Valor Econômico
Polarização no Brasil rechaça Biden e
aceita Putin
O presidente Jair Bolsonaro e o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), por motivos diferentes,
aproximam-se em relação à guerra no Leste Europeu. Tanto um como o outro são
associados com o campo do agressor, o presidente russo Vladimir Putin. Tanto um
como o outro tentam se distanciar dele.
Bolsonaro acabou de voltar da Rússia em uma
visita consensualmente vista como inoportuna por analistas internacionais, mas
festejada por seus adoradores. Não só esteve na Rússia durante a iminência da
guerra como declarou-se solidário ao país, e, em tom de troça, se disse
responsável por uma inexistente distensão da crise internacional.
Lula não se compromete no mesmo grau, mas o
antiamericanismo que tem livre curso no PT tende a perfilar o lulismo no polo
oposto aonde esteja os Estados Unidos, seja contra Putin, o Talibã ou a Coreia
do Norte.
Como o americano Joe Biden é o grande antagonista no momento de Vladimir Putin, Lula terá a associação de sua imagem com o russo.
O primeiro movimento de Lula foi demarcar
distância do conflito. Às 8h36 apareceu uma mensagem em seu Twitter em que ele
afirmava: “Ninguém pode concordar com guerra, ataques militares de um país
contra o outro. A guerra só leva à destruição, desespero e fome”. Mas com
certeza isso não é suficiente para se desvincular das posições ideológicas do
partido a que pertence.
Em evento ontem promovido pelo “think tank”
Cebri, o cientista social Sergio Fausto lembrou que o PT tem um histórico de
ambiguidade em relação a governantes autoritários. O geógrafo Demétrio Magnoli,
no mesmo evento, lembrou que a então presidente Dilma Rousseff não condenou em
2014 a iniciativa de Putin de anexar a Crimeia.
A prova mais cabal que para o PT o
antiamericanismo vem antes de qualquer coisa pode ser dada pela nota que a
conta da bancada da sigla no Senado, chegou a publicar no Twitter. “O PT no
Senado condena a política de longo prazo dos EUA de agressão à Rússia e de
contínua expansão da OTAN em direção às fronteiras russas. Trata-se de política
belicosa, que nunca se justificou, dentro dos princípios que regem o Direito
Internacional Público”. Algum operador das redes sociais do PT deve ter percebido
o mau passo e o texto foi apagado minutos depois.
O comunicado do Itamaraty sugere que o
governo brasileiro pretende se distanciar da Rússia. Dentro da linguagem de
praxe da diplomacia, destaca a defesa da soberania, da integridade territorial
dos Estados e da solução pacífica das controvérsias. Como a Rússia está em
colisão contra estes três princípios, o recado está dado.
Mas o que vale para o governo brasileiro
não vale para Bolsonaro. Será difícil que o Bolsonaro dessa semana apague o
Bolsonaro da semana passada, sorridente ao lado do presidente russo. E talvez
nem seja de seu absoluto interesse apagar. A sua base é muito influenciada pela
“alt right” americana, que é anti-Biden. Já se percebe em suas redes postagens
procurando atribuir a Biden, e não a Putin, a culpa pela guerra no leste
europeu.
Uma outra questão é que tipo de impacto
eleitoral tudo isso vai gerar daqui a sete meses e meio. Fossem sete semanas e
meia a distância das urnas, seria certo dizer que a influência poderia ser
significativa. Mas política externa no Brasil tradicionalmente não é tema
central de eleições, salvo em momentos particulares, como a queda do muro de
Berlim em 1989, que desgastou a esquerda não só no Brasil como no mundo, e a
crise venezuelana. O fantasma de Chávez em 2018 foi evocado não apenas contra o
PT mas contra o próprio Bolsonaro, que em 1999 deu uma entrevista publicada no
jornal “O Estado de S. Paulo”, elogiando o venezuelano.
Putin, contudo, não é Chávez. É incerto
afirmar como Putin move, se é que move, o eleitor brasileiro. Pode-se constatar
que nas redes sociais o líder russo conta com popularidade, graças a uma
diligente atuação de sites de aparência noticiosa daquele país. Uma navegação
rápida no YouTube ou no Twitter mostrará diversas postagens simpáticas ao ponto
de vista de Moscou.
Sem favoritismo
Duas teses circularam com força no Brasil
entre o fim do ano passado e o início deste: a de que Lula é favorito para
ganhar as eleições presidenciais e a de que Bolsonaro teria se tornado mais
moderado, menos anti-institucional, depois da crise de setembro. Ambas estão se
desfazendo aceleradamente.
Pesquisas de intenção de voto começaram a
mostrar Bolsonaro sempre oscilando dentro da margem de erro para cima e Lula
flutuando para baixo e dirigentes políticos da esquerda fizeram o alerta de que
Lula precisa ampliar sua aliança porque nada está definido. Primeiro foi Jaques
Wagner, depois Guilherme Boulos, depois Randolfe Rodrigues.
Como jamais subestimou Bolsonaro, o
filósofo Marcos Nobre, presidente do Cebrap, fica mais à vontade agora para
reforçar os sinais de alerta dentro da esquerda. Ele afirma, em primeiro lugar,
que não há favorito na eleição brasileira. Como sempre é imprevisível um
confronto entre Atlético e Cruzeiro, Flamengo e Fluminense, Corinthians e
Palmeiras.
“Clássico é clássico”, pontifica. O
antibolsonarismo já aflorou, mas Bolsonaro tem tido sucesso em pautar o debate.
“A estratégia de Bolsonaro é desviar a eleição do caráter de um plebiscito
sobre o incumbente, como costumam ser as eleições com reeleição, e
transformá-la em um plebiscito sobre o opositor”, diz.
Em vez de se falar de falta de eficiência
do governo para gerir a economia e os efeitos da pandemia da covid, fala-se na
pauta de costumes, na questão do aborto, em temas da corrupção. Bolsonaro move
o debate para o seu campo e põe Lula na defensiva.
“Lula agora tem como prioridade construir
uma frente ampla de apoio, o que poderia ter sido feito em 2021. Houve um erro
de timing, uma perda de tempo precioso”, comenta.
Mas a observação mais grave que ele faz é
sobre o que pode acontecer caso Lula ganhe a eleição, como indicam as
pesquisas. “Ele não vai conseguir estabilidade para governar”, acredita Nobre.
“A situação é favorável de modo geral para o Bolsonaro, mesmo que ele perca. Em
um certo sentido, Bolsonaro já ganhou. Ele normalizou o extremismo no Brasil e
entronizou no debate político a hipótese da ruptura”, vaticina.
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