiores notas. As outras 2.684 propostas, que envolvem dez categorias de bolsas no Brasil e no exterior, não serão implementadas. 

Com valor de R$ 2,2 mil mensais por um período de quatro anos, tempo que leva a formação de um doutor, e de R$ 4,1 mil mensais por um período de dois anos no caso de pós-doutorado, as bolsas do CNPq são fundamentais para produção de ciência de ponta e ciência aplicada no Brasil. Os doutores em formação são oriundos, em sua grande maioria, das melhores universidades públicas do País. 

A comunidade científica, que já fora surpreendida na segunda semana de abril com a indicação de uma desconhecida professora de direito de uma universidade particular para a presidência da Capes, classificou os cortes orçamentários impostos ao CNPq pela equipe econômica do governo como mais uma etapa do irresponsável desmonte do sistema de ensino de ponta e de desenvolvimento científico brasileiro. “Este cenário só atesta, mais uma vez, a situação precária em que se encontra o financiamento à pesquisa no Brasil. Isso é particularmente mais grave quando se percebe que a ciência é uma parte essencial da solução para essa situação dramática que estamos vivendo”, afirma o físico Sylvio Canuto, pró-reitor de Pesquisa da USP. 

A não concessão de 2.684 entre as 3.080 bolsas aprovadas pelo CNPq frustrará os recém-formados no ensino superior que optaram por seguir carreira científica, com base em bolsas de estudo. Contudo, esse é apenas um dos lados do problema. O outro lado é a ausência de recursos para financiar pesquisas em andamento sob responsabilidade de cientistas que foram formados com apoio financeiro de agências públicas de fomento, como o CNPq. Sem condições de trabalho, é cada vez maior o número de jovens cientistas que estão deixando o País. 

Essa fuga de cérebros revela o paradoxo do sistema brasileiro de qualificação acadêmica, produção cientifica e inovação tecnológica. Após ter financiado com recursos públicos a qualificação desses jovens cientistas, o governo não os retém, seja por causa de seu negacionismo científico, seja por não lhes assegurar condições de trabalho. Assim, os órgãos de fomento à pesquisa acabam financiando a formação de cientistas que são atraídos por outros países, o que é um contrassenso. “Vi a situação apertando no Brasil, aí apareceu uma oportunidade de ir para fora e não tive como recusar. Meu primeiro sentimento foi de tristeza, pois foi feito um investimento muito grande na minha formação. Justamente quando esse investimento começaria a dar frutos, tive de ir embora”, diz o físico Tárcius Ramos, cuja formação foi custeada por bolsas de estudo e que se mudou para a Bélgica um mês após defender seu doutorado na USP. 

A construção de um sistema de ciência e tecnologia leva muito tempo, como revela a trajetória do CNPq. Mas destruí-lo é muito rápido, como tem sido evidenciado nestes últimos 28 meses de governo desastroso. 

Comida, minérios e dólares

O Estado de S. Paulo

O campo e a mineração continuam garantindo o Brasil contra o risco de crises cambiais

A segurança do Brasil contra as devastadoras crises cambiais continua a depender principalmente das exportações de minérios, de alimentos e de matérias-primas de origem agropecuária. Crises desse tipo, nunca experimentadas pela maioria dos brasileiros de hoje, podem levar o País à insolvência, forçá-lo a buscar ajuda externa e a enfrentar ajustes muito dolorosos. Os dois setores mais competitivos da economia nacional têm evitado desastres como esses, derivados da escassez de dólares. Neste ano, com vendas conjuntas de US$ 41,27 bilhões, a mineração e o agro acumularam superávit de US$ 36,45 bilhões nos quatro primeiros meses. Esse resultado cobriu o déficit da indústria de transformação e ainda garantiu um saldo positivo de US$ 18,26 bilhões na balança comercial.

