Valor Econômico / Eu & Fim de Semana
Em 30 meses, discurso bolsonarista passa do
acerto de contas com a punição de que foi vítima como capitão à pregação ao
Exército de que Pazuello deveria ser perdoado porque todos são “seres
políticos”
Do acerto de contas com os militares que o
puniram e o levaram a deixar o Exército, o presidente Jair Bolsonaro passou, ao
longo de seu mandato, a cobrar, das Forças Armadas e policiais militares, a
lealdade, acima da Constituição, aos votos que o elegeram. É o primeiro passo
para cobrar a adesão dos militares à contestação dos resultados eleitorais de
2022.
É isso que mostra a análise dos discursos
presidenciais. A página oficial do Palácio do Planalto na internet registra 64
pronunciamentos, mas nem todos estão lá arquivados, como, por exemplo, aquele
dirigido a generais em encontro fechado em São Gabriel da Cachoeira (AM), no
fim de maio deste ano. Um trecho desse discurso, porém, foi colocado pelo
presidente em suas redes sociais.
De velado, o golpismo nos seus discursos
passou a ser escancarado. Se, no início, a presença em cerimônias de formaturas
militares lhe servia para lembrar aos jovens que sua indisciplina lhe havia
permitido chegar à Presidência, nos últimos tempos Bolsonaro impôs sua versão
para o valor da indisciplina aos próprios generais, quando chegou a dizer que
todos “eram seres políticos”. Ao longo desse período, Bolsonaro, que chegou a
enfatizar, na sua estreia, a importância dos demais Poderes para o equilíbrio
constitucional, acabou por apelar, neste ano, ao respeito supremo “de nós,
militares” ao povo.
A transição no discurso foi marcada pela aprovação da reforma da aposentadoria e carreira militares, em 2019, que, além de beneficiar mais os altos oficiais, cobrou-lhes uma fatura muito menor do que aquela imposta aos civis pela reforma da Previdência. E também pela elaboração de dois Orçamentos que preservaram o Ministério da Defesa frente à média dos cortes de gastos. A escalada foi marcada ainda por portarias e projetos que aumentaram a entrada, a posse e o porte de armas, além de decisões que diminuíram o poder do Exército no controle dos armamentos.
E, finalmente, a mudança sutil na retórica
bolsonarista foi acompanhada de mais benesses aos PMs, como o aumento para a
categoria no Distrito Federal, que gerou uma onda generalizada de demanda por
isonomia no resto do país, e o anúncio de um programa habitacional dirigido à
corporação. A reação dos militares, por outro lado, minguou.
Do cotovelo estendido ao presidente pelo
ex-comandante do Exército general Leal Pujol, passando pela nota de despedida
do ex-ministro da Defesa Fernando Azevedo e Silva (“Preservei as Forças Armadas
como instituições de Estado”), a subida de tom do discurso presidencial teve
como derradeira resposta a nota do general Paulo Sérgio Oliveira. O atual
comandante aceitou a justificativa de que a subida de um general da ativa ao
palanque presidencial não foi um ato político por este não estar filiado a
partido. Isso se deu a despeito da provocação do discurso bolsonarista, dias
antes do perdão, de que todos, civis e militares, são “seres políticos”.
A seguir, a escalada radicalizada da
retórica bolsonarista:
“Temos uma chance ímpar de mudar o Brasil.
E não será eu sozinho. Será com mais pessoas, em grande parte com militares das
Forças Armadas (...) Juntos pretendemos fazer nossa história, a guinada de
nosso país no rumo de que não deveria ter saído”
30/11/2018 (Brasília) - O presidente eleito
recebe do então comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, um diploma
que lhe havia sido negado, em 1987, depois de ter sido culpado pelo
planejamento da explosão de bomba numa adutora de água. O então capitão acabaria
por ser absolvido pelo Superior Tribunal Militar.
“Meu muito obrigado, comandante Villas
Bôas. O que nós já conversamos morrerá entre nós. O senhor é um dos
responsáveis por eu estar aqui.”
02/01/2019 (Brasília) - Posse do general
Fernando Azevedo e Silva na Defesa. Às vésperas do julgamento do habeas corpus
do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2018, o então comandante
publicara uma mensagem em que, “atento às suas missões institucionais”, dizia
compartilhar “o repúdio à impunidade e respeito à Constituição”.
“Sabíamos naquele momento, general
Fernando, que a Defesa estava sendo criada não por uma necessidade militar, mas
por uma imposição política. A ideia era retirar, sim, os generais da mesa
presidencial (...) E umas consequências negativas apareceram, num primeiro
momento, no ano 2000, onde, sem a participação nossa, militares, apareceu a MP
2131 e depois a 2215, que tratava da nossa Lei de Remuneração. Foi a primeira
grande reforma da Previdência onde apenas os militares foram sacrificados.”
10/06/19 (Brasília) - Comemoração dos 20
anos do Ministério da Defesa.
“Não cheguei até lá, tentei por duas vezes
fazer o curso de comandos, mas nos exames preparatórios que não foram os
físicos fui deixado para trás, gostaria de ter tentado o curso de Comandos
(...) não tive sucesso mas estamos juntos nessa missão de bem zelar pelo nosso
país (...) estou muito feliz com a minha vida pregressa com tudo aqui que
aconteceu mesmo algo um tanto quanto esquisito lá atrás, mas serviu para
ensinamento para que pudéssemos chegar aqui.”
15/07/2019 (Brasília) - Aniversário do
Comando de Operações Especiais do Exército Brasileiro.
