sexta-feira, 18 de junho de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões/Editoriais

EDITORIAIS

Equilibrismo com os juros

O Estado de S. Paulo

Maldição para milhões de famílias, a inflação superou 8% em 12 meses, ameaça romper o teto da meta no fim do ano e parece ter corroído, finalmente, o otimismo do Banco Central (BC). Ao anunciar a nova alta dos juros básicos, desta vez para 4,25%, o Comitê de Política Monetária (Copom) reconheceu: “A persistência da pressão inflacionária revela-se maior que o esperado”, fato já percebido pelas donas de casa. Foi o terceiro aumento consecutivo da taxa básica. Nas três ocasiões o acréscimo foi de 0,75 ponto porcentual. Repetiu-se o degrau, mas a menção a “choques temporários” sumiu dos parágrafos iniciais da nota emitida depois da reunião. Também desapareceu a referência a uma normalização “parcial” dos juros, presente nos dois comunicados.

Mais um ajuste de 0,75 ponto poderá ocorrer na reunião de agosto, segundo o informe. Como sempre, a decisão dependerá, segundo se ressalva, de novas informações. Mas já se aposta, no mercado, numa alta de 1 ponto porcentual. A previsão de 6,25% no fim do ano, indicada pela pesquisa Focus, do BC, pode estar superada. Já se fala em 6,50%.

No cenário do Copom as pressões devem continuar fortes. A influência das cotações internacionais de produtos básicos é bem conhecida. Além disso, é lenta a normalização da oferta, a demanda se mantém e a escassez de chuva favorece a alta das tarifas de eletricidade.

Ainda otimista quanto ao crescimento, o Copom, formado por diretores do BC, continua apontando uma evolução mais positiva do que se esperava, “apesar da intensidade da segunda onda da pandemia”. Mas fatos positivos, até no combate à pandemia, podem resultar em alta de preços. O texto menciona, entre os fatores de risco, a “resiliência da demanda”. Se a demanda se mantém, é porque alguma vitalidade permanece na economia, apesar do enorme desemprego, mas esse detalhe é ignorado.

Além disso, o comitê “segue atento” à evolução dos preços dos serviços “conforme os efeitos da vacinação sobre a economia se tornam mais significativos”. Esse é mais um perigo – imunização seguida de maior demanda de serviços. “Viver é negócio muito perigoso”, diz o sertanejo logo no começo de Grande Sertão, pronunciando a frase mais famosa do livro. “Sobreviver é inflacionário”, escreveria Guimarães Rosa se fosse membro do Copom?

O risco de inflação alta, segundo a nota, permanece, no curto prazo, “a despeito da recente apreciação do real”. Esse é um detalhe um tanto curioso. A valorização da moeda nacional é apontada como fator propício à moderação da alta de preços. Mas o evento oposto, a grande e persistente alta do dólar, desde o ano passado, nunca foi seriamente explorado, nos textos do Copom, como fator inflacionário. Muito menos se mencionou a responsabilidade do governo, especialmente do presidente Jair Bolsonaro, pela instabilidade cambial no último ano e meio. Essa responsabilidade, no entanto, sempre foi evidente para quem segue o dia a dia do mercado e o entra e sai dos investimentos e da moeda americana.

Também as “políticas fiscais de resposta à pandemia” são mencionadas como possíveis combustíveis da inflação. Essas políticas foram abandonadas no primeiro trimestre, juntamente com o auxílio emergencial, e redesenhadas de forma confusa a partir da aprovação do Orçamento, em abril. No primeiro trimestre a fome se espalhou entre os brasileiros abandonados e a retomada, embora recebida com festas no mercado financeiro, foi frágil e acidentada. Em vez de mencionar políticas de resposta à pandemia, a nota poderia, com maior realismo, apontar o risco, muito mais tangível, de gastos eleitoreiros para ajudar o candidato Bolsonaro em 2022.

Ressurge no fim da nota a referência a “choques temporários” sobre os preços. Isso reforça os argumentos a favor da “normalização” da taxa de juros. Mas a “normalização” continua moderada, porque o Copom procura manter taxas compatíveis com a retomada econômica. O equilibrismo continua, enquanto a inflação avança, ameaçando estourar o limite de tolerância de 5,25%.

