Editoriais
Golpismo é arma eleitoral de Bolsonaro
O Estado de S. Paulo
Enquanto a população sofre com a inflação, o desemprego e a fome, Bolsonaro zomba da Constituição e ameaça uma vez mais o processo eleitoral. É o bolsonarismo em ação
Jair Bolsonaro avança, com desenvoltura
crescente, na sua escalada contra as instituições. Não se vislumbra quais
seriam os limites de sua irresponsabilidade. Num só dia, como fez na
quarta-feira passada, é capaz de atacar o processo eleitoral, envolver as
Forças Armadas em seus devaneios conspiratórios, zombar do Judiciário e
profanar a liberdade de expressão. É uma sucessão de barbaridades que, a rigor,
não têm nenhuma relevância para o País. Enquanto Jair Bolsonaro entretém seu
eleitorado com afrontas golpistas, a população tem de enfrentar a inflação, o
desemprego, a fome e a falta de perspectiva quanto ao futuro.
O quadro é grave e requer realismo. A
situação do Brasil em 2022 não guarda nenhuma semelhança com o que se viu em
2017 e 2018. No governo de Michel Temer, havia a crise social e econômica
gestada nas administrações petistas, mas tinha um Executivo federal disposto a
trabalhar e a enfrentar os problemas nacionais. Esse esforço gerou resultados
visíveis: redução da inflação, condições sustentáveis para a diminuição dos
juros e a retomada do crescimento.
O cenário hoje é inteiramente diferente. Não são apenas os indicadores econômicos ruins; por exemplo, a inflação volta a apresentar índices não vistos desde os anos 90 do século passado. O mais grave é que, mesmo com essa situação, o presidente da República entende que o seu papel é afrontar o Supremo, promover a desconfiança contra o sistema eleitoral e ainda envolver o bom nome das Forças Armadas em questões políticas.
Não bastasse ter declarado a inocência de
um condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) – o presidente da República
pode conceder perdão, mas não reescrever uma sentença judicial –, Jair
Bolsonaro promoveu no Palácio do Planalto um ato que, sob pretexto de defender
a liberdade de expressão, homenageou o deputado que não respeita as leis e as
instituições do País. O bolsonarismo expõe, assim, sua verdadeira identidade.
Não é liberalismo, não é eficiência na gestão pública, não é abertura
comercial, não é zelo pelo ambiente de negócios, não é estímulo à
produtividade, não é melhoria da educação. Seu símbolo perfeito é Daniel
Silveira, aquele que vem exercendo na atual legislatura o papel desempenhado
por Jair Bolsonaro na Câmara durante seus vários mandatos. O padrão é
rigorosamente o mesmo: quebra de decoro e violência contra as instituições
democráticas como tática para ganhar visibilidade, na tentativa de acobertar a
irrelevância política.
E é o que continua fazendo Jair Bolsonaro
na Presidência da República. Sem disposição e competência para enfrentar os
problemas nacionais, Bolsonaro percorre o caminho da ameaça e do
enfraquecimento das instituições. No ato de quarta-feira no Palácio do
Planalto, Bolsonaro defendeu a contagem paralela de votos pelas Forças Armadas.
Por todos os ângulos que se veja, a proposta é inconstitucional. A definição do
processo eleitoral não é uma disposição do chefe do Executivo federal, mas
competência do Congresso Nacional. Não cabe às Forças Armadas a função de
revisor do sistema eleitoral.
Jair Bolsonaro mostra-se alheio à
Constituição e, também, à lei. São crimes de responsabilidade, segundo a Lei
1.079/50, “utilizar o poder federal para impedir a livre execução da lei
eleitoral” e “incitar militares à desobediência à lei ou infração à disciplina”
(art. 7.º, 4 e 7). Bolsonaro pode não gostar, mas tem o dever de respeitar a
legislação eleitoral aprovada pelo Congresso. A Presidência da República não é
órgão legislador.
Sem cumprir o que lhe cabe, que é governar
o País, Jair Bolsonaro cria novas frentes de atrito e confusão. Revisa sentença
judicial, desdenha da legislação aprovada pelo Congresso sobre processo
eleitoral, instiga os militares a desempenharem funções além dos limites
constitucionais. Nada disso é casual. É o bolsonarismo em ação, que ataca não
apenas o STF, mas o papel e as competências constitucionais de todas as
instituições, também do Congresso e das Forças Armadas. Não é política, é
golpe.
