EDITORIAIS
Acordo na ONU para acabar com poluição por
plásticos é um avanço
O Globo
Um tratado global para eliminar a poluição
por plásticos ficou mais próximo da realidade. Em reunião no Quênia na semana
passada, a Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente aprovou, com o
apoio de 175 países, as bases do acordo. A expectativa é que seja firmado até
2024. Será, segundo Inger Andersen, diretora executiva do Programa das Nações
Unidas para o Meio Ambiente, a decisão mais importante desde o Acordo de Paris.
Entre as medidas que poderão ser adotadas estão a redução da produção, a adoção
de reciclagem mais eficaz e a proibição de plásticos descartáveis após um único
uso.
Como comprovam os lixões e, vergonhosamente, também ruas e praias de várias cidades brasileiras, a poluição por plásticos atingiu níveis escandalosos. No mundo, a produção anual dobrou nas duas últimas décadas. Saiu de 234 milhões de toneladas no ano 2000 para 460 milhões de toneladas em 2019, diz uma publicação recém-lançada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Um estudo publicado em 2020 por pesquisadores israelenses na revista Nature estimou que o peso de todos os plásticos já produzidos é superior ao de todos os animais vivos, terrestres e marinhos.
O triângulo formado por três setas em
sentido horário nas embalagens, símbolo da reciclagem, se tornou inócuo. Entre
2000 e 2019, apenas 9% do plástico descartado no mundo foi reciclado, 19%
acabaram incinerados e 50% tiveram como destino aterros sanitários. Os
restantes 22% foram despejados irregularmente.
Os efeitos desse desleixo são sentidos no
meio ambiente. O estoque de plásticos em rios soma 109 milhões de toneladas.
Nos mares, são 30 milhões de toneladas. Ainda que a produção caia e a
reciclagem aumente, a quantidade de plásticos já existente nos rios é garantia
de que os mares continuarão poluídos por muitos anos. Microplásticos,
fragmentos com menos de 5 milímetros, já foram encontrados em reservatórios de
água potável, em bebidas industrializadas e até em alimentos.
Os problemas causados pela má gestão do
plástico não se resumem às centenas de anos que o produto leva para se
decompor. A produção emite carbono em níveis significativos. Feitos a partir de
combustíveis fósseis, plásticos geraram 1,8 bilhão de toneladas de gases
causadores do efeito estufa em 2019, número bem acima das emissões da aviação.
Plásticos são e continuarão a ser parte
importante de nossa vida. Por isso não devem ser demonizados. Eles ajudam a
preservar alimentos, são matérias-primas importantes em vários setores, como
construção ou eletrônicos, tornam os veículos mais eficientes em consumo de
combustíveis, entre outros benefícios. Espera-se do acordo da ONU que
estabeleça regras para o bom uso, deixando para trás um histórico de sujeira,
poluição e prejuízo aos ecossistemas.
Violência no futebol precisa ser coibida
O Globo
São graves, e inaceitáveis, os episódios de
violência que voltaram a tomar conta do futebol brasileiro nas últimas semanas.
Ontem um torcedor cruzeirense morreu depois de ser baleado numa briga entre as
torcidas do Cruzeiro e do Atlético Mineiro, em Belo Horizonte, antes da partida
no Mineirão. Segundo a polícia, que instaurou inquérito para investigar o caso,
a confusão envolveu cerca de 50 torcedores. Um motociclista que passava pelo
local, e não tinha nada a ver com a história, foi baleado no ombro.
Há pouco mais de uma semana, o ônibus com
jogadores do Grêmio que ia para o clássico com o Internacional, no Beira-Rio,
foi alvejado por pedras atiradas por torcedores adversários. O ataque feriu o
paraguaio Mathias Villasanti, que precisou ser hospitalizado. Ele sofreu
traumatismo craniano, concussão cerebral e cortes no rosto, depois recebeu
alta. A partida do Campeonato Gaúcho foi adiada.
