Folha de S. Paulo
Surto de preços é piorado por desgoverno e
queda violenta de renda
A inflação
alta de Jair Bolsonaro pode até durar menos que a de outros dois
surtos de carestia deste século. Mas é das mais perversas e politicamente
daninhas, acontece em um momento em que os pobres perderam muita renda e sob um
desgoverno histórico. Para ser honesto, qualquer governo teria dificuldade
mesmo de atenuar este choque. Claro que o cruel, desumano e degradante
Bolsonaro piora a situação.
Não apenas a inflação média está alta. A
onda de carestia de comida é a pior desde 2003. O choque da conta de eletricidade
é o segundo pior do século, assim como a alta do preço do botijão de gás e a
dos combustíveis para veículos. São
surtos que causam fome, asfixiam orçamentos já esquálidos, irritam os
remediados que têm carro e afetam preços que são muito evidentes no dia-a-dia.
Essa conjunção aconteceu no início do
governo Lula da Silva e ajudou a derrubar Dilma Rousseff. Acontece de novo sob
Bolsonaro.
O Brasil passou por outras duas ondas compridas de inflação ruim depois de 1999, desde quando o Banco Central tenta conter os preços no sistema de metas. A primeira foi de novembro de 2002 a novembro de 2003, passando pelo pico de 17,2% em maio de 2003. A segunda foi de novembro de 2015 a fevereiro de 2016, com pico de 10,71%. Em setembro deste 2022, a inflação anual foi a 10,25%.
No início dos anos Lula, o povo miúdo tinha
grande esperança de que as coisas mudassem. Ainda assim, o aumento de preços e
pobreza de 2003 provocou protestos populares, xingados então de “caos social”.
O MST ou o MTST fizeram passeatas na então nacionalmente desconhecida avenida
Faria Lima, assustando clientes do Iguatemi, passeio e coreto de consumo dos
ricos, o pioneiro dos shoppings do país. Depois de baixar da casa dos 34% para
a dos 27%, com o Real, o nível de pobreza ficara quase estagnado. Mas nos anos
petistas cairia de 2004 até os 8% de 2014, fim de Dilma 1. Os dados são do FGV
Social.
Parte da inflação de Dilma 2 resultou do
fim dos tabelamentos de preços de energia, choque tão grande quanto o da
reviravolta na economia, estelionato anunciado logo depois da eleição e que
pulverizou a popularidade da presidente. Era ainda o auge da renda média no
país. Mas a recessão súbita e forte que se seguiu, mais a campanha para
derrubar Dilma, fez o resto do estrago político.
Sem auxílio emergencial, a pobreza foi a
16% do total da população no início deste 2021. No primeiro semestre, a renda
per capita do trabalho da metade mais pobre do país foi um terço menor que a de
fins de 2014. O número de pessoas com algum trabalho é o menor desde 2012 e o
desalento (gente que nem procura emprego) é de longe o maior desde então.
O motivo inicial do choque inflacionário é
o sabido: escassez de insumos industriais, crise de energia, preços de
commodities em alta geral. No Brasil, a coisa foi piorada pela desvalorização
exagerada do real. A destruição institucional, o golpismo e a falta de programa
de governo criam e prorrogam a incerteza que também incendeia o dólar e apaga o
PIB. Não houve plano para lidar com saúde e pobreza ou estabilizar a economia,
ao contrário.
O povo do mercado prevê inflação caindo a 8,6% em dezembro, embora tenham errado muito neste ano. Seria um surto ruim mais curto, pois. A falta de trabalho será grande por muito tempo, mas deve despiorar, afora novos desastres. Mas com tamanho desemprego e inflação e variação miúda do PIB em 2022, os salários dos mais pobres não vão recuperar as perdas da epidemia. Não há esperança política de melhora, como em 2003. Mas elites não querem derrubar Bolsonaro.
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