O problema da ‘meta de investimentos’
O Estado de S. Paulo
Se metas como essa, proposta pelo PT, servissem para algo, o Brasil teria um ensino público de fazer inveja a países ricos
Sem apresentar nenhuma proposta clara sobre
o que pretende fazer no governo caso seja eleito, o ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva tem se cercado de velhos aliados para dar alguma satisfação sobre
seus projetos futuros. Um deles é o ex-governador do Piauí Wellington Dias,
cotado a assumir um ministério em uma eventual administração petista e escalado
para discutir as premissas econômicas do partido com empresários. Se as bases
desse plano forem de fato as que foram explicitadas pelo ex-governador em entrevista
ao Estadão, o
País afundará ainda mais no atoleiro em que se encontra em caso de vitória de
Lula.
Na entrevista, Dias defendeu o
estabelecimento de uma “meta para investimentos públicos” no Orçamento. A ideia
é que essa meta funcione como barreira ao aumento de despesas de custeio e com
pessoal, praticamente uma homenagem ao finado teto de gastos destruído pelo
governo Jair Bolsonaro, âncora fiscal que limitava o avanço das despesas à
variação da inflação. No exemplo de Dias, os salários do funcionalismo não
subiriam se o objetivo fixado não fosse alcançado. Como a maioria dos
economistas do PT, ele acredita que os investimentos são fundamentais para
impulsionar o crescimento.
E são mesmo. O problema é outro e remete a
um discurso populista que nem é novo no PT, segundo o qual investimentos não
são gastos. Pode-se dourar a pílula o quanto quiser, mas o fato é que o
dinheiro para gastos de custeio e investimentos sai precisamente do mesmo
Orçamento, cujas despesas com servidores, aposentadorias, benefícios sociais e
subsídios diversos atingiram a marca de 95% dos dispêndios. A fonte de
financiamento da medida proposta pelo partido não foi revelada, mas, de forma
realista, aumentar investimentos para além do atual patamar passa por reformas
estruturantes, alta de impostos ou crescimento da dívida. Ademais, se metas
como essa servissem para algo, o Brasil, que há mais de 30 anos obriga
governadores e prefeitos a aplicarem 25% de suas receitas em educação, teria um
ensino público de fazer inveja a países desenvolvidos. Isso só reforça a ideia
de que investimento não deveria ser um fim em si mesmo, mas parte de um
consistente plano de governo.
Uma vez que os recursos são escassos, eles
precisam ser direcionados para o que realmente importa. No Orçamento atual,
porém, as emendas parlamentares, por exemplo, representaram 24% das despesas
não obrigatórias dos ministérios, compostas basicamente por, ora vejam,
investimentos. Inúmeros casos revelados pela imprensa ligam as emendas de
relator a indícios de superfaturamento nas licitações e baixa qualidade de
obras. Estudo do economista Marcos Mendes revelou que o grau da captura do
dinheiro público por emendas parlamentares no País é 20 vezes maior que a média
dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Para este ano, o Congresso aprovou 3.563 emendas na peça orçamentária, mais da
metade para localidades específicas, em detrimento de ações de abrangência
nacional. Juntas, elas atingiram quase R$ 36 bilhões.
Fica evidente que aumentar o investimento
público de qualidade não passa por fixar uma meta, mas por restabelecer o
equilíbrio fiscal, a começar pelo fim da aberração em que se transformaram as
emendas parlamentares nos últimos anos. A retomada do controle da peça
orçamentária pelo Executivo, no entanto, não parece fazer parte das prioridades
do PT. “Vai ter emenda parlamentar? Vai ter. Fui vereador, deputado estadual,
federal, senador, além de quatro mandatos de governador, e em todos eles, tinha
emendas. Só que é o Executivo quem deve estabelecer para onde vão os recursos
das emendas. É ele que faz o plano”, disse o ex-governador.
O ex-governador admitiu que tal plano ainda
não existe, mas deveria, e não apenas no PT. Sem uma estratégia prévia,
independentemente do presidente que vier a ser eleito, o Orçamento continuará
refém dos interesses paroquiais do Centrão, que vem se aproveitando das
fragilidades políticas do Executivo desde 2015 para aprovar regras que
resultaram no sequestro do dinheiro público para fins escusos ou alheios ao
interesse público sem qualquer responsabilização.
Homeschooling, uma antiprioridade
O Estado de S. Paulo
Primeiro ato do novo ministro da Educação foi encaminhar essa matéria irrelevante
A educação, premissa para o desenvolvimento
do País, nunca fez parte da lista de prioridades do presidente Jair Bolsonaro.
O que já estava claro a partir das escolhas equivocadas para o comando do
Ministério da Educação (MEC) tornou-se ainda mais evidente na pandemia de
covid-19, quando a omissão e a inoperância do governo federal prejudicaram
quase 50 milhões de estudantes afetados pela suspensão das aulas presenciais na
rede de ensino básico.