O Brasil tem sido um dos países mais beneficiados pelo superciclo dos produtos básicos no mercado global. Com a forte recuperação da China, dos Estados Unidos e de várias outras economias, depois do desastre ocasionado em 2020 pela covid-19, cresceu muito a demanda de minérios, como ferro e petróleo, e de produtos agropecuários, como soja, milho e carnes. A consequente alta de preços internacionais ainda foi reforçada pela quebra de safras em alguns países.

Com as boas cotações e a forte demanda desses bens, analistas do mercado financeiro já projetam para o Brasil um superávit comercial na faixa de US$ 70 bilhões a US$ 73 bilhões neste ano. Se confirmado, será um resultado bem melhor que o recorde atual, o saldo de US$ 56 bilhões obtido em 2017.

O mercado chinês se manteve como principal destino das exportações brasileiras, tendo absorvido produtos no valor de US$ 28,44 bilhões, ou 34,63% do total embarcado pelo Brasil. Apesar dos atritos diplomáticos e dos desaforos ditos por autoridades brasileiras, a China se manteve como maior parceiro comercial do País e como seu principal fornecedor de vacinas anticovid e de insumos para esse tipo de imunizante, aquele mesmo qualificado, há meses, como ineficaz e nada confiável pelo presidente Jair Bolsonaro.

As exportações brasileiras desses produtos foram, então, duplamente favorecidas – pelo aumento do volume embarcado e pela alta dos preços internacionais. Entre janeiro e abril, os exportadores de produtos agropecuários faturaram US$ 18,61 bilhões, ou 27,2% mais que um ano antes. A receita dos vendedores de minérios (US$ 22,66 bilhões) foi 51,3% maior que a de igual período de 2020. A indústria de transformação embarcou produtos no valor de US$ 40,48 bilhões, soma 15,6% maior que a de um ano antes. O total das exportações, de US$ 82,13 bilhões, superou por 26,6% o de janeiro-abril de 2020.

Preços mais altos fortaleceram a receita comercial do Brasil, mas, ao mesmo tempo, encareceram a produção industrial, elevando o custo das matérias-primas, e impulsionaram a inflação. Motoristas tiveram de pagar mais pelos combustíveis e, além disso, alimentos ficaram mais caros para o consumidor nacional. No Brasil este efeito é particularmente grave, porque a alimentação tem grande peso no orçamento da maior parte das famílias.

A receita conjunta dos bens primários foi pouco maior que a obtida pela indústria de transformação. No entanto, minérios e mercadorias do agro proporcionaram, ao contrário dos bens industriais, um robusto superávit, porque o Brasil é altamente competitivo no comércio de produtos básicos e pouco dependente de importações de alimentos e de minerais.

Se nenhum erro do governo atrapalhar, o Brasil continuará sendo um grande produtor e exportador de minérios e, principalmente, de comida. Então, o País poderá contribuir mais que qualquer outro para a segurança alimentar da crescente população mundial. Além disso, o agro brasileiro poderá cumprir essa função com mínimo custo ambiental. Para isso será preciso neutralizar a política antiambiental implantada pelo presidente Jair Bolsonaro e usada em campanhas – até agora sem resultado – contra a importação de produtos brasileiros. Será enorme erro continuar motivando essas campanhas.

Fluxos financeiros e saldo comercial favorecem o real

- Valor Econômico

O Brasil não tem hoje problemas nas contas com o exterior, o dinheiro não está fugindo do país

O bom desempenho das contas externas e o provável superávit comercial recorde forçam uma valorização do real, ainda que contida pelo peso negativo das dúvidas sobre solvência fiscal e do baixo crescimento da economia brasileira. A apreciação da moeda brasileira possivelmente já teria jogado o dólar abaixo dos R$ 5 se não fossem as intervenções desastradas do presidente Jair Bolsonaro e as travessuras do governo em parceria com o Centrão no péssimo desenho do orçamento de 2021. O Brasil não tem hoje problemas nas contas com o exterior, o dinheiro não está fugindo do país, embora a desconfiança se manifeste onde nos últimos anos ela não existiu: nos investimentos diretos no país, sintoma de uma lesão estrutural grave.

