EDITORIAIS
Saúde loteada
Folha de S. Paulo
Suspeitas escancaram repartição da pasta
entre militares e interesses políticos
Qualquer que seja o desfecho da apuração
sobre as cada vez mais intrincadas suspeitas de corrupção na compra de vacinas,
resta comprovado que o Ministério da Saúde esteve —e está— loteado da pior
maneira possível.
Em plena crise sanitária global, áreas
técnicas essenciais da pasta se encontravam nas mãos de militares despreparados
ou cercadas por interesses políticos questionáveis, se é que as deficiências de
qualificação e credibilidade não se misturam entre os grupos.
Acusado de cobrar propina para uma compra
do imunizante AstraZeneca, Roberto Ferreira Dias foi exonerado do posto de
diretor do Departamento de Logística logo após
a revelação do caso pela Folha. A conduta do funcionário, como se
demonstrou, já era objeto de questionamento na Esplanada.
Ferreira Dias estava no ministério desde o
início do governo, por indicação partidária —o ex-ministro Luiz Henrique
Mandetta (DEM), diz que o ex-auxiliar apresentava excelente currículo.
Ele chegou a ser indicado para a diretoria
da Anvisa em outubro de 2020, mas o Planalto voltou atrás depois de reportagem
do jornal O Estado de S. Paulo sobre um contrato duvidoso que assinara.
Noticia-se agora, a partir de informações
extraoficiais, que outro ex-ministro, o general Eduardo Pazuello, tentou
demitir o servidor —o então presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP),
porém, teria atuado contra a medida.
A Saúde detém um dos maiores orçamentos do Executivo. Com a pandemia, teve gastos empenhados de R$ 175 bilhões em 2020. Ainda que grande parte do montante seja composta por repasses a estados e municípios, há dinheiro mais do que suficiente para atrair cobiças pouco ou nada republicanas.
O entra e sai de ministros e o
aparelhamento militar da pasta decerto não contribuíram para uma gestão mais
eficiente dos recursos. Quanto à probidade, a resposta do governo às suspeitas
e acusações tem sido esparsa e atabalhoada.
Diz-se, por exemplo, que não foram
encontradas irregularidades na compra da Covaxin, mas anuncia-se a suspensão do
contrato.
Não se ignora que casos de loteamento e
desmandos no setor vêm de longa data. Tampouco se imagina que um governo possa
abrir mão de distribuir cargos a aliados —somente populistas como Jair
Bolsonaro, aliás, bravateiam que prescindirão da barganha política.
O fisiologismo mais deletério, entretanto,
se dá quando são frágeis os laços programáticos da coalizão e quando não há
diretrizes claras para a gestão de áreas essenciais. Que isso tenha ocorrido na
Saúde, durante a maior emergência sanitária em um século, dá a dimensão da
tragédia produzida no Brasil.
Paradoxo centenário
Folha de S. Paulo
É de questionar se o Partido Comunista
Chinês acomodará repressão e prosperidade
O Partido Comunista Chinês chegou a seu
primeiro centenário nesta quinta-feira (1º) vivendo um paradoxal
zênite de seu poder.
A exemplo dos socialistas bolcheviques
soviéticos que inspiraram sua fundação, a sigla deixou as franjas de um país
empobrecido e fragmentado e tornou sinônimos Estado e partido.
Se a debacle da União Soviética ao longo
dos anos 1980 assombra a elite política chinesa, é inescapável notar as
diferenças entre os dois colossos autoritários.
Apesar de a China atual ter nascido da
guerra em 1949 e de ter uma conta razoável de conflitos desde então, não foi a
“manu militari” que definiu seu lugar no mundo.
A via de sua ascensão ao posto de segunda
maior economia foi aberta pela potência dominante que desafia, os Estados
Unidos. A aproximação entre os dois países, cada qual com seu interesse,
permitiu a inserção global da formidável capacidade produtiva e do mercado
consumidor chinês.