Dois dias antes, situação semelhante
acontecera com a equipe do Bahia. O ônibus que levava jogadores para a partida
contra o Sampaio Corrêa, na Arena Fonte Nova, em Salvador, pela Copa do
Nordeste, foi atingido por uma bomba caseira. O lateral esquerdo Matheus Bahia
sofreu cortes nos braços, e o goleiro Danilo Fernandes, com ferimentos perto
dos olhos, precisou ser atendido num hospital. Segundo a polícia, os suspeitos
são integrantes da torcida do próprio Bahia.
Quando episódios como esses não são
coibidos rapidamente, corre-se o risco de a baderna se repetir. No mesmo dia do
ataque à equipe do Grêmio, um ônibus com jogadores do Cascavel foi apedrejado
após o jogo contra o Maringá, pelo Campeonato Paranaense.
Cenas inimagináveis ocorreram também quando
torcedores do Paraná Clube, indignados com o inexorável rebaixamento do time,
que perdia por 3 a 1 para o União-PR, na Vila Capanema, em Curitiba, invadiram
o gramado e agrediram jogadores do Paraná. Em vez de futebol, o que se viu em
campo foram bombas de efeito moral, balas de borracha e uma confusão. O clube
prometeu fornecer às autoridades de segurança informações para identificar e
punir os responsáveis pelas agressões.
Há três semanas, a festa preparada pela
torcida do Palmeiras nas imediações do Allianz Parque, durante a disputa com o
Chelsea pelo Mundial de Clubes, em Abu Dhabi, se transformou em tragédia. Após
a derrota para os ingleses por 2 a 1, um motoboy de 35 anos morreu baleado em
meio a uma briga generalizada que envolveu a própria torcida palmeirense.
Clubes e federações de todo o país não
podem compactuar com essa escalada de violência que extrapola em muito as linhas
do esporte e avança para a barbárie. Precisam agir rápido e com firmeza. De
tempos em tempos, o futebol brasileiro é sacudido por cenas de selvageria.
Apesar das muitas campanhas pela paz nos estádios e da atuação das polícias e
do Ministério Público, a questão não está resolvida.
Quem joga bomba em ônibus ou participa de
bangue-bangue nas imediações de estádios não é torcedor, mas bandido. Precisa
ser identificado, punido e banido das arenas. Hoje em dia, com câmeras por toda
parte, imagens não faltam, basta querer investigar. Essa é uma questão em que
todos os clubes, independentemente de cores e bandeiras, precisam estar unidos,
do mesmo lado. O adversário a enfrentar é a violência, dentro e fora dos
estádios.
Desafio americano
Folha de S. Paulo
Guerra exige dos EUA mais diplomacia e
novos meios de cooperação com aliados
O presidente dos Estados Unidos, Joseph
Biden, fez o que pôde para transmitir determinação e autoconfiança ao tratar da
guerra na Ucrânia em seu discurso anual no Congresso, na última terça (1º).
O líder americano disse que o presidente da
Rússia, Vladimir Putin, subestimou a capacidade do Ocidente de reagir à sua
inaceitável agressão e por isso agora se encontra isolado diante da comunidade
internacional.
Biden celebrou a frente única articulada
com seus aliados na Europa para aplicar as duras sanções econômicas impostas à
Rússia, que bloquearam o acesso do país ao sistema financeiro global e já lhe
causam danos severos.
Por fim, sugeriu que o isolamento de Putin
só tende a aumentar. "Na batalha entre a democracia e as autocracias, as
democracias se levantaram e o mundo está claramente escolhendo o lado da paz e
da segurança", discursou.
A realidade, no entanto, parece mais
incômoda do que Biden sugere. A invasão da Ucrânia, um país independente
governado por um presidente eleito democraticamente nas franjas da Europa,
representa uma contestação veemente à influência que os EUA e seus aliados
buscam exercer no mundo.
A capacidade do autocrata russo de resistir
à avalanche de sanções ainda está sendo testada, mas não há como duvidar da
determinação de quem não hesita diante das normas do direito internacional e
autoriza os tanques a disparar até contra instalações nucleares.