Não surpreende, portanto, que o tema
educacional a merecer empenho por parte de Bolsonaro, do primeiro ao último ano
de seu mandato, seja a aprovação de um projeto de lei que autoriza a educação
domiciliar ou o homeschooling. Além de opção indesejada, por privar crianças e
adolescentes do necessário convívio com colegas e professores, não seria
exagero dizer que o assunto beira a irrelevância, do ponto de vista estrutural
da educação brasileira.
Após dois anos de pandemia, com todas as
dificuldades do ensino remoto e híbrido, o grande desafio é recuperar a
aprendizagem, o que exigiria, por parte do MEC, enorme esforço de coordenação
nacional. Nada mais longe da realidade, porém, no governo de Bolsonaro. Prova
disso é que o primeiro ato do novo ministro da Educação, Victor Godoy, foi
negociar um acordo para votar em maio a proposta que regulamenta o
homeschooling.
A primeira versão do projeto de lei, de
autoria do Poder Executivo, foi enviada à Câmara em abril de 2019. De lá para
cá, deputados atuaram para moderar a proposta original. Uma das modificações
estabeleceu que pelo menos um dos pais ou responsáveis tenha ensino superior
completo, o que é bem-vindo. Do contrário, haveria o risco de que adultos com
baixa escolaridade ficassem responsáveis pela formação escolar dos filhos. Por
óbvio, algo não desejável.
Tal exigência, claro, desagradou ao governo
e a defensores do ensino domiciliar, entre eles, representantes da bancada
evangélica. Conforme revelou nesta semana o jornal Valor, o governo está
disposto a ceder nesse ponto: em ano eleitoral, Bolsonaro tem pressa para
viabilizar a aprovação de matéria tão cara a uma parcela de sua militância.
Assim, segundo o jornal, o acordo manteve o requisito de escolaridade mínima,
aceitando também diploma de educação profissional tecnológica.
Outras salvaguardas permanecem no texto da
relatora, a deputada Luísa Canziani (PSD-PR): pais ou responsáveis não poderão
ter antecedentes criminais e deverão matricular os filhos em instituições de
ensino para avaliações periódicas − as famílias também deverão participar de
reuniões semestrais para a troca de experiências. Os conteúdos terão que seguir
a Base Nacional Comum Curricular, e alunos reprovados duas vezes seguidas ou
três vezes intercaladas deverão regressar à escola.
Por mais que a Câmara tenha feito no
sentido de moderar o projeto de Bolsonaro, contudo, o fato de que o primeiro
ato do novo ministro da Educação tenha sido encaminhar essa questão
irrelevante, em meio a tantas urgências, mostra que a educação, sob Bolsonaro,
não tem jeito de melhorar.
Reeleição de Bolsonaro esbarra na economia
O Globo
A avaliação negativa do presidente Jair Bolsonaro, mesmo com a queda recente, beira os 50%. Desde a instituição da reeleição, nenhum presidente em busca do segundo mandato foi tão mal avaliado. Embora Bolsonaro seja aprovado pelos 25% do eleitorado que consideram seu governo ótimo ou bom, isso é sabidamente insuficiente para ele vencer. E fica a cada dia mais claro, faltando pouco mais de cinco meses para o pleito de outubro, que a economia não será uma alavanca capaz de catapultá-lo à vitória.
A inflação é destacada em todas as pesquisas como um dos maiores problemas do Brasil, ao lado de saúde, economia e desemprego. Nenhuma surpresa. O acumulado de 12 meses passou dos 12%. A prévia de abril do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) foi de 1,73%, a maior alta para o mês desde 1995 e a maior variação mensal desde fevereiro de 2003. A inflação não está apenas alta, como tem se espalhado para mais produtos e serviços. Mesmo considerando que pode desacelerar nos próximos meses, economistas reviram as previsões deste ano para além de 8%, mais que o dobro da meta de 3,5%.
O desemprego não traz notícias melhores
para o governo. É verdade que o índice do último trimestre aponta ligeira
queda. Saímos de quase 15% no pico de 2020 para os atuais 11,1%. Mas o FMI
coloca o Brasil entre os dez países com maior desemprego no mundo. Comparando a
taxa atual à da época da posse de Bolsonaro, pouco mudou. Em dezembro de 2018,
havia 12,2 milhões de desempregados. Hoje são quase 12 milhões. Nada sugere uma
criação de vagas forte e acelerada nos próximos meses.
