sexta-feira, 2 de julho de 2021

Vinicius Torres Freire - Bolsonaro faz mais inimigos

Folha de S. Paulo

Projeções para economia e vacinação melhoram ainda mais, mas governo cria mais crise

Os relatórios econômicos são cada vez mais otimistas com o futuro do PIB, do déficit do governo, do tamanho da dívida e até com a inflação de 2022 (vide mais a respeito adiante). O governo de Jair Bolsonaro, por ora, não apenas continua afundado em tumulto como faz novos inimigos.

A praça financeira está fula com a mudança do Imposto de Renda, azeda o mercado e agora ataca abertamente a alta de tributação. Bolsonaro, filhos e suas falanges tiveram de engolir mais uma azeitona podre nesse empadão de crises, o novo inquérito do Supremo sobre a organização criminosa digital golpista (que substitui o dos comícios golpistas). O caso da vacina com propina piora.

A reforma tributária que tira dos ricos para dar à parcela mais pobre dos remediados causa cada vez mais urticária (os poucos beneficiados ainda estão entre o quarto mais rico do país). Bolsonaro corre o risco de fazer mais inimigos na praça financeira e entre acionistas de grandes empresas, profissionais liberais ou assemelhados bem pagos, que reclamam não apenas de pagar mais impostos mas do que julgam ser um aumento da carga tributária geral. Para 80% da população, essa reforma é indiferente.

Do outro lado da meia-noite, mais um grande banco apresentou novas projeções otimistas para a economia. O Bradesco elevou sua estimativa de crescimento do PIB para este ano de 4,8% para 5,2%, espera que o desemprego fique abaixo de 13% no fim do ano e que a dívida pública bruta em relação ao PIB acabe 2021 em 82,1% (isto é, em queda).

O déficit primário vai ser menor, dizem. Assim, abre-se a perspectiva de que um equilíbrio nas contas públicas possa ocorrer em 2024 (descontado o pagamento de juros; desde que mantido o teto etc.). A Selic não passaria de 6,5% neste 2021 e aí ficaria até o fim de 2022, com inflação na meta no ano que vem.

O Itaú está um tico mais otimista, em geral, estimando crescimento do PIB de 5,5% neste 2021, por exemplo. Os dois bancões estão ora mais otimistas do que a mediana do mercado.

Os motivos de crença na despiora são os sabidos. A atividade econômica conseguiu contornar as restrições da epidemia de modo mais eficiente do que o esperado. As commodities estão com preço alto, embora a disparada não deva continuar, o que alivia um tanto o peso a inflação, que também deve ser menos pressionada com o dólar mais barato.

O avanço ora mais rápido da vacinação deve permitir recuperação maior do setor de serviços, a indústria ainda tem estoque para repor, as maiores economias do mundo crescem de modo veloz. Pessoas físicas demandam crédito, a inadimplência está sob controle.

Esse cenário parece muito em termos econômicos (e a curto prazo), embora não se saiba o que daí possa sair de positivo em termos sociais e políticos.

Para os 50% mais pobres, em particular, o problema é inflação da comida e falta de trabalho. Pode haver despiora aí também, até o fim do ano, mas a revolta é grande, note-se a votação de Lula da Silva (PT). Com alguma sobra na receita do ano que vem, pode haver um dinheiro extra para Bolsa Família ou programa similar, uma grande esperança do pessoal do Planalto, que está bem assustado com o sururu.

A mesma inflação que engorda a arrecadação do governo e aumenta mais o PIB (nominal) do que a dívida, mas PIB ou dívida como proporção do PIB são abstrações para o povo. De mais concreto, há os escândalos das vacinas com propina, pouco ou nenhum dinheiro no bolso dos pobres e ameaça simultânea de tirar dos ricos, até agora os grandes amigos de Bolsonaro.

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