Folha de S. Paulo
É preciso tomar o mesmo cuidado que ora
causa tédio: vacina, máscara, passaporte
No Brasil e no mundo quase inteiro, a
epidemia começou com a chegada de um punhado
de viajantes infectados. Com exceção de casos raros imunológicos, a
população era indefesa contra o coronavírus.
Não havia barreiras além de máscaras e restrições de movimento ou aglomerações.
Quando a variante
ômicron chegar, vai encontrar uma paisagem biológica muito diferente.
Mais de 62% da população brasileira está completamente
vacinada. Cerca de 75% tomaram a dose 1, e parte dessas pessoas pode ter
"completado" sua imunização por ter sido também infectada.
Parece um motivo para ficarmos menos
intranquilos. Só parece.
Suponha-se que o bicho novo drible a vacina. Quantos visitantes infectados podem nos trazer esse coronavírus supermutante? Poucos. Mas meia dúzia deles pode trazer a desgraça.
Não temos controle de fronteiras, e o
Brasil pode ser um paraíso
tropical de férias para malucos antivacinas,
pois aqui é "Bolsonaro,
zorra!". Mais sobre isso mais adiante.
Mais importante e antes de mais nada, é
preciso pensar nas primas mais velhas da variante ômicron, que outra vez
espalham dor e morte pelo mundo rico. Na Alemanha (68%
de vacinação completa), o número de mortes por milhão de habitante é ora de 2,7
—no Brasil, é de 1 por milhão. Na Bélgica, 75% de vacinação, de 3,2 mortes por
milhão. Áustria, 65% de vacinados, 5,3 por milhão. Reino Unido, 68% de
vacinados, 2 por milhão.
Nos EUA, são 3,4 mortes por milhão, país
sentado em vacinas e com taxa de imunização completa de apenas 58%, vexame
ainda maior quando se pensa que não há doses para aquelas pessoas que mal têm
uma cuia de comida rala, alguém que lhes faça ataduras ou um abrigo decente
contra as durezas do tempo.
A situação epidemiológica do Brasil não é a
desse mundo rico, até porque houve uma devastação de infecções por aqui e
tomamos vacinas mais tarde —o efeito delas ainda é forte e estamos tomando
reforço.
Mas, com ou sem ômicron, temos de correr
com a vacinação, buscar os sem-injeção nas suas casas ou nas escolas e evitar
aglomerações com bafejos nas fuças sem máscara, como ocorre nos campos de
futebol. Da alfa ao ômega, qualquer variante ainda é ameaça.
É possível barrar a ômicron nas fronteiras?
Tanto quanto as velhas variantes: pouco. Mas conviria exigir passaporte de
vacinação de viajantes, o que contraria a militância
ignorante de Jair Bolsonaro.
O número de desembarques internacionais nos
aeroportos do Brasil caiu. Em outubro de 2019, foram uns 939 mil. Em outubro
deste 2021, uns 263 mil. Cerca de 35% desses viajantes são não residentes (segundo
dados de 2018 e 2019, os mais recentes). É muito menos viajante. A
probabilidade de que estejam infectados é bem pequena. Seria ainda menor se
estivessem vacinados (a vacina diminui de modo relevante a probabilidade de
transmissão). Temos de jogar na retranca firme.
Como não se exige o passaporte, há também
seleção adversa (atração de malucos, idiotas e perversos). Onde se pode tomar
sol, sem vacina, gastar pouco (o
real não vale nada) e, por ora, em um lugar com menos mortes de Covid do
que em muito país rico? No Brasil.
Os cientistas ainda não têm como saber o
tamanho do estrago que a ômicron pode causar. Faltam dados epidemiológicos
(quantos contaminados, em quanto tempo, com qual gravidade etc.). Ainda a
examinam para tentar estimar, por ora no laboratório, se o vírus dribla a
vacina. Alguns pesquisadores especulam que não. Na dúvida, é melhor prevenir o
que não tem remédio.
Como? Fazendo o óbvio tratado com descaso:
vacina, muito teste, máscara e passaportes. A humanidade média se interessa por
fofoca e de novidade. Fatos causam tédio ou revolta.
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