Bolsonaro, Lira e as reformas

O Estado de S. Paulo

A desídia do Executivo federal na promoção das reformas administrativa e tributária não é segredo, tampouco novidade. A cada dia é mais evidente que o presidente Jair Bolsonaro não deseja nenhuma reforma. Seu objetivo é a reeleição e nada que possa significar alguma dificuldade eleitoral contará com o seu apoio.

A falta de compromisso com as reformas por parte do Palácio do Planalto é lamentável – e diz muito sobre as dificuldades que o País enfrenta. Governos que não deixam o palanque não enfrentam as causas dos problemas nacionais, antes tentam se aproveitar desses mesmos problemas para permanecer no poder.

Há, no entanto, uma situação ainda mais grave. Não é apenas o presidente Jair Bolsonaro que, com seu manifesto desinteresse pelo tema, dificulta o andamento das reformas. O presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), vale-se da falta de coordenação política do Palácio do Planalto para inviabilizar qualquer possibilidade de melhoria legislativa e, no que estiver ao seu alcance, promover o que se pode chamar de verdadeira agenda antirreforma.

Desde 2016, não se via essa convergência de Executivo e Legislativo na oposição às reformas. Apesar das evidentes resistências do Congresso, o governo de Michel Temer foi capaz de promover reformas importantes, como a trabalhista, a do ensino médio e a PEC do Teto de Gastos.

A partir de 2019, a equação se inverteu. Apesar das resistências de Jair Bolsonaro, o Congresso, sob a liderança do deputado Rodrigo Maia, então presidente da Câmara, foi capaz de aprovar, por exemplo, a reforma da Previdência. Agora, o interesse público está órfão. O presidente da República não faz o que lhe cabe e o presidente da Câmara faz apenas o que lhe interessa. Veja o empenho de Arthur Lira na alteração abrupta da Lei de Improbidade Administrativa.

A situação é constrangedora e, não raro, contraditória. Em setembro de 2020, o governo federal apresentou ao Congresso uma proposta de reforma administrativa. Acanhado e falho, o texto do Executivo deixou de fora pontos importantes, a começar pelo fato de não alterar o regime dos atuais servidores. Eram apenas mudanças para o futuro – 30 anos, pelo menos.

Mesmo com esses defeitos, diante da importância do tema – é urgente e essencial melhorar o funcionamento da máquina pública –, a proposta do Executivo foi vista como uma oportunidade para o Congresso enfrentar o assunto e aprovar, dentro do possível, uma redação final mais condizente com as necessidades do País.

No entanto, desde a apresentação do texto, o Palácio do Planalto não mostrou mais nenhum interesse em sua aprovação. A situação é tão contraditória que até o relator da reforma administrativa na comissão especial, deputado Arthur Maia (DEM-BA), tem pedido que o presidente da República dê algum sinal de apoio à proposta feita pelo próprio governo.

“Que ele (Jair Bolsonaro) manifeste claramente para a base dele aqui no Congresso Nacional que é a favor da reforma. (...) Quando eu fui relator da reforma da Previdência aqui na Câmara, o presidente Temer se engajou pessoalmente com toda sua força para que nós pudéssemos aprovar. Isso foi claramente manifestado. Ele cobrava dos líderes o empenho, procurava os deputados, pedia o voto”, disse Arthur Maia ao Estado.

No caso da reforma tributária, o Congresso trabalhou por mais de um ano na fusão das duas propostas em tramitação: a da Câmara (formulada pelo economista Bernard Appy) e a do Senado (de autoria do ex-deputado Luiz Carlos Hauly). Era uma oportunidade histórica de realizar uma mudança estrutural no sistema tributário do País.

O governo Bolsonaro, no entanto, não se interessou pelo assunto. Propôs tão somente criar um novo imposto a partir da união do PIS/Cofins e, sempre que pôde, defendeu a volta da CPMF. Nesse cenário, o presidente da Câmara extinguiu a comissão da reforma tributária, o que, na prática, extinguiu as possibilidades de uma mudança mais estrutural dos tributos.

