O
ministro da Justiça, Anderson Torres, mimetiza a família presidencial
Antes
que se pudesse decorar seu nome, o novo ministro da Justiça estreou, no fim de
semana, com duas entrevistas recheadas de pérolas do estilo bolsonarista de
comunicação confusa. O chamado padrão “00”.
Legítimo
exemplar do time em que se notabilizaram Abraham
Weintraub e Ernesto
Araújo, já substituídos, e os ainda atuantes Ricardo
Salles, Damares Alves e Milton
Ribeiro, o ministro Anderson
Torres mimetiza a família presidencial. E escolheu a CPI da Covid para
se apresentar.
Como fizera antes dele, com palavras iguais, o senador Flávio “01”, o ministro Torres honrou o espírito negativista do governo. Primeiro, deixou claro que, se Bolsonaro contaminar alguém porque aglomerou sem máscara, a culpa é do contaminado que se aproximou muito dele. Depois, proclamou a inoportunidade da CPI, indiferente ao fato de que ela já está funcionando e começou a ouvir, ontem, os depoimentos de ex-ministros da Saúde. Seria a hora oportuna quando não houvesse crime a apurar e culpados a punir?
Incidiu,
também, na questão que já não se discute: a subordinação política da Polícia
Federal aos caprichos presidenciais. Ameaçou os senadores com a requisição,
para a CPI, dos inquéritos da Polícia Federal, sob sua jurisdição, e que tratam
da aplicação das verbas da pandemia. Num acesso de criatividade, repetiu o
bordão popularizado mundialmente pelo misterioso Garganta Profunda: siga o dinheiro...
Como
se o escândalo da gestão federal da pandemia, objeto da CPI, não envolvesse,
também, dinheiro. Além de negligência, omissão e negação da ciência. Três
atributos marcantes da atuação do presidente.
O
ministro da Justiça se esquece de que todos os governadores e prefeitos são
políticos ligados a senadores e deputados. Todos, não só os da oposição. Nem o
governista sênior da CPI, Ciro Nogueira,
pode negar sua ligação histórica, em muitas campanhas e várias administrações,
com o governador do Piauí, Wellington
Dias, do PT.
Esta
questão, no entanto, deve ser resolvida com a convocação do próprio ministro
Anderson Torres para depor. E esperar dele maior apreço ao Parlamento do que o
dispensado pelo ex-ministro general Eduardo
Pazuello. Cujo depoimento, antes marcado para hoje, foi adiado
porque a testemunha alegou cumprir quarentena por ter tido contato com infectados.
Com
um delegado da Polícia Federal e um auditor do Tribunal de Contas na assessoria
do relator, será possível à CPI precisar o que o novo ministro da Justiça quis
dizer ao País enlutado.
A
advertência mais surpreendente do espetáculo de estreia, porém, foi a sua
afirmação de que a CPI da Covid não pode ser política. Mas, exclusivamente,
técnica. As CPIs são políticas ou não são CPIs. O que seria uma CPI técnica?
Estará Anderson Torres confundindo o inquérito parlamentar com as indispensáveis
perícias datiloscópicas e grafológicas do seu universo policial?
A
CPI da Covid, aliás, é mais política que qualquer outra. Nada fará que não gere
fato político. Seja para o governo se defender, seja para a oposição acusá-lo.
Está vinculada, fortemente, à sucessão de Jair Bolsonaro em 2022.
A
crença do presidente da República, e só ele acredita nisso, de que foi ele
mesmo, com seus argumentos e sua imagem, que venceu em 2018, é equivocada. Quem
perdeu para Bolsonaro foi o centro, que agora quer retomar a sua posição na
eleição do ano que vem. É para isso que os liberais trabalham com determinação.
O PSDB, o MDB, o DEM e o PSD querem estar de volta ao segundo turno. Certamente, acreditam que vão disputá-lo com um candidato da esquerda, PT ou PDT, que tem sempre vaga garantida na final. A CPI da Covid demarcará os espaços.
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