Foi criado um híbrido na forma de governo
socialista promovendo capitalismo selvagem de Estado.
Ao mesmo tempo, após o desastre político do massacre da Praça da Paz Celestial,
em 1989, o partido tentou se atualizar.
Está imiscuído na própria estrutura
econômica, mas buscou liberar energias criativas e atender a demandas da classe
média que a prosperidade relativa criou.
A ascensão de Xi Jinping em 2012 desaguou
na maior concentração de poder desde os tempos de Mao Tsé-Tung e Deng Xiaoping.
O partido, indistinguível do Estado e, cada
vez mais, de Xi, emprega meios sofisticados de controle social via tecnologia,
testados à exaustão no controle da pandemia da Covid-19 surgida sob sua guarda.
E garras foram mostradas, como prova o
assertivo discurso de celebração da data feito por Xi. O dissenso
em Hong Kong foi dissolvido à força. Taiwan vê com temor seu futuro, assim
como muçulmanos uigures avaliam seu presente.
Até aqui, o PC foi bem-sucedido em acomodar
repressão e prosperidade. Mas a aposta de que a sociedade aceitará
infinitamente o arranjo, clara na defesa da eternização do partido por Xi, é
arriscada, por ignorar a natureza do mesmo impulso que gerou a fortuna.
É um processo contraditório, temperado pela exótica combinação de marxismo com confucionismo. A luta pela alma chinesa, a julgar a história multimilenar do país, parece estar só no começo.
O impeachment e o compadrio
O Estado de S. Paulo
É no mínimo estranha a certeza de Arthur
Lira de que ainda faltaria materialidade aos 23 crimes relatados de Jair
Bolsonaro.
Qualquer cidadão pode denunciar à Câmara
dos Deputados o presidente da República por crime de responsabilidade,
competindo ao presidente da Casa verificar se a denúncia preenche os requisitos
legais. “Do despacho do presidente que indeferir o recebimento da denúncia
caberá recurso ao plenário”, dispõe o Regimento Interno da Câmara, evidenciando
quem deve ter a última palavra sobre o tema.
Apresentada a denúncia por crime de
responsabilidade, o presidente da Câmara dos Deputados deve no mínimo
inteirar-se de seu conteúdo e analisá-lo sem precipitações. Na quarta-feira
passada, no entanto, o deputado Arthur Lira (PP-AL) fez questão de mostrar que
tem modos próprios de proceder, mais afeitos aos interesses do Palácio do
Planalto do que em conformidade com o Regimento Interno.
Horas depois de ter sido protocolado o
125.º pedido de impeachment do presidente Jair Bolsonaro – um documento de 271
páginas, no qual 46 pessoas e instituições acusam o chefe do Executivo federal
da prática de 23 crimes –, o presidente da Câmara descartou qualquer
possibilidade de receber a denúncia, alegando que precisaria esperar o final da
CPI da Pandemia.
“Então, ao final dela (da CPI) a gente se
posiciona aqui, porque, na realidade, impeachment, como ação política, a gente
não faz com discurso, a gente faz com materialidade”, disse Arthur Lira. É no
mínimo estranha essa certeza do presidente da Câmara de que ainda faltaria materialidade
aos 23 crimes relatados, sem sequer ter analisado minimamente a nova denúncia
contra Jair Bolsonaro.
Resultado de uma mobilização ampla, que
reuniu movimentos e partidos de esquerda, siglas de centro, centro-direita e
ex-bolsonaristas, o documento protocolado no dia 30 de junho elenca ações
graves, que exigem apuração. Entre elas: atentar contra o livre exercício dos
Poderes, ao participar de ato com ameaças ao Congresso e ao Supremo Tribunal
Federal (STF); usar autoridades sob sua subordinação para praticar abuso de
poder no episódio de troca do comando militar e interferir na Polícia Federal;
incitar militares à desobediência à lei ou infração à disciplina; provocar
animosidade nas classes armadas, ao incentivar motim dos policiais militares em
Salvador; e as várias omissões e erros no combate à pandemia.