Eis a nefasta parceria de interesses entre Jair Bolsonaro e Arthur Lira. Sem as reformas de que precisa, o País vê-se enredado no retrocesso.

O Lula de sempre

O Estado de S. Paulo

Está em curso uma tentativa de construção de uma nova imagem do sr. Luiz Inácio Lula da Silva, alheia ao passivo de corrupção, incompetência e negacionismo que marca a trajetória política do Partido dos Trabalhadores (PT). O líder petista sabe que sua viabilidade eleitoral depende, entre outras coisas, de que o seu nome não esteja vinculado ao governo de Dilma Rousseff.

Esta é a tática: apresentar à população um novo Lula, supostamente moderado e responsável, a fazer contraponto ao desgoverno de Jair Bolsonaro. Não é tarefa simples realizar tal metamorfose. Vale lembrar que a carceragem da Polícia Federal em Curitiba nunca promoveu qualquer espécie de ressocialização política. O Lula continua o mesmo de sempre, como ele próprio faz questão de ressaltar.

No dia 17 de junho, com a verve populista de sempre, o sr. Luiz Inácio Lula da Silva prometeu revogar a EC do Teto de Gastos. “A quem interessa o teto de gastos? Aos banqueiros? Ao sistema financeiro? Gasto é quando você investe um dinheiro que não tem retorno. Quando você dá R$ 1 bilhão para o rico é investimento e quando você dá R$ 300 para o pobre é gasto?! Nós vamos revogar esse teto de gastos”, escreveu em sua conta no Twitter.

Em 260 caracteres, o líder petista mostrou que, para fazer demagogia populista, não tem nenhum pudor de abraçar o negacionismo econômico e defender o retrocesso.

Resultado de um enorme trabalho de coordenação política do presidente Michel Temer, a EC do Teto de Gastos veio precisamente reverter a rota de irresponsabilidade fiscal implementada pelas administrações petistas – e que tantos males causou à população, com inflação, desemprego e retração da atividade econômica. Agora, ignorando todo esse esforço, o sr. Luiz Inácio Lula da Silva anuncia que vai revogar a medida.

O tuíte do líder petista sobre o teto de gastos é revelador. Ele não apenas não reconhece os erros do seu partido – que gestaram e produziram a crise econômica que assola o País desde 2014 –, como prega abertamente o retorno à irresponsabilidade fiscal. 

Não há moderação em quem nega os fatos e a ciência econômica e opta por difundir desinformação. A mensagem do sr. Luiz Inácio Lula da Silva sobre o teto de gastos traz inequívoca manipulação da realidade, distorcendo fatos para obter proveito político.

Ao contrário do que disse o líder petista, o teto de gastos não faz discriminação entre ricos e pobres. Além disso, foi a limitação das despesas públicas que possibilitou a trajetória, desde o final de 2016, da redução das taxas de inflação e de juros.

É muito fácil vir a público criticar demagogicamente o ajuste fiscal. Difícil é conseguir reduzir de forma sustentável, sem truques nem pedaladas, a inflação e a taxa de juros. A depender do sr. Luiz Inácio Lula da Silva e do PT, essa tarefa não será apenas difícil, mas impossível. Sem nenhum rubor, o líder petista anuncia que sua proposta política não tem nenhuma novidade e não contém nenhum aprendizado. Seguirá cometendo os mesmos erros de sempre.

Logo após o tuíte do líder petista, o deputado Rodrigo Maia lembrou uma triste realidade sobre a responsabilidade fiscal do atual governo. “O próprio Paulo Guedes fez pior do que revogar o teto de gastos: ele descumpriu e desmoralizou o teto em troca da reeleição do Bolsonaro”, escreveu o ex-presidente da Câmara no Twitter.

Os fatos são evidentes. Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro não querem ajuste fiscal, não querem reformas, não querem debate público responsável, sem distorções ou negacionismos. O que lhes importa é a vitória eleitoral.

