Folha de S. Paulo
Ele não impede um país de se democratizar,
mas exige adaptações
Li em vários artigos que os EUA fracassaram
em implantar uma democracia viável no Afeganistão porque
desconsideraram o caráter tribal do país. Não afirmo que essa análise esteja
errada, mas é preciso qualificá-la.
Socorro-me aqui de "The WEIRDest People in the World", de Joseph Heinrich, livro que já comentei. São poucas as nações que lograram desenvolver uma psicologia não tribal, isto é, mais pautada pela crença no individualismo, no livre-arbítrio e na universalidade das leis do que ditada por sistemas de lealdades familiares. O fenômeno, também designado como psicologia "weird" (acrônimo inglês para "ocidental, educado, industrializado, rico e democrático"), é característico da Europa ocidental e de algumas de suas ex-colônias e pouco representativo da média da humanidade.
Não é difícil identificar indivíduos e
populações "weird" através de testes como um em que se pergunta se a
pessoa testemunharia contra um amigo que tivesse cometido um crime. Povos
"weird" aceitam essa ideia. A lei, afinal, é para todos. Já os de
mentalidade mais tribal tendem a vê-la como uma traição aos deveres da amizade.
A psicologia "weird" está na base de instituições como a democracia,
além do avanço das ciências e o rápido crescimento econômico.
As coisas se complicam quando verificamos
que alguns países, como Japão e Coreia do Sul, embora conservem a psicologia
não "weird", se tornaram democracias ricas. A China não pegou a parte
da democracia, mas é potência econômica e científica. Como explicar isso?
Segundo Heinrich, esses países já tinham uma longa experiência com Estados
fortes, que estimulavam a educação formal. Também não tiveram pruridos em
adotar hábitos e instituições copiados do Ocidente, que serviram, se não para
eliminar, ao menos para reduzir a influência da lógica de clãs em suas sociedades.
O tribalismo não impede um país de se
democratizar, mas requer adaptações.
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