sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

César Felício: Rússia é embaraço para Lula e Bolsonaro

Valor Econômico

Polarização no Brasil rechaça Biden e aceita Putin

O presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), por motivos diferentes, aproximam-se em relação à guerra no Leste Europeu. Tanto um como o outro são associados com o campo do agressor, o presidente russo Vladimir Putin. Tanto um como o outro tentam se distanciar dele.

Bolsonaro acabou de voltar da Rússia em uma visita consensualmente vista como inoportuna por analistas internacionais, mas festejada por seus adoradores. Não só esteve na Rússia durante a iminência da guerra como declarou-se solidário ao país, e, em tom de troça, se disse responsável por uma inexistente distensão da crise internacional.

Lula não se compromete no mesmo grau, mas o antiamericanismo que tem livre curso no PT tende a perfilar o lulismo no polo oposto aonde esteja os Estados Unidos, seja contra Putin, o Talibã ou a Coreia do Norte.

Como o americano Joe Biden é o grande antagonista no momento de Vladimir Putin, Lula terá a associação de sua imagem com o russo.

O primeiro movimento de Lula foi demarcar distância do conflito. Às 8h36 apareceu uma mensagem em seu Twitter em que ele afirmava: “Ninguém pode concordar com guerra, ataques militares de um país contra o outro. A guerra só leva à destruição, desespero e fome”. Mas com certeza isso não é suficiente para se desvincular das posições ideológicas do partido a que pertence.

Em evento ontem promovido pelo “think tank” Cebri, o cientista social Sergio Fausto lembrou que o PT tem um histórico de ambiguidade em relação a governantes autoritários. O geógrafo Demétrio Magnoli, no mesmo evento, lembrou que a então presidente Dilma Rousseff não condenou em 2014 a iniciativa de Putin de anexar a Crimeia.

A prova mais cabal que para o PT o antiamericanismo vem antes de qualquer coisa pode ser dada pela nota que a conta da bancada da sigla no Senado, chegou a publicar no Twitter. “O PT no Senado condena a política de longo prazo dos EUA de agressão à Rússia e de contínua expansão da OTAN em direção às fronteiras russas. Trata-se de política belicosa, que nunca se justificou, dentro dos princípios que regem o Direito Internacional Público”. Algum operador das redes sociais do PT deve ter percebido o mau passo e o texto foi apagado minutos depois.

O comunicado do Itamaraty sugere que o governo brasileiro pretende se distanciar da Rússia. Dentro da linguagem de praxe da diplomacia, destaca a defesa da soberania, da integridade territorial dos Estados e da solução pacífica das controvérsias. Como a Rússia está em colisão contra estes três princípios, o recado está dado.

Mas o que vale para o governo brasileiro não vale para Bolsonaro. Será difícil que o Bolsonaro dessa semana apague o Bolsonaro da semana passada, sorridente ao lado do presidente russo. E talvez nem seja de seu absoluto interesse apagar. A sua base é muito influenciada pela “alt right” americana, que é anti-Biden. Já se percebe em suas redes postagens procurando atribuir a Biden, e não a Putin, a culpa pela guerra no leste europeu.

Uma outra questão é que tipo de impacto eleitoral tudo isso vai gerar daqui a sete meses e meio. Fossem sete semanas e meia a distância das urnas, seria certo dizer que a influência poderia ser significativa. Mas política externa no Brasil tradicionalmente não é tema central de eleições, salvo em momentos particulares, como a queda do muro de Berlim em 1989, que desgastou a esquerda não só no Brasil como no mundo, e a crise venezuelana. O fantasma de Chávez em 2018 foi evocado não apenas contra o PT mas contra o próprio Bolsonaro, que em 1999 deu uma entrevista publicada no jornal “O Estado de S. Paulo”, elogiando o venezuelano.

Putin, contudo, não é Chávez. É incerto afirmar como Putin move, se é que move, o eleitor brasileiro. Pode-se constatar que nas redes sociais o líder russo conta com popularidade, graças a uma diligente atuação de sites de aparência noticiosa daquele país. Uma navegação rápida no YouTube ou no Twitter mostrará diversas postagens simpáticas ao ponto de vista de Moscou.

Sem favoritismo

Duas teses circularam com força no Brasil entre o fim do ano passado e o início deste: a de que Lula é favorito para ganhar as eleições presidenciais e a de que Bolsonaro teria se tornado mais moderado, menos anti-institucional, depois da crise de setembro. Ambas estão se desfazendo aceleradamente.

Pesquisas de intenção de voto começaram a mostrar Bolsonaro sempre oscilando dentro da margem de erro para cima e Lula flutuando para baixo e dirigentes políticos da esquerda fizeram o alerta de que Lula precisa ampliar sua aliança porque nada está definido. Primeiro foi Jaques Wagner, depois Guilherme Boulos, depois Randolfe Rodrigues.

Como jamais subestimou Bolsonaro, o filósofo Marcos Nobre, presidente do Cebrap, fica mais à vontade agora para reforçar os sinais de alerta dentro da esquerda. Ele afirma, em primeiro lugar, que não há favorito na eleição brasileira. Como sempre é imprevisível um confronto entre Atlético e Cruzeiro, Flamengo e Fluminense, Corinthians e Palmeiras.

“Clássico é clássico”, pontifica. O antibolsonarismo já aflorou, mas Bolsonaro tem tido sucesso em pautar o debate. “A estratégia de Bolsonaro é desviar a eleição do caráter de um plebiscito sobre o incumbente, como costumam ser as eleições com reeleição, e transformá-la em um plebiscito sobre o opositor”, diz.

Em vez de se falar de falta de eficiência do governo para gerir a economia e os efeitos da pandemia da covid, fala-se na pauta de costumes, na questão do aborto, em temas da corrupção. Bolsonaro move o debate para o seu campo e põe Lula na defensiva.

“Lula agora tem como prioridade construir uma frente ampla de apoio, o que poderia ter sido feito em 2021. Houve um erro de timing, uma perda de tempo precioso”, comenta.

Mas a observação mais grave que ele faz é sobre o que pode acontecer caso Lula ganhe a eleição, como indicam as pesquisas. “Ele não vai conseguir estabilidade para governar”, acredita Nobre. “A situação é favorável de modo geral para o Bolsonaro, mesmo que ele perca. Em um certo sentido, Bolsonaro já ganhou. Ele normalizou o extremismo no Brasil e entronizou no debate político a hipótese da ruptura”, vaticina.

 

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