Não há moderação onde sobeja irresponsabilidade – a irresponsabilidade de pôr em risco avanços importantes, alcançados com o esforço e o sacrifício de toda a população, na tentativa de obter sucesso eleitoral.

Como hábil comunicador que é, o sr. Luiz Inácio Lula da Silva reitera que não aprendeu nada e não mudou nada. Podia anunciar tanta coisa, pedir desculpas por tantos erros. Mas não. Anunciou que vai acabar com o teto de gastos.

‘Jabutis’ elevam custo da venda da Eletrobras

O Globo

Em plena crise energética, a importância da privatização da Eletrobras é indiscutível. A forma como o governo a encaminhou, contudo, gerou problemas desnecessários e resultou numa solução ruim. O projeto oriundo da Medida Provisória, aprovado na Câmara e ontem no Senado, se converteu num “Frankenstein” capaz de dificultar a venda da empresa, além de criar uma intervenção impensada, indevida e indesejável num setor crítico, que dá margem a toda sorte de contestação na Justiça.

Em vez de incluir a estatal na lista de empresas passíveis de privatização ou de aproveitar o projeto discutido desde a gestão Temer, o governo resolveu editar uma MP, sob o pretexto de conferir agilidade à tramitação. Abriu, assim, uma brecha para que parlamentares pendurassem nela uma série de adereços — os proverbiais “jabutis” — para atender a interesses regionais ou políticos. Para garantir a privatização de vulto, o governo caiu numa armadilha.

O projeto relatado pelo deputado Elmar Nascimento (DEM-BA) saiu da Câmara cheio de problemas que cabia ao Senado consertar. O texto exigia que o governo contratasse 6 GW de geração de usinas térmicas no interior do país, 2GW de pequenas hidrelétricas, além de renovar por 20 anos os incentivos à geração de 3GW por meio do programa de fontes alternativas Proinfa.

Ora, a obrigação de instalar termelétricas afastadas dos centros de consumo encarece a energia, por elevar o custo de distribuição — só interessa a operadores de gasodutos. Ainda que a situação dos reservatórios d’água exija atenção a novas fontes energéticas para garantir o fornecimento, todo investimento em combustíveis fósseis precisa ser discutido à luz de compromissos ambientais. Também não faz sentido manter incentivo tão duradouro à eólica ou solar, tendo em vista o barateamento veloz dessas tecnologias.

Intervenções dessa natureza deveriam estar a cargo não do Senado, mas da agência reguladora, a Aneel. E deveriam ser precedidas dos devidos estudos técnicos. Nada disso foi feito. Em vez de consertar os defeitos da proposta, o relator no Senado, Marcos Rogério (DEM-RO), contribuiu para agravá-los, elevando para 8 GW o compromisso com a construção das termelétricas. Fracassou, na votação de ontem, a emenda do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) que tentava resgatar um mínimo de bom senso no essencial.

O texto aprovado cria, além das distorções no mercado, uma série de desincentivos ao investidor. Obriga a permanência por dez anos das sedes de subsidiárias da Eletrobras nas cidades onde estão instaladas. Dá aos funcionários um ano de estabilidade, para que sejam transferidos a outras estatais. Contempla todo tipo de interesse paroquial — da isenção de aval dos órgãos ambientais ao linhão entre Manaus e Boa Vista à prosaica indenização de R$ 260 milhões ao Piauí. Por fim, submete ao absurdo aval do Senado a indicação da diretoria do Operador Nacional do Sistema (ONS), organismo de direito privado e missão técnica.

Tamanho grau de intervenção só contribui para a insegurança jurídica. A Câmara tem até terça-feira para rever as inclusões do Senado. Em seguida, o presidente Jair Bolsonaro tem a obrigação, se quiser uma privatização bem-sucedida, de vetar o que afugenta investidores. Para o governo, melhor que fazer a privatização por meio de MP, teria sido simplesmente aproveitar o projeto que já tramitava no Congresso.