A aposta de Bolsonaro é recuperar os
eleitores de renda mais baixa graças ao Auxílio Brasil, agora estipulado em no
mínimo R$ 400. Só que esse valor está aí desde o início do ano e tem sido
insuficiente para resgatar a popularidade dele nos estratos inferiores da
pirâmide social. Ele também liberou gastos públicos de forma irresponsável,
planeja aumentos para o funcionalismo e tenta se desvincular do aumento dos
combustíveis.
Serão tais medidas suficientes para levar
sua popularidade ao nível necessário para a reeleição? Difícil acreditar. Ele
precisaria ganhar no mínimo dois pontos na avaliação ótimo e bom por mês para
chegar a outubro como um candidato competitivo. Desde o início do ano se
passaram quatro meses — e ele mal ganhou três pontos.
Para os bolsonaristas radicais, inflação
nas alturas, desemprego de dois dígitos, suspeitas de corrupção, negacionismo
na pandemia, mentiras sobre as urnas eletrônicas, nada é grave o suficiente
para apagar o fervor. O eleitor sem ideologia, aquele que acabará decidindo a
eleição, é mais sensível ao que se passa na economia. O conjunto da obra pode
ser suficiente para levá-lo ao segundo turno, mas é difícil crer que garanta a
vitória nas urnas. O próprio Bolsonaro não parece acreditar muito nessa
hipótese. Não há maior evidência disso que seus repetidos ataques mentirosos ao
sistema eleitoral, criando um pretexto para justificar uma virada de mesa.
Brasil é principal culpado pela destruição
de florestas tropicais
O Globo
O mundo perdeu 3,7 milhões de hectares de
florestas tropicais nativas em 2021, ou um campo de futebol por minuto. Além de
ameaçar a biodiversidade e de interromper a captura de carbono da atmosfera
pelas árvores, tal destruição provocou emissões de gases comparáveis às da
Índia em um ano. Desgraçadamente, o Brasil foi o principal culpado. De acordo
com dados da plataforma Global Forest Watch, da Universidade de Maryland, fomos
responsáveis por 40% das perdas.
Não é razoável argumentar que o percentual
é alto porque o Brasil concentra boa parte do que resta das florestas tropicais
nativas: 30%. Mesmo que fossem 40%, não justificaria o que acontece. Os outros
dois países com maior cobertura são Congo e Indonésia. Na Indonésia, o ritmo da
destruição caiu em 2021 pelo quinto ano consecutivo. No Brasil e no Congo, não.
O Brasil já foi exemplo de combate ao
desmatamento. A partir de 2004, houve tendência de queda consistente. Entre
2009 e 2015, em apenas dois anos ultrapassamos a marca de 1 milhão de hectares
perdidos. Em 2013, respondemos por 24% do desmatamento no mundo. Isso mudou nos
desastrosos anos de 2016 e 2017. Em 2016, a marca chegou a 46%.
No último ano do governo Temer, a
devastação tornou a cair, mas se manteve num patamar alto: 1,35 milhão de
hectares. A partir da posse de Jair Bolsonaro, as motosserras voltaram com
tudo. No atual governo, o Brasil tem desmatado uma média anual de 1,54 milhão
de hectares. No Congo, uma das principais causas é o caos. Aqui, o desmatamento
tem método.
Simpático a grileiros, garimpeiros e
madeireiros ilegais, Bolsonaro estrangulou de forma sistemática órgãos de
fiscalização, suspendeu fundos de financiamento à proteção da floresta,
incentivou a exploração de riquezas em reservas indígenas, combateu medidas de
conservação, introduziu ou apoiou normas e legislação que favorecem o
desmatamento. Diante de tantos absurdos, a resposta das instituições aos poucos
começa aparecer.
Nesta semana, o Supremo Tribunal Federal
(STF) suspendeu o trecho de um decreto presidencial que eliminara a
participação da sociedade civil no conselho deliberativo do Fundo Nacional do
Meio Ambiente (FNMA). A Corte também revogou trechos de outros dois decretos de
cunho ambiental, na extensa pauta sobre o tema em análise. Outros julgamentos
sobre a devastação são esperados no STF.
Foi encorajadora a manifestação do ministro Luiz Fux, presidente do tribunal, na sessão de quinta-feira: “É notável ter a Constituição feito constar expressamente que o dever de preservação do meio ambiente se impõe tanto ao poder público quanto à coletividade, exigindo participação direta da coletividade na elaboração de políticas públicas”. O poder da coletividade é enorme, mas o responsável pela tragédia ambiental que envergonha o país hoje é o poder público, mais precisamente Bolsonaro.