“Eu o jovem capitão, ele [general Acrísio
Figueira] um vibrante comandante da nossa brigada. Tivemos um momento bastante
tenso entre nós, mas preservou a lealdade e a verdade. E nele, nas suas
palavras, naquele momento, fizeram um marco na minha vida. E esse marco, esse
momento, fez com que um paraquedista alcançasse a Presidência da República.”
27/07/2019 (Rio de Janeiro) - Cerimônia de
Brevetação dos Novos Paraquedistas.
“Ao nosso lado os demais Poderes, o
Legislativo, aqui representado por Davi Alcolumbre; o Judiciário, pelo senhor
Dias Toffoli; a PGR, pela senhora Raquel Dodge, nós temos como realmente
cumprir aquilo que prometemos durante a campanha.”
17/08/19 (Resende-RJ) - Entrega de Espadim
aos Cadetes da Turma “Bicentenário da Independência”.
“Vamos marchar para o sucesso. Não nos
faltam é inimigos como os de sempre, que teimam em ganhar a guerra de
informação contra a verdade.”
23/08/19 (Brasília) - Dia do Soldado.
“Nós nos livramos, mas não nos esqueçamos
que o inimigo está aí do lado, o inimigo não dorme. O que alguns dizem, que o
cara lá é inocente e fica o tempo todo massacrando, batendo na cabeça do povo,
fizeram o mesmo há pouco tempo, dizendo que lutavam por democracia e não pela
ditadura do proletariado.”
02/10/2019 (Brasília) - Assinatura de
acordos da Operação Acolhida, de assistência a venezuelanos.
“Mais importante que combater a corrupção é
combater a questão ideológica. E povo desarmado, a ambição de alguns que estão
de plantão no governo, naquele momento, sempre é uma tentativa para tomada do
poder, não há reação.”
23/11/2019 (Brasília) - Palestra na Escola
de Comando e Estado-Maior do Exército.
“As Forças Armadas, ao longo de décadas,
foi (sic) maltratada, foi (sic) perseguida, mas, pela formação e pelo caráter,
nós nos mantivemos em pé. E essa perseguição é simplesmente por uma coisa, é a
busca por parte daqueles do poder absoluto, e sabem que nós militares somos o
último obstáculo para o socialismo.”
12/12/2019 (Rio de Janeiro) - Entrega de
Espadas aos formandos da Turma “José Vitoriano Aranha da Silva”.
“Mais que a carreira militar, vocês têm tudo
para amanhã ser chefes dessa Nação, como hoje eu sou. Daí o nosso compromisso
de dar a vida pela Pátria (...) Nós estamos aqui para decidir. Decidir por 210
milhões de brasileiros.”
17/10/2020 (Resende-RJ) - Cerimônia de
Entrega de Espadim aos Cadetes da Turma “Centenário da Missão Militar Francesa
no Brasil”.
“Só nós militares da Marinha, do Exército e
da Aeronáutica pode (sic) dizer aos 210 milhões de habitantes que a liberdade
do nosso povo passa por nós e nós, com o sacrifício da própria vida, defenderemos
esse bem maior do povo, um povo que nasceu e será livre, que jamais permitirá
que a cor da sua bandeira seja mudada.”
27/11/2020 (Guaratinguetá-SP) - Solenidade
de Promoção à Graduação de Sargento da Escola de Especialistas de Aeronáutica.
“O papel do militar, além daquele garantido
e definido na nossa Constituição, temos uma preocupação muito maior, que é a
nossa soberania e garantir a nossa liberdade, tão ameaçadas nos últimos
tempos.”
05/12/2020 (Resende-RJ) - Solenidade de
Restituição de Espadins e Declaração de Aspirantes da Aman.
“Os Três Poderes são independentes e
harmônicos, mas o maior poder é o do povo, repito, povo esse ao qual devo
lealdade absoluta. Não se esqueçam disso, a imprensa jamais estará do lado da
verdade, da honra e da lei, sempre estará contra vocês, pensem dessa forma para
poderem agir.”
18/12/2020 (Rio de Janeiro) - Solenidade de
Conclusão do Curso de Formação de Soldados da PM do Rio.
“Na guerrilha a gente não sabe onde está o
inimigo. Muitas vezes está ao nosso lado, mas nós vamos, cada vez mais,
buscando maneiras de enfrentar também esse inimigo. Porque o que interessa para
todos nós é proporcionar dias melhores ao povo.”
06/04/2021 - Posse do ministro da Casa
Civil, Luiz Eduardo Ramos. Uma semana antes, os comandantes das Três Forças,
num gesto inédito, foram demitidos pelo presidente.
“Como dizia o então ministro do Exército,
Leônidas Pires Gonçalves, o povo nos dá o norte, a esse povo que nós devemos
lealdade absoluta.”
19/04/2021 (Brasília) - Dia do Exército.
Bolsonaro cita o ministro que mandou prendê-lo, em 1986, depois de artigo em
que o então capitão reclamava dos soldos militares.
“O que nós queremos é paz, progresso e,
acima de tudo, liberdade. E esse último desejo passa por vocês. Vocês é que
decidem, em qualquer país do mundo, como aquele povo vai viver. Ninguém está
aqui para fazer discurso político, mas somos seres políticos.”
27/05/2021 (São Gabriel da Cachoeira, AM) - Almoço com generais por ocasião da inauguração de ponte de madeira na BR-307. Quatro dias antes, Bolsonaro levara um general da ativa para seu palanque político. O comandante Paulo Sérgio Oliveira arquivou processo contra Pazuello.
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