sexta-feira, 2 de julho de 2021

Armando Castelar Pinheiro* - Commodities, câmbio e inflação

Valor Econômico

Fortalecimento do real só não ocorrerá se o risco político, agora mais que o fiscal, seguir aumentando

O Relatório Trimestral de Inflação que o Banco Central (BC) divulgou semana passada traz um exercício para ver quão sensível é a inflação projetada para 2021 e 2022 à evolução dos preços das commodities, em US$, e da taxa de câmbio. A motivação para isso, observa o BC, é a forte influência que essas duas variáveis exerceram sobre a inflação acumulada no último ano.

A forte alta nos preços em US$ das commodities é, sem dúvida, um tema central da discussão econômica este ano. Diferente de variáveis como o nível de atividade, índices de ações e a taxa de juros, que em geral tiveram uma trajetória em “V”, o preço das commodities explodiu no pós pandemia, muito mais do que recuperando a queda observada no auge da crise sanitária.

O índice de commodities calculado pelo FMI, por exemplo, caiu 23,9% entre dezembro de 2019 e maio de 2020, subindo 70,1% nos 12 meses seguintes. Excluindo o ouro, as variações foram ainda mais notáveis: - 28,4% e +81,3%, respectivamente. A abertura do índice em seus componentes também é digna de nota: o preço de alimentos caiu 7,2% e depois teve alta de 41,7%; o de metais, exceto ouro, -7,0% e +85,0%; o de combustíveis, -49,4% e +132,0%, respectivamente.

Repetindo o padrão histórico, essas variações nos preços das commodities foram consistentes, mas bem mais fortes que as observadas no valor do dólar frente às demais moedas. Em geral, quando a moeda americana se desvaloriza, as commodities sobem de preço, e vice versa. Isso ocorre pois, sendo esses preços fixados em dólar, eles sobem quando o dólar cai. Além disso, a desvalorização do dólar estimula as economias emergentes, permitindo uma política monetária mais frouxa, entre outros canais, o que estimula a demanda global por esses produtos.

Esse foi o caso, por exemplo, do “super-ciclo” de commodities da primeira década do século. Entre 2002 e 2011, o índice do FMI subiu 230%, em dólares. Nesse mesmo período, o dólar se desvalorizou 30% frente a uma cesta de moedas dos principais parceiros comerciais do país e o PIB das economias emergentes cresceu, em média, 6,7% ao ano (a.a.), contra 4,0% a.a. na média dos oito anos anteriores. Já nos cinco anos seguintes, o índice do FMI caiu 45%, o dólar se valorizou 22% e o crescimento do PIB do emergentes desacelerou para 4,8% a.a.

Exportadores de commodities, como o Brasil, são ainda mais impactados por essas variações de preços e taxas de câmbio. A alta das commodities estimula o crescimento, atrai o capital estrangeiro e expande o saldo comercial, reforçando a tendência à valorização do câmbio. Basta ver que, no período de alta das commodities (2003-11), o real valorizou 47%, já descontada a inflação, frente à cesta de moedas de nossos parceiros comerciais, enquanto no quinquênio seguinte desvalorizou 30%, também descontando a inflação. O PIB brasileiro, por sua vez, cresceu 4,6% a.a. no primeiro período, caindo 0,3% a.a. no segundo.

Tomando o ciclo da pandemia, vemos que o dólar se valorizou 5,7% entre dezembro de 2019 e maio de 2020 e, nos 12 meses seguintes, se desvalorizou 10,8%, sempre em relação à cesta de moedas. Tomando o ciclo como um todo, portanto, uma “pequena” desvalorização total de 4,0%, contra uma alta de 29,5% no preço das commodities. A dinâmica frente ao real, porém, foi completamente diferente, com o dólar, de fato, se fortalecendo frente ao real, e muito: alta de 27,2% nos cinco primeiros meses de 2020, seguida de uma queda de 6,9% nos 12 meses seguintes.

Ao todo, portanto, um ganho de 22,3% do dólar frente ao real nesse período. O que explica porque o Índice em reais do preço de commodities calculado pelo BC subiu 63% de dezembro de 2019 a maio de 2020.

O exercício do BC considera cenários em que o preço das commodities e/ou a taxa de câmbio R$/US$ retornam ao patamar do final de 2019, corrigindo apenas para a inflação americana e a brasileira desde então. O BC obtém que o retorno das commodities ao nível de preços de então reduziria a inflação acumulada no segundo semestre de 2021 e no ano de 2022 em 0,9 ponto percentual (pp), enquanto a volta do câmbio subtrairia 1,4 pp. A combinação dos dois efeitos levaria a uma inflação acumulada nesses 18 meses 2,3 pp mais baixa.

Quão prováveis são esses cenários? Dos três, apenas aquele em que o câmbio recua parece verossímil. Uma queda nas commodities parece improvável, dado que estas devem ver uma alta adicional de demanda neste semestre, conforme a atividade econômica acelere para além dos Estados Unidos, fruto da vacinação. Junto com o menor receio com a inflação americana, isso deve enfraquecer o dólar e manter as commodities em alto patamar. Também ajudam, nesse sentido, os estoques baixos, os limites à rápida expansão da produção e condições climáticas adversas, no caso das commodities agrícolas.

Já o fortalecimento do real parece provável, conforme o BC siga elevando a Selic, possivelmente para além da taxa neutra, e o risco país, que já devolveu quase toda a alta pós-pandemia, permaneça contido. Isso só não ocorrerá se o risco político, agora mais que o fiscal, seguir aumentando.

*Armando Castelar Pinheiro é professor da FGV Direito Rio e do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador-associado do FGV Ibre

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