Folha de S. Paulo
Turma de 2015 se autoimola em público, e
direita brasileira volta para centrão e milicos
O Movimento Brasil Livre (MBL) passa por
sua maior crise desde que se destacou na organização das passeatas pelo
impeachment em 2015-2016, quando Eduardo Cunha descobriu
que Arthur
do Val, o Mamãe Falei, era fácil porque era burro.
As coisas já não iam bem para o MBL antes
mesmo do
deputado estadual paulista declarar sua intenção de explorar
sexualmente a pobreza das refugiadas de guerra ucranianas.
Poucas semanas antes, a principal liderança emebelista, o deputado federal Kim Kataguiri, foi por severamente criticado por questionar a criminalização do nazismo. A proposta era imbecil, mas, além disso, a intensidade da reação contra Kataguiri mostrou outra coisa: o clima ideológico do Brasil de 2022 não é mais aquele em que o MBL floresceu.
O MBL cresceu em um ambiente político
altamente tolerante com a "zoeira" de direita, um tipo de
irreverência "politicamente incorreta" e "contrarian" que,
para muita gente, pareceu charmosa durante a crise dos
governos petistas.
Isso perdeu muito da graça depois que um
presidente "contrarian" e politicamente incorreto matou mais
de cem mil brasileiros por não acreditar em vacinas.
Aqui as lideranças do MBL poderiam dizer:
bom, mas Bolsonaro é ainda mais repulsivo do que Mamãe Falei; Bolsonaro defende
o Ustra, que, se fosse russo em 2022, introduziria ratos nas vaginas das
ucranianas que pegassem em armas contra a invasão. E Bolsonaro continua aí, com
o apoio de entre um quarto e um terço dos eleitores.
É verdade, mas isso nos ensina uma
importante lição: não é fácil ser politicamente incorreto sem o apoio dos
poderes constituídos.
O MBL rompeu com Bolsonaro. A direita
brasileira não rompeu. No final de 2021, o MBL, em atitude elogiável, ajudou a
organizar atos pelo impeachment. O
público de 2015 não foi.
No fundo, a direita brasileira rompeu com o
MBL porque não acha que ainda precise de manifestações de rua depois de ter
recuperado o controle da máquina de Estado, seu orçamento e suas armas.
Militância nas redes sociais, afinal, é coisa que se compra na Rússia.
O MBL vem tentando dar a volta por cima com
a candidatura
presidencial de Sergio Moro. De fato, se Moro for eleito, terá sido
porque tomou a base eleitoral de Bolsonaro. Como apoiadores de primeira hora do
ex-juiz, o MBL estaria em uma posição privilegiada para reconquistar sua
influência.
Mas a candidatura de Moro vai mal. Na
revista piauí deste mês, uma matéria de Ana Clara Costa mostra que o ex-juiz
tem encontrado dificuldades seríssimas para organizar sua campanha. Falta
dinheiro, falta apoio político, e a disparada nas pesquisas não aconteceu. Além
disso, Moro disse que se recusa a dividir palanque com Arthur do Val, e o MBL,
ao que parece, não o expulsará.
A crise do MBL suscita dúvidas sobre a
longevidade dos movimentos sociais organizados a partir das redes sociais. Em
2015, Kataguiri e companhia demonstraram que eles podem ser politicamente
eficazes. Mas será que conseguem se consolidar como forças políticas? Ou a
lógica das redes favoreceria a criação e o descarte contínuos de grupos,
marcas, símbolos e lideranças?
O fato é que, enquanto a turma de 2015 se
autoimola em público, a direita brasileira volta para casa, volta para
seu centrão e
seus milicos.
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