A crise chegou à mesa de Biden num momento
de fragilidade, em que ele parece pouco propenso a correr riscos. Sua agenda
doméstica encontra oposição até em seu partido, sua popularidade está em queda,
e a maioria que detém no Congresso estará em jogo nas eleições legislativas de
novembro.
Biden prometeu defender os vizinhos da
Rússia que são membros da União Europeia e ofereceu assistência militar e
socorro financeiro aos ucranianos, que querem entrar no bloco, mas já deixou
claro que não tem intenção de mandar soldados americanos ao combate.
Os fiascos no Iraque e no Afeganistão, onde
os EUA não deixaram de exibir truculência, são uma lembrança recente. Os
norte-americanos, corretamente, não se mostram dispostos a financiar outra
aventura militar no exterior —ainda mais diante das enormes incertezas de um
confronto com outra potência nuclear.
Um prolongamento do conflito trará novos
desafios, da necessidade de acolhimento de centenas de milhares de refugiados à
busca por maior integração dos países da região com a economia global.
Se Putin é um adversário a ser enfrentado
como parte de uma disputa global entre democracias liberais e autocracias
emergentes, como Biden sugere, os Estados Unidos terão de abandonar a
onipotência de outros tempos e encontrar novos meios de cooperação com seus
aliados para prevalecer.
Contra o tempo
Folha de S. Paulo
Venda da Eletrobras, mesmo falha, atenuaria
frustrações do plano de privatização
A privatização da Eletrobras avança.
Diferentes órgãos públicos protocolaram nos últimos dias documentos com
informações solicitadas pelo Tribunal de Contas da União. Os ministros da corte
farão nova reunião, até o início de abril, para definir detalhes finais do
processo, como o preço mínimo da ação da companhia.
Não há garantias, porém, de que os
procedimentos burocráticos serão concluídos a tempo, ainda no primeiro
semestre, antes de a campanha eleitoral colocar sob risco a janela de
oportunidade.
A transferência da Eletrobras para a
iniciativa privada deve ocorrer por meio da venda de papeis em Bolsa, o que
reduzirá a participação da União de 72% para 45%. Ainda que a operação, estimada
em R$ 25 bilhões, seja bem-sucedida, permanecerão dúvidas em torno do
futuro do setor.
A estatal de energia detém um terço da
geração e 44% das linhas de transmissão do país. Segunda colocada nesse
ranking, a Engie tem 6% do mercado. A oferta de ações acaba com o controle do
Estado, mas preserva o gigantismo.
Não houve o devido debate em torno da
modernização do arcabouço legal e tributário, visando o interesse de
consumidores residenciais e empresariais.
Deputados e senadores agravaram o quadro ao
incluir no processo compromissos que atendem a interesses políticos —e geram
despesas de longo prazo acima de R$ 100 bilhões para a empresa privada que
ainda nem nasceu.
Mesmo falha, a privatização da Eletrobras
será um feito importante numa agenda que claudica no governo Jair Bolsonaro
(PL).
Com liquidações, alienações e
incorporações, o total de estatais federais passou de 209, no final de 2018,
para ainda muito elevados 158 no terceiro trimestre do ano passado. Não foram
vendidas empresas sob controle direto do Tesouro Nacional, que hoje são 46 —a
queda do número se deu entre subsidiárias das companhias existentes.
O Ministério da Economia semeou
expectativas irrealistas, e o Planalto não mostrou disposição nem capacidade
política para um programa ambicioso. Resta a esperança de que a Eletrobras,
privatizada, deixe de ser veículo de clientelismo e projetos antieconômicos.
A guerra no mundo interconectado
O Estado de S. Paulo
As necessárias sanções econômicas foram surpreendentes em velocidade e escala. Agora, precisam ser calibradas para evitar consequências indesejadas
Vladimir Putin já foi descrito como um
imperialista do século 20 operando com táticas do século 19 para se firmar com
um czar do século 21. Tantos anacronismos são prerrogativa de um autocrata que
vem há anos erguendo uma “fortaleza” financeira, isolando o regime da opinião
pública e que não tem escrúpulos de impor miséria à sua população para
satisfazer seu imperialismo. As lideranças globais não têm essas prerrogativas.