Longe de diminuir o peso político e a
gravidade das acusações, a pressa de Arthur Lira em desqualificar o pedido de
impeachment mostrou que o governo Bolsonaro e seus aliados estão preocupados
com o tema. Não há como tapar o sol com peneira. Voltou-se a falar abertamente
da real possibilidade de um processo de impeachment contra Jair Bolsonaro.
“As últimas denúncias de corrupção na
compra de vacina trazem mais força ainda ao pedido”, disse o líder da oposição
na Câmara, deputado Alessandro Molon (PSBRJ). Não é para menos. Ao longo de
mais de dois anos, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que tinha sido eliminada
a corrupção de toda a administração federal.
Bastou, no entanto, o Senado instaurar a
CPI sobre a atuação do governo federal na pandemia, para que surgissem
denúncias de mau uso do dinheiro público envolvendo compra de vacinas –
precisamente o item mais necessário para a retomada do crescimento econômico e
do emprego. No dia 1.º de julho, em depoimento na CPI da Pandemia, Luiz Paulo
Dominghetti confirmou que integrantes do governo Bolsonaro pediram-lhe propina
de US$ 1 por dose de vacina, numa negociação de 400 milhões de doses.
Além disso, há a notícia-crime no Supremo
Tribunal Federal na qual três senadores pedem abertura de inquérito para
investigar o presidente da República por crime de prevaricação. Segundo o
deputado Luis Miranda (DEM-DF), Jair Bolsonaro não teria tomado providências
depois de ser informado, em março, sobre esquema de corrupção na compra da
vacina Covaxin.
Todos esses fatos devem ser investigados
pelas instâncias competentes. Não se conhece suspeita de corrupção que tenha
sido bem resolvida com compadrios. O caminho é a lei, não a bravata de
simplesmente negar os fatos.
Salários e disparidade de gênero
O Estado de S. Paulo
Fim à discriminação salarial entre homens e mulheres continua causando polêmica
Tendo voltado à Câmara por causa de
alterações feitas pelo Senado, o projeto de lei que prevê multas para as
empresas que pagam salários diferentes para homens e mulheres que exercem a
mesma função vem causando discussões nos meios sindicais, empresariais e
jurídicos. O projeto foi apresentado na Câmara em 2009 e enviado ao Senado em
2011, onde tramitou por dez anos. Sua aprovação só foi possível porque as
senadoras se mobilizaram para colocá-lo na pauta.
O motivo da polêmica é o aumento das
sanções pecuniárias a serem aplicadas às empresas que continuarem discriminando
trabalhadoras. Pelo projeto, as empresas terão de pagar multas que podem chegar
a cinco vezes o valor da diferença salarial em relação aos trabalhadores.
Depois de aprovado pelo Senado, o projeto chegou a ser enviado para sanção do
presidente da República, mas o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira
(PP-AL), solicitou que fosse apreciado novamente pelos deputados, sob a
justificativa de que as alterações feitas no texto pelos senadores não foram de
redação, mas de mérito.
Por isso, enquanto entidades feministas
pressionavam para que o projeto fosse reapreciado pela Câmara em regime de
urgência, associações empresariais continuavam reclamando do valor das multas e
pedindo o veto do presidente da República, quando o projeto for novamente
submetido à sua apreciação. Por seu lado, numa de suas lives semanais,
Bolsonaro já afirmou que qualquer que for sua decisão ela terá um ônus
político. Segundo ele, se vetar as multas, será “massacrado por uma campanha de
mulheres”; se mantiver as multas, será acusado pelos empresários de
“quebrá-los”. A polêmica é tão acirrada que até a presidente do Tribunal
Superior do Trabalho (TST), ministra Maria Cristina Peduzzi, interveio no
debate.
