O Estado de S. Paulo
Com o foco na CPI, Congresso legisla em causa própria na MP da Eletrobrás e na Lei da Improbidade
Há algo errado quando, do PT ao PP,
praticamente todos os partidos ficam do mesmo lado na Câmara e
quando dez entre dez economistas liberais se manifestam contra o projeto
pró-privatização da Eletrobrás da
Câmara e do Senado. A explicação, porém, parece razoavelmente simples: com o
foco na CPI da Covid,
o Congresso corre para passar suas boiadas e jabutis.
O pau come entre o PT e o bolsonarismo, mas
lá, no escurinho da Câmara, reina a paz para legislar em causa própria. O
deputado petista Carlos Zarattini (SP) apresentou um relatório substitutivo mudando
drasticamente a Lei da Improbidade, de 1992, e o texto foi aprovado
por 408 votos a 67 em plenário, com apoio de praticamente todos os partidos e
patrocínio do bolsonarista Arthur Lira (PP-AL) – o presidente da Casa, alvo de
processos por... improbidade.
Para o procurador Roberto Livianu, do Instituto Não Aceito Corrupção, a Lei da Improbidade “é a mais importante lei anticorrupção em vigor no Brasil”. E ele cronometrou: o substitutivo de Zarattini foi apresentado às 17h10 de terça-feira, o pedido de urgência começou a ser votado às 17h11 e foi aprovado às 17h19. Nove minutos. No dia seguinte o plenário liquidou a fatura.
“Não foi urgência para salvar vidas,
combater o desemprego, a covid ou mesmo a corrupção”, diz Livianu. A pressa foi
no sentido oposto: abrandar a lei que ataca uma das mais resilientes pragas
brasileiras, a corrupção. Pelo texto, só serão enquadrados os ímprobos que ajam
com dolo, intencionalmente. Os ingênuos, distraídos, que não sabiam que estavam
desviando dinheiro público e enriquecendo ilicitamente, ficam numa boa. Basta
fazer cara de surpresa: “Era corrupção? Eu nem imaginava!”.
Também partiu da Câmara, e virou uma grande
confusão no Senado, a medida provisória (MP) que abre espaço para privatizar a
Eletrobrás, estatal responsável pela geração e distribuição de energia, um
setor estratégico e sempre no fio da navalha – como agora, por exemplo. A
medida é estudada e defendida por especialistas há anos, ou décadas, mas vinha
sendo sistematicamente impedida pelos... políticos.
Sejam de esquerda, direita ou centro,
políticos adoram uma estatalzinha bacana para acomodar generosamente seus
parentes, afilhados e aliados. Mexer com ela, a estatal, é mexer comigo! Assim,
trabalham contra a privatização e, se não tem jeito, como na Eletrobrás, lá vêm
boiadas e jabutis. Os economistas que bradavam pela privatização agora são os primeiros
a gritar contra a proposta do Congresso. Com razão.
Afora o fato de ter sido proposta pelo
governo por MP, mesmo não tendo urgência nenhuma, o grave mesmo foi a
movimentação frenética dos deputados e senadores para tirar uma casquinha para
suas bases eleitorais. Em vez de melhorar o péssimo texto da Câmara, os
senadores puseram ainda mais jabutis, o mostrengo agora volta para a Câmara e o
que é ruim sempre pode continuar piorando.
O resultado é que a questão será fatalmente
judicializada, empacando nos tribunais sabe-se lá por quanto tempo e criando
insegurança jurídica, que provoca um efeito colateral drástico: em vez de
cumprir o objetivo de atrair grandes investidores de Europa e Ásia, por
exemplo, o texto do Congresso tende a afugentar as empresas – e seus bilhões de
dólares – num setor essencial.
Passo a passo, o Brasil anda de marcha à ré, afunda no atraso e no negacionismo e perde credibilidade internacional, carente da liderança de um presidente da República que não governa, só faz campanha, guerreia pelo voto impresso, cria seus próprios jabutis e passa suas boiadas não só no meio ambiente, mas no pobre e abalado interesse nacional. “Jabuti não sobe em árvore. Ou foi enchente ou foi mão de gente.”
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