Para que suas sanções sejam eficazes elas têm de ser concatenadas, e é preciso
lidar com as pressões da opinião pública doméstica.
As sanções foram sem precedentes. Bancos
russos foram barrados da rede Swift; EUA, União Europeia, Reino Unido e Suíça
sancionaram o banco central russo; diversos países fecharam o espaço aéreo para
a Rússia e impuseram limites à importação de tecnologias. Sanções ao petróleo e
gás ainda estão em boa parte excluídas, mas países europeus dependentes da
energia russa promoveram reversões surpreendentes em suas políticas.
Essas sanções não terão efeito imediato
sobre a ofensiva contra a Ucrânia em si, mas imporão grandes pressões à
economia russa, limitando o tempo do Kremlin para financiar sua guerra.
A velocidade e a escala das sanções mostram
que a comunidade internacional aprendeu lições importantes desde a ocupação da
Crimeia em 2014. Mas tal como os conflitos militares, a contraofensiva
econômica exigirá cálculos táticos em vista de objetivos estratégicos. A
prioridade é impedir que a guerra transborde as fronteiras da Ucrânia, sobretudo
em um confronto entre potências nucleares. Além disso, é preciso minimizar os
custos para as populações dos países aliados.
Ainda que o opróbrio do povo russo seja
inevitável, é preciso lembrar que o confronto é menos contra a Rússia do que
contra o seu regime. A dissidência russa vem crescendo. Mas um colapso rápido
demais poderia provocar efeitos adversos. Furar o bloqueio de desinformação do
Kremlin na própria Rússia é essencial para engajar os russos contra o regime.
A comunicação pública às populações dos
aliados precisa ser clara e consistente. É preciso envolvê-las nas decisões
sobre os custos que precisarão ser pagos, esclarecer a sua dimensão e por que
eles valem a pena. É fácil apelar ao idealismo e à solidariedade aos ucranianos
no curto prazo. Mas o tempo pode desgastar esse entusiasmo. As medidas podem
ter um efeito desproporcional sobre a classe média. O Kremlin conta com isso
para desestabilizar os governos aliados. Será preciso um empenho continuado
para demonstrar a essas populações que conter Putin serve ao seu próprio
interesse.
As lideranças precisam se preparar, e
preparar suas populações, para as retaliações. No plano econômico, Putin pode
impor custos não só na energia, mas em grãos, fertilizantes e metais. Ele já
pôs na mesa ameaças nucleares, mas mais iminentes são possíveis ataques
cibernéticos contra as finanças e infraestruturas ocidentais.
Não há sinalização de que a China
participará das sanções – e o regime observa a estratégia ocidental para
calcular sua ofensiva a Taiwan. Mas a falta de liquidez de bancos, empresas e
governo russos pode ser ruim para seus negócios. A diplomacia ocidental precisa
deixar claro aos chineses que o apoio a Putin é incompatível com relações
amigáveis com o Ocidente.
Agora que ativaram seus arsenais
econômicos, os aliados precisam solidificar consensos para sinalizar ao
Kremlin, por um lado, qual estoque de sanções ainda têm à disposição caso Putin
opte por escalar sua guerra ou estendê-la além da Ucrânia e, por outro lado,
quais seriam as saídas caso ele decida negociar, ou seja, quais sanções podem
ser aliviadas e em quais circunstâncias.
Putin não tem escrúpulos em mesclar
recursos militares, políticos e econômicos. O Ocidente tem esses recursos, em
maior escala. A condição para que sirvam às prioridades estratégicas é a união
política e a primazia das alavancas econômicas sobre as militares. A união não
deveria encontrar quaisquer limites. Mas, até para evitar o choque militar, as
pressões econômicas precisarão ser muito bem calibradas.
Afronta à Lei Eleitoral
O Estado de S. Paulo
Apesar da proibição legal, têm sido frequentes os casos de campanha eleitoral antecipada
O objetivo da legislação eleitoral é
proteger o regime democrático e o livre exercício dos direitos políticos.