BC acerta ao dar sinais de buscar a meta de inflação em 2022

O Globo

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) tomou uma decisão acertada na quarta-feira ao elevar a taxa básica de juros da economia, a Selic, de 3,5% para 4,25%. Além do aumento, houve uma mudança importante de tom. Na ata da reunião, os diretores do BC apontaram a possibilidade de um novo aumento de 0,75 ponto percentual na próxima reunião, em agosto. Avisaram ainda que, caso necessário, haverá uma elevação “mais tempestiva”. Isso provavelmente significa um salto de 1 ponto ou até antecipação da decisão se a inflação persistir.

Foi uma mudança considerável em relação aos dois encontros anteriores do Copom, quando foi usada a expressão “normalização parcial” da política monetária, interpretada no mercado como estratégia para estimular a economia de modo mais leniente com a alta de preços.

Na ata desta semana, a mensagem foi que o BC pretende retirar o estímulo até o fim de 2021. Traduzindo todos os números e declarações, o Copom promete não jogar a toalha na missão de atingir a meta de inflação em 2022, definida em 3,5%.

Palavras, assim como a alteração da taxa de juros, são cruciais na manutenção da credibilidade da política monetária. Talvez o exemplo mais marcante do poder das declarações tenha sido o italiano Mario Draghi quando comandava o Banco Central Europeu (BCE). Nos dias frenéticos de julho de 2012, com o euro à beira do abismo, Draghi declarou que “faria o que fosse necessário” para salvá-lo. Sua frase acalmou os ânimos do mercado financeiro e reduziu o ataque especulativo que se armava contra a moeda.

O Copom não usou uma expressão tão forte, nem a situação brasileira é minimamente comparável à da Europa dez anos atrás, mas a ideia é a mesma: controlar as expectativas para evitar o pior. Neste ano, é dado como certo que o IPCA, índice de preços ao consumidor, ficará não só acima da meta de 3,75%, como ultrapassará o teto da banda, de 5,25%. A inflação bateu em 8,06% nos últimos 12 meses, e a previsão mais recente dos analistas das principais instituições financeiras coloca o IPCA em 5,82% ao final de 2021.

Existe uma defasagem entre o aumento dos juros e os efeitos na economia. Faltando seis meses para o fim do ano, agora não há muito que se possa fazer. Todos os olhos já estão, portanto, voltados para 2022.

Chegar aos 3,5% previstos para o ano que vem é factível, mas a meta demandará mais atenção do BC. Nesta semana, um novo fator externo apareceu no radar. O Federal Reserve (Fed), o banco central americano, sugeriu que poderá haver duas altas de juros até o fim de 2023. Anteriormente, a previsão era não mexer na taxa até 2024. Uma eventual nova antecipação, desta vez para 2022, possibilidade que não pode ser descartada, complicaria o cenário externo para as autoridades monetárias brasileiras com uma provável alta do dólar e nova pressão na inflação e nos juros.

 

Às pressas

Folha de S. Paulo

Nova Lei de Improbidade gera desconfiança, mas contém avanço e pode ser ajustada

Promulgada em 1992, na esteira dos escândalos que levaram o governo Fernando Collor ao fim, a Lei de Improbidade Administrativa sempre foi uma espécie de atalho no enfrentamento da corrupção.

Ao abrir caminho para ações na área cível contra autoridades que praticassem desvios, ela permitiu que o Ministério Público alcançasse em toda parte políticos que se livravam de punição na esfera penal em instâncias superiores onde tinham direito a foro especial.

A lei ampliou poderes conferidos a promotores e procuradores após a redemocratização do país e contornou limitações da área penal, criando novo mecanismo de controle para afastar do palco mandatários desonestos e fazê-los pagar por danos causados ao erário.

Com o tempo, entretanto, as imperfeições da lei tornaram-se evidentes. Ao definir de forma muito genérica as condutas que poderiam ser objeto de ações, ela acabou servindo para justificar medidas arbitrárias e criou insegurança na administração pública.

Na quarta-feira (16), a Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei que introduz modificações profundas na legislação, redefinindo seu alcance, as punições previstas e limites para o Ministério Público.