Em vez de se limitar a discutir as
implicações jurídicas do projeto, ela afirmou, em entrevista ao Estado, que as
multas previstas são muito altas, podendo prejudicar as empresas, por um lado,
e gerar, por outro, insegurança nas relações entre empregadores e empregados e
empregadas. Segundo a presidente do TST, o motivo de seu temor é a crise
econômica decorrente da pandemia, que acarretou dificuldades financeiras para
as empresas, deixando-as com problemas de caixa.
“Grande parte dos empregadores, não só
pequenos e médios, mas também grandes, muitas vezes não tem receita para pagar
despesas de fluxo corrente. É o momento de impor mais punição aos empregadores
em geral? Minha opinião é de que uma multa tão pesada, de até cinco vezes o
valor da diferença entre o salário de homem e mulher na mesma função, num
momento de crise pode gerar mais discriminação para a mulher. Excesso de
proteção pode gerar desproteção”, disse a ministra Peduzzi.
Embora tenha reconhecido que o problema da
discriminação salarial contra as mulheres seja antigo, ela afirmou que, em vez
de estabelecer severas sanções pecuniárias, os deputados e senadores deveriam
ter proposto medidas educativas para combater a desigualdade salarial entre
homens e mulheres que executam o mesmo trabalho. Também disse que os
parlamentares poderiam ter previsto estímulos tributários para incentivar “que
não se descumpra a lei”. Lembrou ainda que, “quando se trata de redução de
postos de trabalho, no período da pandemia as mulheres perdem mais emprego do
que os homens”. Por fim, reconheceu que o melhor teria sido discutir o projeto
de isonomia salarial entre homens e mulheres após o fim da pandemia.
Infelizmente, essa é a triste sina entre nós das inovações legais concebidas para corrigir desigualdades sociais. Invariavelmente, os projetos com esse objetivo demoram anos para ser votados. E, quando são aprovados, erguem-se diversos obstáculos para que entrem em vigor e a implementação das inovações acaba adiada para “dias melhores”. Não é por acaso que o Brasil ocupa o 130.º lugar num ranking de 153 nações do Fórum Econômico Mundial que, em 2019, analisou a discriminação salarial contra mulheres.
Um TCU perplexo
O Estado de S. Paulo
Com 28 ressalvas, Corte de Contas aprovou as contas do governo Bolsonaro em 2020
Corte aprovou contas de 2020 do governo de
Jair Bolsonaro com 28 ressalvas.
Por unanimidade, o Tribunal de Contas da
União (TCU) aprovou as contas do governo de Jair Bolsonaro relativas ao
exercício de 2020. A rigor, as contas deveriam ter sido reprovadas. Há
evidências de que o presidente da República e alguns de seus auxiliares diretos
fizeram mau uso de recursos do Orçamento da União para, artificialmente,
construir uma base de apoio no Congresso com o objetivo de garantir a Bolsonaro
alguma sustentação política. O cambalacho, revelado pelo Estado no início de
maio, ficou conhecido como “orçamento secreto”.
Assenhoreando-se de R$ 3 bilhões do
Orçamento da União, o Palácio do Planalto elaborou uma espécie de “orçamento”
particular e distribuiu o butim a algumas dezenas de deputados e senadores para
que estes financiassem projetos de seu interesse, sem equidade entre
parlamentares da base ou da oposição ou “procedimentos sistematizados para o
monitoramento e avaliação dos critérios de distribuição”, como concluíram os
auditores do TCU. A distribuição de vultosos recursos públicos aos “amigos do
rei” chegou a ser negociada até por mensagens de WhatsApp, fora de qualquer
controle republicano.
