Folha de S. Paulo
Políticas públicas e pregações delinquentes
mataram milhares de pessoas
O, por assim dizer, presidente
Jair Bolsonaro voltou a ameaçar o país nesta quinta. Acusou um complô entre
Lula e ministros do STF para fraudar eleições. Ou se aprova o voto impresso, ou
ele anuncia que não vai reconhecer o resultado. E aí prevê “problemas”. O rato
que ruge ameaça com a versão nativa da invasão do Capitólio. Mais um crime de
responsabilidade. Depois foi à missa.
Escrevi na semana passada que tenho
procurado, neste espaço, fugir às questões contingentes. Quando se tenta cobrar
propina até de picareta que não tem vacina a vender, todas as musas
silenciam à espera do próximo absurdo. Relatá-los e comentá-los tem sido nossa
triste e necessária rotina. Tentemos avançar um pouco.
Se não há apelo à razão que possa fazer frutos nos bolsões da extrema direita, falo então àqueles que estão do lado de cá da delinquência, apesar e por causa de suas —ou das nossas— diferenças, que são imensas. Li, dia desses, um juízo torto, oriundo de quem está sinceramente interessado em que surja uma terceira via.
Confesso, diga-se, que minha utopia de
curto prazo é ver
Bolsonaro fora da disputa do segundo turno —ainda que eu não aconselhe
ninguém a apostar a sua grana nisso. Assim, viva a terceira via, mas não
escoltada pelo mau pensamento! E também não a qualquer preço.
Segundo aquele juízo torto, o maior mal que
Bolsonaro fez ao Brasil foi ressuscitar
um Lula elegível e hoje favorito para a disputa presidencial de 2022. Dizer
o quê? Isso não está apenas historicamente errado, uma vez que despreza os
fatos. Há também aí deformações morais e éticas, que precisam ser apontadas.
Mais: além de essa consideração não
contribuir em nada para tornar viável um terceiro nome na disputa, traz um
prejuízo adicional: normaliza uma eventual adesão a Bolsonaro no segundo turno
de forças hoje a ele refratárias porque, então, o petista seria um mal oposto,
mas, de algum modo, proporcional à aberração que aí está.
Deixo virtudes e defeitos de Lula para o
exercício político de petistas e antipetistas. Debatam à vontade. Atribuo-me a
tarefa de lembrar que o ex-presidente não ressuscitou porque nunca morreu.
Quando preso, liderava as pesquisas de
opinião para a eleição de 2018. Foi condenado sem provas —isso, sustentamos eu
e qualquer pessoa que tenha realmente lido a sentença— por um juiz que a mais
alta corte do país considerou incompetente e suspeito.
Mantido na cadeia à revelia do que dispõe o
inciso LVII do artigo 5º da Constituição,indicou
um candidato, Fernando Haddad, que esteve muito longe da humilhação
eleitoral. Chegou a figurar na frente ou em empate técnico com
Bolsonaro em algumas pesquisas. Os fatos, não o Reinaldo Azevedo, desautorizam
a tese da ressurreição.
O governo Bolsonaro não trouxe ninguém à
vida. As políticas públicas e as pregações delinquentes na área de saúde
mataram milhares de pessoas. Ou nos damos conta da enormidade que é estarmos narota
dos 600 mil mortos por Covid-19 ou, então, admitamos que somos também
nós os degradados. Ou bem consideramos inaceitável a sua pregação golpista, ou
nos tornemos servis às suas tentações autocráticas. Eis aí a combinação de dois “males maiores”.
“Ah, Reinaldo, não posso medir a eficiência
de um governo só pelo número de mortos que ele produz ou por seu apreço à
democracia”. Então eu nada tenho a lhe dizer. Perdeu seu tempo. Nem chegue ao
fim do texto. Não quero ficar a seu lado na praia. Não trocaremos impressões
dessa vida besta nem falaremos sobre ser sequestrado por serafins nos botecos
da vida —cito Drummond. Não quero papo com você. “E quem disse que eu quero,
articulista?” Não brigaremos por isso.
“Que intolerância! Tá vendo?” Sou
intolerante com quem comete 33 crimes de responsabilidade em dois anos e meio
de mandato. E tira máscara do rosto de criancinhas. Temos de nos perguntar qual
é o nosso limite. Que barbaridade da ora meus colegas, repórteres diligentes,
informarão na mesma edição
em que sai esta coluna?
Ah, sim: Bolsonaro comungou nesta quinta. O que tem com o “Corpo de Cristo” quem faz da ameaça e da administração da morte o seu modo de fazer política? Qual é o nosso limite?
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