A principal mudança restringe as ações de improbidade a casos em que for possível demonstrar que havia intenção clara de lesar os cofres públicos, definindo com maior precisão os atos administrativos que deveriam ser coibidos.

A ideia é evitar que erros corriqueiros sejam tratados com o rigor imposto a casos graves de corrupção e enriquecimento ilícito, mas representantes do Ministério Público viram na mudança uma brecha que poderá ser explorada por políticos inescrupulosos.

Embora o projeto viesse sendo debatido há três anos na Câmara, muitas inovações foram incluídas às pressas, sem maiores discussões, depois que o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), impôs regime de urgência à votação.

Ele mesmo condenado duas vezes com base na lei, em processos que se arrastam na Justiça de Alagoas sem desfecho, Lira conspurcou os esforços feitos para modernizar a lei, criando a impressão de que agia em causa própria.

Punições previstas para algumas infrações foram até agravadas, incluindo, para casos de enriquecimento ilícito e atos que impliquem prejuízo ao erário, a proibição de ocupar cargos por até 14 anos. Mas o projeto da Câmara deixou de fixar penas mínimas, o que pode levar a punições muito brandas.

Caberá agora ao Senado examinar o texto e corrigir equívocos. O essencial é modernizar a lei para que ela ajude a conter desvios sem estimular voluntarismos nem emperrar a administração pública.

Debelar a inflação

Folha de S. Paulo

BC indica mais juros, medida amarga mas necessária para evitar dano social maior

Em decisão esperada, o Banco Central elevou mais uma vez a taxa básica de juros, desta vez de 3,5% para 4,25% ao ano. A medida decorre de pressões inflacionárias persistentes, iniciadas no atacado, com o choque cambial do ano passado, e que agora chegam com força aos índices de preços ao consumidor.

A novidade do comunicado do Comitê de Política Monetária foi o abandono da premissa que se vinha adotando desde a primeira elevação dos juros em março —a de que seria necessário apenas um ajuste parcial, não uma remoção completa dos estímulos.

Na prática, isso significa que o BC espera subir a Selic até pelo menos o chamado nível neutro, aquele que deixa de estimular o crescimento do Produto Interno Bruto. Esse patamar não é observável diretamente, mas as estimativas mais comuns sugerem algo próximo a 6,5% ao ano.

O tom geral do comunicado é de mais confiança na retomada da economia, de um lado, mas de maior preocupação com a inflação, de outro. O repasse dos preços de matérias-primas para bens industriais tem se mostrado forte, e surgem no horizonte novas pressões.

Uma delas é a perspectiva de alta adicional da tarifa de energia, em razão do agravamento da crise hídrica. No segundo semestre, além disso, a provável reabertura de atividades com o avanço da vacinação pode abrir espaço para uma recomposição dos preços dos serviços, hoje defasados.

Tudo somado, as projeções para o IPCA neste ano já se situam em torno de 6%, muito acima da meta oficial de 3,75%.

O quadro é delicado também por causa dos riscos de inflação na economia internacional, embora em escala menor que no Brasil. Não por acaso, o banco central americano indicou na quarta-feira (16) que pretende subir os juros mais cedo do que o esperado até então.

O aperto monetário no Brasil é amargo, mas necessário no contexto de hoje para evitar danos maiores —que afetam sobretudo o poder de compra da população mais pobre. Um efeito visível das ações do BC já se mostra na cotação do real, que tem se recuperado, algo importante hoje para afastar o risco de novos choques de custos.

Qualquer perspectiva mais positiva, contudo, depende de continuidade da retomada com o avanço da vacinação, que é provável a despeito do negacionismo do Planalto, e de maior confiança na gestão das contas públicas.

BC amplia dose, e talvez ritmo, do aperto monetário

Valor Econômico

Aperto monetário piora a situação do desemprego, que já é crítica

O Banco Central aumentará a dose dos juros para enfrentar uma inflação que já ultrapassou o limite de tolerância em 2021 e começa a fugir da meta para o ano que vem, ao mesmo tempo que deixou em aberto a possibilidade de acelerar o ritmo da alta, se uma “atuação mais tempestiva” se revelar necessária no futuro. O Comitê de Política Monetária elevou a taxa Selic a 4,25%, prometeu outra alta de 0,75 ponto percentual para a próxima reunião, sem descartar que o ajuste possa ser maior.