Em que pese o fato de as contas terem sido
aprovadas, o julgamento do TCU representou uma grande derrota política para o
governo. Isto porque a Bolsonaro interessava negar a existência do tal
“orçamento secreto”, e a Corte de Contas não apenas reconheceu a prática –
classificada como inconstitucional por seus auditores –, como se mostrou
“perplexa” diante das evidências. “A inovação legislativa (distribuição
orientada dos recursos por meio das emendas do relator-geral do Orçamento,
RP-9) trouxe perplexidade e dificuldades em sua operação”, disse em seu voto o
ministro relator, Walton Alencar.
Nos últimos dias, o governo vinha atuando
fortemente para que não só suas contas fossem aprovadas pelo TCU, como também
para que nenhuma ressalva fosse feita pela Corte de Contas, o que, na visão
palaciana, sepultaria a “narrativa” sobre a existência do “orçamento secreto”.
Não foi por acaso, aliás, que Bolsonaro despachou os ministros Luiz Eduardo
Ramos, da Casa Civil, Paulo Guedes, da Economia, Wagner do Rosário, da
Controladoria-Geral da União (CGU), e André Mendonça, da Advocacia-Geral da
União (AGU), para acompanhar presencialmente o julgamento, no dia 30 passado.
Uma inequívoca forma de pressão sobre os ministros do TCU.
O esforço foi em vão. O TCU deixou claro
que o “orçamento secreto” ainda será objeto de futuros julgamentos. Ainda
tramitam na Corte de Contas nada menos do que seis processos que tratam das
irregularidades na distribuição das emendas RP-9. A própria “perplexidade” do
ministro relator, expressa em seu voto, indica que o assunto segue muito vivo.
“Diferentemente do que ocorre com as emendas individuais, que dispõem sobre
procedimentos padronizados, verificou-se não haver uniformização de
procedimentos para distribuição de recursos advindos das emendas RP-9”, disse
Walton Alencar.
Em seu relatório, acolhido por todos os pares,
o ministro Alencar fez 28 ressalvas às contas do governo Bolsonaro. O relator
salientou que 2020 foi “um ano excepcional” para a execução do Orçamento da
União em decorrência dos desafios administrativos impostos pela pandemia de
covid-19, mas não deixou de apontar 2 “irregularidades”, 3 “impropriedades” e
23 “distorções”, que, embora em sua visão não comprometam a aprovação das
contas relativas ao exercício passado pelo Congresso, não deixarão de passar
pelo crivo do TCU nos próximos julgamentos. A impressão que ficou é que a Corte
de Contas precisará de mais tempo para analisar todas as implicações do chamado
“orçamento secreto”. A revelação do escândalo pelo Estado ocorreu apenas dois
meses antes do julgamento das contas do governo neste ano.
O TCU é um órgão auxiliar do Legislativo, ao qual, por imperativo constitucional, cabe aprovar ou rejeitar as contas do Executivo. Dentro de dias, portanto, o Congresso também terá oportunidade de mostrar sua “perplexidade” diante do “orçamento secreto” de que parte de seus membros se beneficiou.
Tentações eleitorais podem reverter o
alívio fiscal
Valor Econômico
As expectativas sobre o desempenho fiscal
podem piorar e ressuscitar os piores temores, como no passado recente
A recuperação mais firme da economia, acima
das previsões do início do ano, foi um dos principais motivos para a redução da
dívida bruta do governo geral em relação ao PIB, para 84,5% em maio. Segundo o
Banco Central, o fator que mais contribuiu para a queda de 4,4 pontos
percentuais dessa relação no ano foi o crescimento, com 5,4 pontos percentuais.
O Tesouro registrou no ano até maio uma expansão generalizada das receitas
(24,7%), enquanto que, especialmente pela redução dos gastos com a pandemia, as
despesas caíram 17,3% em termos reais. Nos cinco primeiros meses do ano há
superávit primário de R$ 19,9 bilhões.