Aparentemente simples e cristalinos, esses propósitos se manifestam depois em
uma normativa especialmente detalhista, com ampla regulamentação. Ainda que se
possa com razão criticar tal complexidade, vislumbra-se de fundo uma finalidade
louvável: assegurar a efetividade das normas eleitorais. No entanto, deve-se
advertir que, muitas vezes, o detalhamento legislativo, em vez de proteger as
eleições, é ocasião de indevidas tolerâncias, colocando em risco precisamente
os objetivos fundamentais da legislação eleitoral. É o que se observa, por
exemplo, com as regras relativas à propaganda eleitoral antecipada.
A proibição da propaganda extemporânea
busca evitar o desequilíbrio e a falta de isonomia na campanha eleitoral.
Trata-se de princípio básico do regime democrático. Candidatos devem dispor de
igualdade de condições. Por isso, acertadamente a Justiça Eleitoral consolidou,
ao longo do tempo, jurisprudência no sentido de que a proibição de pedido de
voto antes do período de campanha se refere tanto à forma explícita como à
implícita. Por exemplo, mesmo sem referência direta a eleições ou a voto, é
vedado antes do período de campanha o uso de outdoors para exaltar qualidades
pessoais de possíveis candidatos. Tal proibição é o reconhecimento de que a
propaganda eleitoral não se resume a pedir votos, mas a difundir que tal pessoa
seria a mais apta a determinado cargo eletivo.
No entanto, não obstante a clareza desses
critérios, continua sendo frequente – e bastante tolerada – a campanha
eleitoral antecipada, como mostrou recentemente o Estadão, desde a instalação de
outdoors até a realização de eventos festivos. Aliados do governo ou da
oposição, pré-candidatos e partidos têm feito corpo a corpo e usado as redes
sociais com inequívoco objetivo de angariar votos. É especialmente ofensiva à
equidade nas eleições a propaganda eleitoral antecipada feita por quem ocupa
cargo público.
Como mostrou o Estadão, existem ao menos sete
representações por campanha antecipada contra o presidente Jair Bolsonaro. Uma
delas refere-se a um evento em junho de 2021, em Marabá (PA), no qual o
presidente da República mostrou uma camiseta entregue pelo presidente da Caixa
Econômica Federal, Pedro Guimarães, com a mensagem “É melhor Jair se
acostumando. Bolsonaro 2022”. De acordo com o Ministério Público Federal, houve
propaganda eleitoral antecipada e conduta vedada a agente público no ato, que
ademais foi transmitido pela TV Brasil.
Neste ano, Jair Bolsonaro tem feito
inequívoca campanha eleitoral a favor do ministro da Infraestrutura, Tarcísio
de Freitas, pré-candidato ao Palácio dos Bandeirantes. Além de desrespeitar o
período oficial da campanha, essa atividade presidencial é triste repetição da
prática lulopetista de usar o aparato estatal em benefício eleitoral. Cabe à
Justiça determinar o devido ressarcimento aos cofres públicos, cujos recursos
não podem custear campanha de político governista.
Para a indústria, é mudar ou perecer
O Estado de S. Paulo
A dinamização da indústria exige atenção aos novos padrões tecnológicos e ambientais; a boa notícia é que os novos dirigentes industriais parecem saber disso
Embora tenha crescido 4,5% no ano passado,
a indústria está longe de ter superado a crise que se estende há pelo menos dez
anos e afeta, sobretudo, o segmento de transformação. A expansão em 2021 parece
expressiva, mas é menor do que a de toda a economia – o Produto Interno Bruto
(PIB) cresceu 4,6%, segundo o IBGE – e, nos dois últimos trimestres do ano
passado, a indústria registrou queda. A desindustrialização, para a qual
economistas e dirigentes empresariais vêm apontando há tempos, não foi
interrompida. São muitos os desafios para superá-la.
Governos que não conseguem ver além dos
interesses imediatos e particulares de seus integrantes, como o de Jair
Bolsonaro, dificilmente compreenderão a dimensão de desafios dessa natureza.
