O Estado de S. Paulo
Ao que tudo indica, o foco da campanha de
2022 será nos corações
Encontrei Antônio
Lavareda em Lisboa no último 25 de abril, dia da Revolução dos
Cravos. Na data nacional portuguesa, que comemora a vitória da democracia sobre
uma ditadura, era natural que falássemos de eleições. Lavareda, um dos
principais analistas políticos brasileiros, chamou a atenção para uma
peculiaridade do pleito de outubro. Se o cenário mais provável se concretizar –
com os votos convergindo para Lula e Bolsonaro, sem uma terceira via –, veremos
a disputa entre um presidente em exercício e um ex.
Trata-se de um caso inédito no Brasil e raro em democracias. Lavareda lembra que isso esteve perto de acontecer, recentemente, na Argentina e na França. Na Argentina, Cristina Kirchner preferiu ser vice de Alberto Fernández, exercendo seu poder nos bastidores, ainda que com incursões barulhentas à ribalta. Na França, Nicolas Sarkozy chegou a ensaiar uma candidatura pelos Republicanos, mas desistiu por enfrentar problemas na Justiça.
O fenômeno tem suas implicações. “As campanhas elaborarão programas detalhados, mas eles terão um papel diminutíssimo na campanha, já que os eleitores conhecem bem os candidatos”, diz Antônio Lavareda. “Tudo isso explica a razão de as pesquisas espontâneas mostrarem uma convicção de voto tão precoce.” Lavareda é o entrevistado do minipodcast da semana – atravessado, com o perdão do leitor, pelos ruídos dos bondes de Lisboa.
Lavareda analisa pesquisas desde 1985,
quando colaborou com a campanha de Jarbas Vasconcelos à prefeitura do Recife.
Ele é o autor do livro Emoções
Ocultas e Estratégias Eleitorais, que mostra como as escolhas dos
eleitores são muitas vezes guiadas pelos sentimentos – algo que, pelo que se
viu até agora, poderá prevalecer no próximo pleito.
Outro dado que as pesquisas mostram é a
mudança da localização dos eleitores dentro do espectro político. O Brasil
emergiu da ditadura militar com um viés à esquerda, até como reação aos anos de
arbítrio. Hoje, a maior parte dos brasileiros a escolher um lado se define como
de direita.
Num país de partidos com pouca densidade
ideológica, tal escolha também tem um forte componente emocional. Por isso, na
avaliação de Lavareda, a presença de Geraldo Alckmin é tão importante para
Lula. “Torna-se inverossímil que Lula atire um coquetel molotov se Alckmin
estiver sempre ao lado dele com um extintor de incêndio”, diz Lavareda, de
forma jocosa – até porque Lula, em seus oito anos de governo, nunca atirou
coquetéis molotov.
Uma eleição é uma disputa por corações e
mentes. Ao que tudo indica, o foco da campanha de 2022 será nos corações.
*Escritor, professor da Faap
e doutorando em ciência política na Universidade de Lisboa
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