As estimativas para o desempenho da
economia eram pessimistas no início do ano, enquanto que as referentes à
solvência fiscal eram quase catastróficas. A resolução tardia do imbróglio
orçamentário em março, com avarias consideradas leves no teto de gastos, o
aumento da inflação, que elevou a arrecadação e o deflator do PIB, e a expansão
econômica inverteram os humores. No primeiro trimestre, estimou-se que a dívida
pública chegaria perto dos 100% do PIB ao fim do ano, hoje ela está 15 pontos
percentuais abaixo disso, pelos resultados divulgados pelo Tesouro e o BC.
O otimismo parece tomar conta de setores do
governo e do Legislativo, por motivos não exatamente comemoráveis. A inflação
em 12 meses até junho, que limita a correção dos gastos submetidos ao teto,
deve atingir 8,5% (foi de 8,06% até maio), enquanto que o INPC, que corrige a
principal despesa obrigatória do orçamento, a da Previdência, (mas não só),
pode ser de um a dois pontos percentuais inferior. A diferença se deve à
acelerada elevação de juros que está sendo promovida pelo Banco Central, que
continuará nos próximos meses. As apostas variam entre folgas de R$ 25 bilhões
a R$ 40 bilhões. A mais sóbria é bancada pelo Tesouro e pelo Ministério da
Economia.
O temor de solvência fiscal pode ter variado
do infinito para perto do zero, mas o desequilíbrio fiscal não foi embora. A
projeção de déficit primário foi reduzida de R$ 286,6 bilhões para R$ 187
bilhões, ou 2,2% do PIB. Será o oitavo ano de déficits fiscais consecutivos, em
uma série que só deve acabar em 2026, de acordo com os números do Prisma
Fiscal. Antes da pandemia, a previsão era que os números do governo geral
voltariam ao azul em 2023, mas os gastos extraordinários elevados com a
pandemia atrasaram em três anos a volta do superávit nas contas primárias.
Além disso, o juro segue em alta e as
expectativas são que a taxa Selic fique acima dos 6% em dezembro. Pela
elasticidade estimada pelo BC, o aumento de 1 ponto percentual na taxa básica
impacta em R$ 31,1 bilhões a dívida bruta, se mantido por 12 meses. Como a meta
de 2022 corre algum risco, a conta dos juros deve somar mais uns R$ 120 bilhões
na dívida. Não só. O aumento de 1 ponto percentual no índice de preços
acrescenta mais R$ 12,2 bilhões nessa conta e o IPCA pode fechar o ano ao redor
de 6%.
2022 será um ano de eleições, com um
governo com perda de popularidade, diante de uma conduta desastrosa durante a
pandemia, e com uma base de apoio político gastadora no Congresso. A
austeridade pode ser a primeira vítima. O presidente Jair Bolsonaro tirou da
cabeça que talvez seja uma boa ideia dar reajuste ao funcionalismo público. O
projeto de tornar mais robusta a rede de proteção social sustentada pelo Bolsa
Família, mudando o nome de um programa associado ao governo Lula, por enquanto
envolve valores modestos, pela dificuldade em realizar cortes em outras
despesas, como exige o teto. Mas nada indica que essa sobriedade permaneça. A
grande maioria dos usuários do programa, no Nordeste, tende a votar por larga
margem em Lula, segundo as pesquisas. Além disso, o governo flerta com reduções
da carga tributária.
Não se deve subestimar a capacidade do
governo Bolsonaro de arruinar as contas públicas após sua sociedade com o
Centrão. Houve algum alívio na situação fiscal. Segundo o economista Bráulio
Borges, do Ibre, o custo da dívida passou a ser inferior ao avanço do PIB
nominal, e ficará por um bom tempo abaixo da média de 2015-2020. Em 2023, um
superávit primário modesto, de 0,5% a 1% do PIB, seria capaz de estabilizar a
dívida bruta.
Como Bolsonaro não conduz o Centrão e ambos
são conduzidos por interesses eleitorais, as expectativas sobre o desempenho
fiscal podem piorar e ressuscitar os piores temores, como no passado recente.
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