Felizmente, com a possibilidade de sua substituição pelo voto, maus governantes
não são eternos. E, no setor produtivo, parece haver firme e consciente
disposição de encarar os novos problemas, com base em diagnósticos realistas, e
buscar soluções condizentes com as exigências contemporâneas. Pode-se ter
esperança.
Ao tomar posse como presidente da Federação
das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), em fevereiro, o empresário Josué
Gomes da Silva havia mostrado a necessidade de recuperar o dinamismo da
indústria na economia nacional e debater a reindustrialização do País, num
mundo em que os processos produtivos se modernizam e se modificam rapidamente.
Em recente entrevista ao jornal Valor
Econômico, o novo economista-chefe da Fiesp, Igor Rocha, disse que
o grande desafio da indústria de transformação é definir uma nova política
industrial.
Essa nova política, mostrou Rocha, deve
estar livre dos vícios do passado – entre eles o protecionismo e a interminável
determinação com que parte do setor buscava vantagens tributárias temporárias
ou perenes – e ter, entre suas diretrizes, a sustentabilidade, a redução das
emissões de carbono e o foco em setores de média e alta tecnologia. Não é
pouco, para um segmento já às voltas com tantos obstáculos para recuperar seu
papel no crescimento econômico. Mas é necessário.
Aos problemas antigos, que são conhecidos,
se somam os que as transformações do sistema de produção, distribuição e
comercialização em todo o mundo estão impondo a governos, empresas,
trabalhadores e consumidores. São mudanças cuja compreensão será vital não
apenas para o crescimento, mas até mesmo para a sobrevivência das empresas, em
particular as da indústria de transformação.
A reforma tributária, que simplifique o
sistema e propicie alguma redução do peso dos impostos e taxas, de modo a
estimular os investimentos, continua sendo uma meta prioritária que o setor
produtivo não pode abandonar. Da mesma forma, a recuperação da infraestrutura,
para propiciar mais confiabilidade e redução de custos para a produção,
transporte e comercialização de bens e serviços, continua indispensável.
Mas políticas industriais como as que
vigoraram até há poucas décadas são coisas do passado, diz o novo
economista-chefe da Fiesp. A preocupação deve, daqui para a frente, estar
voltada para os segmentos com maior potencial de produção ambientalmente
sustentável, que atenda aos objetivos resumidos no acrônimo para meio ambiente,
preocupação social e governança – ESG (em inglês). Trata-se de um movimento
global, de que a indústria brasileira não poderá escapar, a despeito de já ter
problemas internos específicos que tendem a retardar a transformação de seu
processo produtivo.
Só assim o Brasil poderá superar a
desindustrialização que Igor Rocha e outros analistas consideram precoce. A
redução do tamanho da indústria no PIB ocorre quando as economias passam de
renda média para renda alta. Outros segmentos crescem mais, daí a perda do peso
relativo da indústria na economia nacional. Mas isso ocorreu aqui sem que o
País alcançasse a condição de renda alta, daí seu caráter prematuro. A renda
gerada pela indústria caiu, da mesma forma que sua produtividade.
Com visão clara da imensidão do problema, é
possível, ainda que muito difícil, começar a superá-lo.
Sanções à Rússia estão longe de ser uma
resposta ideal
Valor Econômico
O boicote de Xi Jinping às sanções pode dar
sobrevida à postura bélica de Putin
Do sequestro de ativos detidos por
oligarcas próximos ao Kremlin até o bloqueio à movimentação de reservas do
Banco Central da Rússia, os países ocidentais aplicaram contra Moscou uma
espiral inédita de sanções econômicas, que visam enfraquecer o presidente
Vladimir Putin no plano doméstico. Idilicamente, o cerco pode acelerar a transição
política em um governo que usurpa a democracia e viola o direito internacional.