Até março, os regressos líquidos dos investimentos no exterior (US$ 6 bilhões) e os investimentos líquidos em carteira (US$ 23,3 bilhões) cobriram o que deixou de entrar em investimentos produtivos (US$ 29,4 bilhões). O saldo comercial deslanchou em abril, atingiu US$ 10,3 bilhões (recorde da série histórica) e acumula US$ 18,2 bilhões no ano. A Secex e o Banco Central estimam que ele provavelmente chegue a US$ 90 bilhões em 2021, novo recorde.

China e EUA estão puxando a recuperação econômica, o que ateou fogo às cotações das commodities alimentares e metálicas, das quais o Brasil é um dos maiores exportadores mundiais. O Brasil amplia gradualmente sua dependência da China. No ano, as exportações para lá subiram 37% e as importações, 15,5%. O resultado é que os chineses passaram a comprar nos quatro primeiros meses do ano 38,39% de tudo o que o Brasil vende no exterior, ante 37% em 2020. O superávit com a China soma 78,6% dos US$ 18,2 bilhões do saldo positivo obtido até agora no ano.

A pauta de importações chinesas do Brasil é inteiramente de commodities: soja e minério de ferro compõem 70% dela. Como o apetite chinês renovado puxa as cotações, o minério de ferro atingiu US$ 190 a tonelada este mês, um recorde histórico. Em consequência, as vendas brasileiras do produto dobraram no primeiro quadrimestre e cresceram 80% para os chineses. A soja, disparada em primeiro lugar, viu sua venda subir 45%, o que sustentou altas cotações. Também com crescimento na casa de dois dígitos estiveram óleos brutos, celulose e óleos vegetais.

A recuperação nos Estados Unidos, por outro lado, ajudou a reduzir o déficit na relação bilateral. As exportações passaram a crescer com força, 15,5% no acumulado do ano, enquanto as importações recuaram 5,7%. Exportações e importações de e para a União Europeia se equilibraram, na casa de aumento de mais de 30% cada, e o déficit brasileiro com os europeus também recuou.

O Brasil conseguiu exportar mais também para a Argentina, que retomou a terceira posição entre os países com maior mercado para produtos brasileiros (sua fatia no total aumentou de 2,71% para 3,39%). A recuperação ocorreu pelo crescimento das vendas de automóveis de passageiros, motores e peças, além de minério de ferro. Essa tendência pode ser interrompida. Apesar de o FMI ter previsto um crescimento do PIB de 5,8% para este ano, maior do que os 3,7% do Brasil, os argentinos enfrentam nova onda de contágios e mortes pela covid-19, acompanhada de alta nos preços e lockdowns.

Enquanto a pandemia devastava em 2020 a economia global, a desvalorização cambial mais puxou a inflação do que ajudou os exportadores a venderem mais (embora engordasse substancialmente suas margens), enquanto os juros se tornaram negativos, desestimulando o carry over e afastando capital especulativo. Estas condições, entretanto, estão mudando.

O Banco Central deve decidir amanhã que os juros cheguem a pelo menos 3,5%, isto é, 1,5 ponto percentual, enquanto o juro dos fed funds permanece negativo e a percepção de risco do Brasil não piorou, até teve pequena melhora. A pressão sobre os títulos de longo prazo americanos, uma das bases de aferição dos prêmios de risco de títulos brasileiros, arrefeceu provisoriamente, diante da negativa do Federal Reserve de qualquer ação até que a inflação comprovadamente passe dos 2% e fique lá por algum tempo.

Até que a temporada eleitoral saia dos bastidores para as ruas, é possível que o real se valorize, retirando força do principal fator de alimentação dos preços em ação. Reviravolta mais sólida depende da recuperação sustentável da economia, mas esta é uma história ainda mais complicada e sem um final feliz à vista.

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