sexta-feira, 2 de julho de 2021

César Felício - A importância da hora H e do dia D

Valor Econômico

Condições para impeachment não estão dadas

Em 12 de junho, dia dos namorados, segundo a criação publicitária do pai do governador João Doria, o presidente da Câmara, Arthur Lira, curtiu nas redes sociais a postagem do cortejo de motocicletas liderado pelo presidente Jair Bolsonaro.

A coincidência pode ser anedótica, mas não há gestos gratuitos na política. Lira foi solidário ao presidente, que disputa com a oposição a narrativa de quem comanda as ruas.

A lei do impeachment dá ao presidente da Câmara poderes despóticos. Cabe a ele, exclusivamente a ele, deliberar sobre a tramitação ou não de pedido de impeachment. Estão na gaveta de Lira, herdada de Rodrigo Maia, 116 pedidos de impeachment, poderiam ser 116 mil, não importa. O presidente da Câmara os engaveta, sem consultar ninguém, sem dar satisfação de nada. É um poder que foi considerado demasiado até mesmo por aquele que o desfrutou com intensidade, como é o caso do ex-deputado Eduardo Cunha, segundo relatou em seu livro de memórias “Tchau Querida”.

As chances do “superpedido de impeachment” apresentado pela oposição ontem prosperar são nulas e seus autores sabem disso. Tratou-se de um movimento político para capitalizar uma questão que, apesar de toda fidelidade de Lira ao Planalto, não está fora do radar de ninguém.

Há apenas um mês Lira mandou uma mensagem não exatamente tranquilizadora para o presidente, em entrevista para a Rádio Bandeirantes, em que fixou quais as condições que tornam viáveis um processo de impeachment: “quando você perde a capacidade política, a capacidade de gestão econômica, cria no Brasil uma condição de desemprego absurda, uma inflação incontrolável, quando a economia vai mal, quando o povo está na rua”. Ou seja, a decisão sobre o impeachment depende de circunstâncias. Seis circunstâncias, de acordo com Lira. Quatro delas ligadas à economia, mas que não se pense que a primeira e a última não são decisivas.

Em outras palavras, a coalizão congressista que sustenta o presidente, representada por Lira, está fechada com Bolsonaro, mas quando se trata de impeachment o jogo é outro.

Turbinar a discussão de impeachment com povo na rua e CPI operando a pleno vapor para encontrar uma espécie de bala de prata, a Fiat Elba que desencadeie a fissão nuclear do processo de afastamento, é uma estratégia que apresenta riscos mesmo para seus defensores.

“A instalação de uma comissão processante em um momento em que o governo ainda dispõe de forças pode beneficiar o investigado”, comenta o cientista político Marco Antônio Teixeira, professor da Fundação Getulio Vargas, de São Paulo.

A analogia perfeita é com o caso de Donald Trump. O ex-presidente americano ganhou força política quando o processo de impeachment que respondeu foi rejeitado pelo Senado. Não fossem dois cataclismas que desabaram sobre seu topete - a pandemia e a revolta popular provocada pelo assassínio de George Floyd - provavelmente teria sido reeleito. A decisão democrata de impulsionar o impeachment de Trump foi um erro, do qual tiveram a sorte de não pagar pelas consequências.

Para Carlos Melo, cientista político professor do Insper, há indícios desfavoráveis a Bolsonaro em quase todas as circunstâncias mencionadas por Lira. Há um pouco de povo na rua, existem histórias mal explicadas no governo que podem configurar crime de responsabilidade, a melhora da economia não é sentida na base da pirâmide, e, sobretudo, começa a crescer a sensação de que as mazelas do governo Bolsonaro estão fortalecendo Lula, sem que nada surja para bloquear o caminho do petista à presidência. O impeachment poderia oferecer uma perspectiva de poder diferente da polarização temida por alguns. Mas ele ressalta: tudo ainda incipiente para o processo alçar voo.

Lula radical

Liderando as pesquisas com margem até para levar no primeiro turno, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva corre o risco de se deixar levar pela autossuficiência. Repercute muito mal no mercado algumas peças de propaganda que os petistas fazem circular nas redes sociais. Foi particularmente deplorada uma peça de 2 minutos e 17 segundos sobre meritocracia, que inicia com a imagem, lado a lado, de Jorge Paulo Lemann, João Doria, Luciano Huck e Donald Trump. A peça faz a apresentação tradicional de Lula como a personagem que se formou “na universidade da vida”. O problema é o fecho. “Meritocracia não é terminar a vida com bilhões em uma conta bancária vendendo colesterol e água com açúcar pelo mundo”, diz o locutor. E então aparece a mensagem. “Além de ganhar dinheiro, o que os muito ricos fizeram pelo país hoje?”

Lemann, dono entre outras coisas da rede Burger King, é alvo neste momento de uma intensa campanha contrária nas redes sociais movida pelos círculos bolsonaristas, de modo que o ataque petista neste momento surpreende e deixa o setor empresarial ainda mais precavido contra o presidente.

Soma-se a esse um outro clip, feito da edição de uma entrevista de Lula ao grupo Tribuna, do Rio Grande do Norte, em que o petista diz claramente que pretende revogar o teto de gastos. Reforça no mercado a preocupação com o compromisso fiscal de Lula.

Para um dos observadores mais serenos de Lula com interlocução no meio empresarial, o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, a esperança é que o radicalismo seja estratégia. “Há sinais de que Bolsonaro está direcionando a economia para a seara política e todos veem um potencial de recuperação da popularidade do presidente”, comenta. “Lula decerto tem essa consciência e age para manter agora seu eleitorado tradicional, nas classes D e E”, acredita Maílson.

Para o ex-ministro, Lula terá que enfrentar a questão fiscal mais adiante durante a campanha, sob pena de despertar um movimento de fuga de capital caso continue liderando. “Ele não tem futuro se não conquistar formadores de opinião e agentes econômicos que estão ao centro. Seu trunfo é o passado. Em 2002, soube ser pragmático”, diz. Para isso, faz falta a Lula por ora entorno. Há 19 anos, tinha Antonio Palocci, Luiz Gushiken, José Dirceu, José Genoino, gente respeitada na negociação. Isso acabou. Pode ser uma janela a ser explorada por seus aliados ao centro.

 

Nenhum comentário: