Relatório
deve citar culpados e virar registro histórico
Disse
certa vez um experiente parlamentar a seu herdeiro político: “Brasília é um
perigo porque é uma bolha. É um equívoco as pessoas acharem que Brasília é
real. Em Brasília, nós estamos sempre de passagem. A pessoa não pode achar que
é senador e Brasília é eterna. Ela tem que passar aqui três ou quatro dias e
voltar para o mundo real toda semana, porque é de lá que a vida real a
alimenta. A bolha acaba te retratando uma realidade que difere do que acontece
na ponta”.
Esse ensinamento de pai para filho ocorreu num passado longínquo - bem antes de o novo coronavírus surgir, espalhar-se pelo mundo, provocar uma tragédia humanitária e o Senado instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar responsabilidades pela péssima condução do enfrentamento da pandemia no Brasil. E vale ponderar que a capital federal mudou desde então: o aumento da pobreza é perceptível para aqueles que se propõem a observar o que vem ocorrendo nas ruas, mesmo que através dos vidros fumês dos carros oficiais. O Distrito Federal também enfrenta desafios para vacinar seus habitantes.
Mas,
o conselho permanece atual. Explica, em parte, a postura de governadores e de
seus aliados no Senado Federal. Está evidente a divisão entre os senadores que
foram escalados na CPI para defender o poder central, aqueles que pretendem
atacar seus adversários locais e os que de alguma forma dão suporte político, a
partir de Brasília, às administrações que atuam na ponta.
Muitos
senadores e governadores, estes se convocados, demonstrarão mais preocupação
com as mensagens que chegarão à tal “ponta”. É lá que o cidadão vive, morre,
passa fome, vê seus familiares e amigos sofrerem. Foi onde faltaram leitos de
UTI, oxigênio, equipamentos individuais de proteção. Na ponta, as doses de
vacina ainda demoram a chegar.
Segundo
o Ministério da Saúde, aliás, o impacto esperado das ações de vacinação só tem
início após cerca de 30 dias da distribuição das doses. A estimativa considera
o tempo da operação logística e o período necessário para o desenvolvimento da
resposta imune da população.
Do
ponto de vista político, o que se tem certeza é que o calendário eleitoral de
2022 aguarda a todos e será devidamente observado - com ou sem pandemia. E é
por isso que, se convocados, governadores prestarão depoimentos olhando mais
para seus Estados. Buscarão os ouvidos dos eleitores.
Para
alguns deles, as pautas que determinarão o resultado das eleições do ano que
vem são as iniciativas voltadas à atenção à saúde e as medidas de apoio
econômico que cada um tiver adotado durante a crise. Muitos Estados lançaram
seus próprios pacotes de socorro e auxílios emergenciais, uniram-se a fim de
comprar equipamentos e, agora, tentam adquirir vacinas.
“A
sociedade espera de quem foi eleito encontrar solução e não ficar buscando
culpados ou adversários. Fomos eleitos para buscar soluções”, diz um
governador. “O cidadão que está sofrendo em casa espera do seu líder uma
mensagem de solução e de esperança. É isso que temos que garantir para a
sociedade. Isso não é empurrar com a barriga. Por isso nós fomos buscar a
vacina.”
Um
outro governador reclama da demora na chegada de novas levas de imunizantes e
alerta que a falta de informações atualizadas e detalhadas sobre a população,
em razão de dificuldades orçamentárias para a realização do censo, é algo que
preocupa. Pode haver dificuldades na execução de políticas públicas na área da
saúde, inclusive durante o processo de vacinação.
Fica
também claro o roteiro defendido pelos porta-vozes do Executivo. De acordo com
eles, deve-se ter alternância entre as testemunhas. A ideia é poder gerar pelo
menos alguns constrangimentos a governadores e prefeitos.
Elaborada
a partir do Palácio do Planalto, essa estratégia pretende destrinchar as
denúncias de eventuais desvios de recursos transferidos para Estados e
municípios, possíveis fraudes em licitações, irregularidades em contratos,
superfaturamentos e assinaturas de contratos com empresas fictícias. Ou seja,
depurar como se deu o uso das verbas pelos entes federados.
Não
se trata de pouco dinheiro. Um dos requerimentos apresentados pelos governistas
aponta que até o fim do ano passado a Polícia Federal realizou mais de 60
operações. Investiga-se a compra de equipamentos individuais de proteção, como
máscaras e aventais, a aquisição de respiradores artificiais e a assinatura de
contratos para a construção de hospitais de campanha. Negócios que teriam
movimentado cerca de R$ 2 bilhões, segundo o requerimento.
Essas
operações policiais ganharam destaque no noticiário e foram incorporadas no
discurso do presidente e de ministros. É um tema com apelo entre os eleitores
de Bolsonaro, mas que, se aprofundado pela CPI, pode até acabar ajudando na
reação dos gestores estaduais. Aliados dos governadores sempre questionaram se
a Polícia Federal pode ter sido instrumentalizada para satisfazer interesses
políticos do grupo que hoje ocupa o poder central.
“Há
de se avaliar quais foram as iniciativas e o porquê dessas iniciativas, para
que nós possamos ter a conclusão do que foi feito com transparência e
principalmente levando em consideração as circunstâncias do momento”, afirma um
governador, ponderando que não se deve falar em superfaturamento quando as
condições de mercado estão distorcidas, com o crescimento da demanda mundial e
redução da oferta de equipamentos e insumos relacionados à pandemia.
Pelo que se viu até agora em função da correlação de forças dentro do colegiado, dificilmente a CPI deve esmiuçar o que ocorreu nos Estados. O que deve ficar patente, porém, é que no mínimo Bolsonaro abdicou da missão de liderar a nação na luta contra o vírus. Governadores querem que ao menos a comissão produza um registro histórico, responsabilize quem faltou com a população e nomeie aqueles que tentaram buscar soluções.
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