Folha de S. Paulo
Putin sara uma ferida centenária e, ao
mesmo tempo, abre outra
Com dois meses de guerra, os poloneses
continuam recebendo refugiados ucranianos de braços abertos. Quem olha não diria que,
um século atrás, os dois povos travaram uma guerra que deixou dezenas de
milhares de mortos.
Em 1918, no ocaso do Império Austro-Húngaro, os ucranianos, à época mais conhecidos como rutenos, tentaram estabelecer um Estado nacional na região da Galícia Oriental, onde também viviam poloneses e judeus. O centro da disputa era a região de Lviv (Lwów para os poloneses). Apesar dos ganhos iniciais dos ucranianos, a Polônia acabou levando a melhor no conflito, que se estendeu até 1919. Estima-se que tenha custado a vida a 10 mil poloneses e 15 mil ucranianos, a maioria soldados. A Polônia ainda manteve cerca de 100 mil ucranianos, muitos dos quais civis, em campos de internamento até 1921. Entre 20 mil e 30 mil pereceram de doenças e fome.
A boa notícia é que a inimizade entre povos
é superável, como demonstram hoje poloneses e ucranianos.
E o interessante é que cientistas já
conseguiram reproduzir esse comportamento em condições experimentais. Num
estudo clássico, Muzafer Sherif levou, em 1961, 22 crianças entre 11 e 12 anos
a um acampamento em Robbers Cave, Oklahoma. Elas foram divididas em dois
grupos, os Águias e os Cascavéis, sem que um soubesse da existência do outro.
Durante uma semana, brincaram e criaram laços dentro de seu próprio grupo, sem
problemas. Mas, assim que tomaram ciência de que o outro grupo existia e foram colocados
em situação de competição, os conflitos começaram, primeiro verbais e depois
físicos. Intensificar os contatos entre os grupos só aumentou a animosidade.
Foi só quando Sherif os fez trabalhar lado a lado em torno de um objetivo comum
que a rivalidade pôde ser superada.
Putin, ao unir poloneses e ucranianos contra a agressão
russa, ajuda a cicatrizar uma ferida histórica. Lamentavelmente, está abrindo
outras.
Nenhum comentário:
Postar um comentário