No mínimo, as punições anunciadas constrangem Putin com seus eleitores e
demonstram os custos de agredir outras nações sem nenhuma justificativa
plausível. Pela primeira vez, no entanto, o mundo testa também a capacidade de
uma autocracia instalada em potência bélica - não uma ditadura
latino-americana, uma ilha de corrupção na África ou um emirado absolutista no
Golfo Pérsico - sobreviver escorando-se na neutralidade ou no apoio tácito da
China. Pequim pode ter se tornado o fiel da balança.
É de se colocar em perspectiva, sim, que as
sanções adotadas até agora estão longe de constituir uma resposta ideal.
Restrições econômicas de todos os lados resultam em sofrimento de toda a
população russa. Não se pode desprezar ainda o fato de que podem ajudar o
próprio Putin a reforçar internamente, com sua máquina de desinformação, o
discurso de que é uma vítima do Ocidente e luta apenas para resistir às
tentativas de avanço da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
Também guarda razoabilidade o argumento de que regimes autocráticos no Irã, na
Venezuela ou na Coreia do Norte têm sobrevivido às sanções.
O cerceamento à Rússia, contudo, ocorre em
velocidade e amplitude épicas. Em menos de dez dias houve exclusão do sistema
Swift de pagamentos internacionais, proibição à compra de nova dívida soberana,
fechamento de espaço aéreo para voos comerciais, quase metade das reservas do
BC russo teve seu uso inviabilizado. Companhias de navegação que respondem por
47% do tráfego global de contêineres decidiram paralisar fretes. Dezenas de
empresas americanas e europeias anunciaram suspensão dos negócios. Petroleiras
como Shell, BP, Total e Equinor se comprometeram a não mais alocar capital no
país. Nike, Ikea e Spotify interromperam suas atividades. A lista aumenta dia
após dia.
Os efeitos na economia russa já apareceram.
O BC mais do que dobrou a taxa de juros (para 20% ao ano), o valor do rublo
caiu para um mínimo histórico, há corrida bancária e a Bolsa de Moscou passou a
semana inteira fechada. O colchão financeiro preparado pela Rússia para
enfrentar a guerra parece não ser suficiente. Ela empobrecerá muito, e
rapidamente. Não à toa, em reunião ministerial parcialmente televisionada na
sexta-feira, Putin acusou o golpe: "Não temos más intenções acerca dos
nossos vizinhos. Eu gostaria também de aconselhá-los a não escalar a situação,
a não introduzir nenhuma restrição".
De acordo com o instituto de pesquisas
russo Levada Center, 52% dos cidadãos no país temem repressão das autoridades e
58% receiam sofrer prisões arbitrárias - os índices mais altos desde 1994. Por
isso, impressiona que protestos tenham sido registradas em 48 cidades
diferentes. A filha do porta-voz de Putin escreveu "não à guerra" em
seu perfil numa rede social. Esportistas e celebridades têm se manifestado.
Nesse ritmo, o apoio da classe média a Putin ficará cada vez mais corroído.
Nada disso garante que Putin aceite um
cessar-fogo e, muito menos, uma paz duradoura com seus vizinhos. Trata-se,
porém, do único caminho para pressioná-lo sem o impensável emprego de tropas da
Otan. O problema é a resistência da China em aderir às sanções. Os países do
eixo Ásia-Pacífico absorvem hoje 30% das exportações russas. Pequim já tem mais
investimentos na Rússia do que a Alemanha. Putin e Xi Jinping, que já se
encontraram 38 vezes e se chamaram de "melhores amigos", anunciaram a
construção de um "superduto" que levará gás da Sibéria ao norte da
China.
O boicote de Xi às sanções, pelo peso da
aliança formada entre os dois países, pode dar sobrevida à postura bélica de
Putin e impedir o declínio do regime russo. Ao mesmo tempo, aumentará a
desconfiança do Ocidente com a China e a percepção - já alimentada durante a
pandemia - de que é preciso tomar cuidado com as cadeias de valor dependentes
do gigante asiático. Uma divisão do mundo em dois eixos apartados, no qual
suspeitas prevalecem sobre cooperação e integração, é péssimo para o futuro da
economia e da estabilidade globais.
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