Os fatores que pressionam a inflação se alinharam de uma forma em que tornou-se inadequada a manutenção da “normalização parcial” dos juros, deixando algum espaço para continuidade do estímulo monetário. Os riscos existentes para uma elevação da inflação se mantiveram e novos surgiram, como a “deterioração do cenário hídrico”, que resultará em pressão adicional sobre as tarifas de energia.

Uma comparação entre os comunicados da recente reunião e a anterior explicita diferenças relevantes da análise do balanço de riscos. Esmaeceu a confiança no diagnóstico de que “os choques atuais são temporários”. A frase saiu do comunicado para aparecer, mais discreta, no momento em que o Copom justifica a necessidade de elevação mais forte dos juros para “mitigar os atuais choques temporários” sobre a inflação.

Por outro lado, dissipou-se a “incerteza acima do usual” sobre o ritmo de crescimento da economia. Em seu lugar, entram revisões relevantes (para cima) nas projeções de crescimento e redução significativa dos riscos para a recuperação.

No cenário básico para a inflação, o Copom não mais avalia que o processo de recuperação da economia poderá ser mais lento. Na verdade, a possibilidade de redução da inflação repousa solitariamente na reversão da alta do ciclo das commodities, auxiliada pela apreciação recente e de continuidade não assegurada do real ante o dólar. O risco fiscal, “apesar da melhora recente nos indicadores de sustentabilidade da dívida pública” continua provocando “assimetria altista” no balanço de riscos, podendo elevar a inflação acima dos níveis projetados no horizonte relevante da política monetária, que começa a adentrar 2023.

Por outro lado, avolumaram-se os riscos de que a inflação fuja da meta de 2022. Alguns deles preocupam outros bancos centrais, como o Fed. Há problemas para a normalização da oferta, desnivelada pela pandemia, que desorganizou as cadeias de produção globais. No caso brasileiro, há o agravante de que, pelas desconfianças sobre a sustentabilidade fiscal, houve um duplo choque de forte valorização das commodities e megadesvalorização cambial. A alta dos alimentos deixou de ser uma preocupação para o Copom que indica que “a persistência da pressão inflacionária revela-se maior que o esperado, sobretudo entre os bens industriais”.

O BC e os analistas tinham dúvidas sobre a sustentação da demanda após o fim do auxílio emergencial no primeiro trimestre. A recuperação foi melhor que a esperada nesse período, assim como ocorreu com a redução do nível de atividades em consequência da segunda onda da pandemia no início do atual trimestre. E, se a regularização da oferta pode trazer algum alívio aos preços, a recuperação dos serviços, com a aceleração da imunização contra a covid-19, promete elevar os preços do setor.

O resultado desse conjunto é que o sinal de riscos crescentes inflacionários foi dado de forma inequívoca pelo fato de as “medidas de inflação subjacente apresentam-se acima do intervalo compatível com o cumprimento da meta para a inflação”. A “normalização parcial” teve que sair de cena e o BC entrou em modo de alerta ao admitir que “uma deterioração das expectativas de inflação para o horizonte relevante pode exigir uma redução mais tempestiva dos estímulos monetários”, ou seja, alta maior que 0,75 ponto, por si uma cadência rápida ante os ajustes do passado recente da taxa Selic.

Em tese, a tarefa mais fácil é a de elevar os juros - os exageros para cima são muito mais comuns do que os para baixo. No entanto, há limites para seus efeitos. Com uma inflação com forte componente de custos - e nenhuma pressão dos salários - juros mais altos tem pouco efeito sobre eles, mas efeitos certos sobre o nível da atividade. Aperto monetário piora a situação do desemprego, que já é crítica e indicava uma recuperação muito lenta. A dosagem é essencial para evitar abortar uma trajetória de crescimento futura que não é brilhante e impedir o aumento da oferta de empregos, um dos objetivos secundários do BC, agora independente.

 

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