Valor Econômico
Para o mundo, o conflito significa mais
inflação e menos crescimento, combinação desfavorável para o Brasil, que já
lida com pressões inflacionárias e atividade fraca
A guerra entre Rússia e Ucrânia tornou o cenário para a economia brasileira em 2022 ainda mais complicado. Para o mundo, o conflito significa mais inflação e menos crescimento, combinação desfavorável para o Brasil, que já lida com pressões inflacionárias resistentes e uma atividade econômica fraca. Há muitas dúvidas envolvendo o confronto, a começar pela duração da guerra, mas é provável que as tensões geopolíticas sejam prolongadas, com efeitos negativos sobre a economia global cujo alcance é difícil de estimar, mas que não serão nada desprezíveis.
Para o Brasil, o impacto mais forte deverá
ser uma inflação mais alta do que se projetava antes da guerra. O Barclays
revisou a projeção para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)
deste ano de 5,3% para 5,8%, ao incorporar os acontecimentos mais recentes
tanto no front doméstico quanto no externo, especialmente a aceleração das
cotações das commodities, como o petróleo. Em relatório divulgado no sábado, o
banco avalia que a Petrobras teria que elevar os preços internos dos combustíveis
em quase 40% para corrigir a defasagem em relação aos preços externos. Embora
considere improvável um reajuste dessa magnitude, o Barclays estima que a
pressão potencial para a inflação ao consumidor é de 0,8 a 0,9 ponto
percentual. Ao mesmo tempo, pondera o banco, pode haver alguma redução de
impostos sobre combustíveis, uma vez que há discussões a respeito no Congresso.
Também pode dar algum alívio inflacionário a redução de 25% da alíquota do
Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), com exceção do cigarro. Isso
pode tirar de 0,2 a 0,3 ponto da inflação nas próximas semanas, a depender do
repasse aos consumidores desse corte de tributos, avalia o Barclays, que tem
Roberto Secemski como economista-chefe para o Brasil. Há, porém, outras fontes
de pressão sobre os preços, como as altas dos preços do trigo e dos
fertilizantes.
Nesse cenário, o Barclays vê o risco de a
Selic subir mais do que projeta atualmente. Para o banco, a taxa, hoje em
10,75% ao ano, deve alcançar 12,25% em maio, mas uma eventual piora das
expectativas de inflação para 2023 pode levar a aumentos mais fortes. O
Barclays elevou a previsão para o IPCA do ano que vem de 3,4% para 3,6%,
distanciando-se um pouco mais da meta a ser perseguida pelo Banco Central (BC)
em 2023, de 3,25%. O alvo deste ano é de 3,5%.
O J.P. Morgan também elevou na semana
passada as projeções para o IPCA de 2022 e 2023, aumentando a previsão deste
ano de 5,6% para 6% e a do ano que vem de 3,25% para 3,5%. Nesse quadro, a nova
estimativa da equipe liderada por Cassiana Fernandez é que a Selic, em vez de
subir até 12,25%, vai avançar até 12,75%.
A combinação de inflação mais elevada e
juros possivelmente ainda mais altos é um mau presságio para a atividade. Além
disso, 2022 é um ano de eleições presidenciais, o que tende a diminuir a disposição
de muitas companhias em investir.
Na sexta-feira, foi divulgado o PIB do
quarto trimestre de 2021. O resultado foi mais forte do que apontava o consenso
de mercado - o PIB cresceu 0,5% em relação ao trimestre anterior, feito o
ajuste sazonal, mais que a mediana de 0,2% das projeções dos analistas ouvidos
pelo Valor Data. Com isso, crescimento no ano passado ficou em 4,6%, deixando
uma herança estatística de 0,3% para 2022. Isso significa que, se a economia
brasileira não crescer nada em relação ao nível do fim de 2021, o PIB vai
avançar 0,3% neste ano.
Esse maior carregamento estatístico levou o
J.P. Morgan a melhorar um pouco a previsão para o desempenho da economia em
2022 - em vez de uma contração de 0,4%, o banco agora espera retração de 0,1%.
Na visão dos economistas do J.P. Morgan, janeiro deve ter registrado um
desempenho fraco da atividade, com recuo da produção industrial, vendas no
varejo e serviços. Para fevereiro e março, a expectativa é de alguma
recuperação da economia, levando o primeiro trimestre a pequeno crescimento. Os
analistas do banco, contudo, veem agora uma retração mais forte da atividade no
segundo e no terceiro trimestres, devido aos efeitos negativos da guerra e da
inflação mais alta. “Nós reconhecemos que os riscos em torno das nossas
projeções são mais altos que o habitual, mas julgamos que os eventos
geopolíticos recentes serão liquidamente negativos para o crescimento do PIB do
Brasil”, escrevem eles. Enquanto uma melhora nos termos de troca (a relação
entre preços de exportação e importação) ajuda a economia, o choque causado
pelos preços mais altos de combustíveis e alimentos vai reduzir a renda
disponível dos consumidores, dizem os economistas do J.P. Morgan. Além disso,
observam, também devem atrapalhar o PIB brasileiro o crescimento global mais
fraco, principalmente da Europa, o segundo maior parceiro comercial do Brasil,
e os juros domésticos mais altos, para combater as pressões inflacionárias. Por
fim, o setor agrícola brasileiro pode sofrer aumentos de insumos e talvez até
mesmo restrições à produção, uma vez que o país é um grande importador de
fertilizantes, um produto que tem a Rússia como um grande fornecedor global.
O cenário internacional, desse modo, se
tornou ainda mais complexo. A grande expectativa para este ano era de aumento
dos juros nos EUA, o que seria negativo para países emergentes. Com a guerra, a
incerteza na economia global aumentou muito. Talvez os juros americanos subam
menos, mas a situação externa se tornou mais delicada.
Para o mundo, a guerra entre Rússia e
Ucrânia deve implicar um choque estagflacionário, com menos crescimento e
inflação, como descrevem os economistas do Barclays. Os principais canais de
contágio são a alta forte dos preços de commodities e a aversão a risco nos
mercados financeiros, segundo a equipe de Christian Keller, chefe de pesquisa
econômica do banco. Os analistas do Barclays acreditam num conflito militar
prolongado, com extensas sanções à Rússia.
Com os preços mais altos de commodities, a
inflação global de 2022 deve ser mais elevada, o que vai pesar sobre a renda e,
com isso, sobre o crescimento, aponta o Barclays. A equipe de Keller ressalta
que, além de um consumo mais fraco, o investimento tende a ser afetado
negativamente pela incerteza muito mais alta, especialmente na Europa. Nesse
ambiente, o Barclays reduziu a estimativa para a expansão da economia global
neste ano de 4,3% para 3,4%. Para o Brasil e outros emergentes, um mundo ainda
mais difícil do que se desenhava há algumas semanas.
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