domingo, 28 de novembro de 2021

Míriam Leitão - A nova variante e o presidente invariável

O Globo

A economia está operando no modo pânico em era de incerteza. É isso que se viu na sexta-feira mais uma vez. A nova variante Ômicrom produziu um episódio de alteração de todos os preços de ativos, uma volatilidade extrema, que sempre afasta o capital dos destinos de maiores riscos. O país já vem em crise, desorganizado, indo para a estagnação e com um presidente cuja capacidade de perturbação social aumenta nas fases mais agudas da crise. Quanto pior o momento, mais Bolsonaro erra.

A maneira rápida e aguda com que os mercados reagiram no mundo inteiro mostra o grau de instabilidade global. O mundo está, quase dois anos depois do início da pandemia da Covid-19, com os nervos à flor da pele, com as cadeias produtivas desorganizadas, e os preços fora do lugar. Maiores informações sobre uma nova supervariante, com capacidade maior de mutação, podem levar à reversão do episódio da sexta-feira. Mas que ninguém se engane, a crise se aprofundou um pouco mais com a chegada da nova versão do coronavírus.

No começo da semana o temor dos economistas era em relação à alta das taxas de juros americanas, que alteraria todo o fluxo de capitais e fortaleceria o dólar. Pois na sexta-feira os juros dos títulos americanos tiveram forte queda. Foi o maior recuo em um único dia desde março passado e moedas como o iene japonês e o franco suíço subiram. Antes, o raciocínio na economia era que o Fed mudaria a política monetária diante da recuperação pós-covid e dos riscos inflacionários. Agora, o temor é o contrário, que uma nova onda da pandemia leve a novos episódios de fechamento da economia.

A Europa já estava vivendo um agravamento dos casos, sem ter ainda a nova variante. Tudo piora com a chegada do inverno. Seu drama vinha do absurdo movimento antivacina, de pessoas que ao rejeitarem a imunização expõem toda a sociedade. Essa posição obscurantista na Europa e em alguns estados dos Estados Unidos contrasta com o drama africano. Lá, onde surgiu esse Ômicrom, o problema é baixa oferta de vacinas. E se sabe, a esta altura, que ninguém estará seguro enquanto todos não estiverem seguros.

A economia brasileira já não vinha bem, com uma inflação de dois dígitos, queda da confiança, queda do nível de atividade, e desordem nas contas públicas. O país será afetado diretamente pela nova onda de incerteza global. Só temos uma certeza: o presidente Bolsonaro criará dificuldade a qualquer medida de proteção da saúde da população, ele vai de novo tentar procurar culpados, vai hostilizar as autoridades que quiserem adotar medidas de precaução. Ele vai paralisar a ação dos órgãos públicos. Bolsonaro continuará sendo um tormento. Isso nos torna mais vulneráveis à nova versão do vírus, antes que se possa saber se as vacinas atuais são ou não são efetivas.

Na sexta-feira, o que se tinha era a Anvisa pedindo o fechamento do país em relação a seis países africanos e o presidente dizendo em seu cercadinho que é contra. No fim do dia, a Anvisa venceu a queda de braço. Na véspera, o ministro da Justiça, Anderson Torres, havia discordado da agência sobre a mais elementar das precauções: exigir passaporte de vacina a quem vem do exterior. Bolsonaro e seus áulicos fazem qualquer coisa que possa expor o país nesta pandemia.

O senador Omar Aziz disse que o Congresso pode aprovar rapidamente a autonomia da Anvisa. Assim a agência passaria não mais a recomendar, mas a determinar. O senador Randolfe Rodrigues falou que parlamentares podem ir ao Supremo para tentar obrigar o governo a aceitar a orientação da Anvisa.

Percebem como nós vivemos o inferno em plena pandemia? Se essa variante significar um agravamento da crise sanitária teremos que viver tudo de novo. O país terá que se salvar e se proteger, brigando com o presidente da República e seu bando de desordeiros. Terá que lutar através do Judiciário, do Congresso, das autoridades estaduais, com a ajuda dos médicos e cientistas.

Nesta semana vários indicadores devem mostrar a situação difícil da economia, com destaque para o PIB do terceiro trimestre. O Senado votará a absurda PEC dos Precatórios com as suas agressões às leis fiscais do país. Os presidentes do Senado e da Câmara brigam para manter sigiloso o orçamento secreto. O Brasil com todos os seus desequilíbrios está mais vulnerável a um novo agravamento da crise global.

 

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