Obras em declínio
Folha de S. Paulo
Investimento público chega ao 2º menor
nível já medido e com piora de qualidade
Dados do Instituto Brasileiro de Economia,
da FGV, mostram que o investimento público continua definhando. No ano passado,
a taxa em todos os níveis de governo, incluindo estatais, recuou para 2,05% do
Produto Interno Bruto, ante 2,68% em 2020. Trata-se do segundo patamar mais
baixo da série histórica iniciada em 1947.
No caso da administração federal, a taxa
ficou em apenas 0,26% do PIB, a pior em 17 anos. Mesmo as estatais aportaram
apenas 39,7% do volume que constava em seu planejamento, muito abaixo do padrão
de 90%. A principal retração se deu na Petrobras, que agrega o maior volume de
recursos.
Nos governos estaduais, o quadro foi algo
melhor, com alta de 0,4% para 0,58% do PIB de 2020 a 2021. Nesse caso houve
certa sobra de recursos, em razão do crescimento acelerado da arrecadação que
decorreu da inflação, fenômeno que deve permanecer neste ano. Já nos
municípios, houve queda de 0,81% para 0,55% do produto no período.
Cabe notar que no governo federal os números
incluem as emendas parlamentares ao Orçamento, que têm crescido nos últimos
anos —especialmente as emendas de relator, as verbas nebulosas sob o controle
das lideranças do centrão, que passaram a representar uma parcela elevada dos
recursos.
O problema, além da queda dos montantes, é
que a qualidade dos investimentos é declinante. Sem planejamento claro, a
destinação do dinheiro passa a seguir ditames políticos, em geral distantes de
critérios de eficiência e racionalidade.
Têm sido numerosos os exemplos de obras mal
conduzidas, que se tornam esqueletos inacabados nos rincões do país, resultado
de clientelismo político —ou, nas piores hipóteses, de corrupção.
Perde-se, assim, outro grande papel que
deve ser desempenhado pelos investimentos públicos: mobilizar o setor privado
em aportes complementares num encadeamento virtuoso que eleve o potencial de
crescimento do país.
Já o caso das estatais é intrigante. As empresas
hoje estão mais saneadas e com maior espaço de caixa.
Mais desembolsos, de todo modo, nem sempre significam melhor uso das empresas,
como se verificou nos anos em que a Petrobras embarcou em projetos perdulários,
ao custo de maior dívida.
As boas notícias passam a depender de maior
participação privada, como no caso do saneamento, cujas concessões tem atraído
recursos que carregam o potencial de finalmente erradicar o déficit de acesso a
água e esgoto que ainda atinge milhões de brasileiros.
É inegável que o setor público precisa ter
mais protagonismo. Retomar a capacidade de investir, porém, depende de
equilíbrio orçamentário que só virá com reformas.
Há perigo na esquina
Folha de S. Paulo
Pane nos semáforos segue degradação urbana
em SP e ameaça motoristas e pedestres
Pare, olhe e escute. O aviso, comum em
cruzamentos de linhas férreas Brasil afora, decerto faria algum sentido caso
fosse replicado em parte das esquinas paulistanas.
Conhecida pelo trânsito caótico por natureza,
São Paulo enfrenta agora uma multiplicação desenfreada de quebras de semáforos
—estorvo já rotineiro, frise-se.
Segundo
dados da CET, companhia responsável pelo trânsito da metrópole, o apagão
nos equipamentos quase dobrou. Houve um crescimento de 91% no primeiro
trimestre deste ano em comparação com o mesmo período de 2021, ou 1.849
ocorrências ante 968.
A escalada vai além de meras falhas
técnicas e expõe uma crise social latente e de difícil solução.
De acordo com a gestão do prefeito Ricardo
Nunes (MDB), o problema se deve em sua maioria à ação de ladrões, que furtam
cabos e fios para vender cobre e alumínio como sucata. Nada menos que 126 km de
fiação foram reinstalados entre janeiro e março, diz a CET.
Os furtos geralmente são praticados por
usuários de drogas em situação de vulnerabilidade social. Receptado por
ferros-velhos, o metal vira dinheiro fácil para a compra de entorpecentes. Não
à toa a região central, onde está instalada a cracolândia, é a mais afetada.
Em alguns casos, como no cruzamento da
avenida Duque de Caxias com a alameda Barão de Limeira, os semáforos estavam
desligados havia um mês, relatam comerciantes. Acidentes não são raros, e a
travessia de pedestres tornou-se uma aventura tensa e arriscada.
Para contornar a sensação de terra de
ninguém no trânsito da cidade, a prefeitura abusa do improviso. Como o número
de agentes é insuficiente para organizar o tráfego, a "sinalização" é
reforçada com cones interligados por fitas. Diminui, assim, o número de faixas
de rolamento, forçando os motoristas a reduzir a velocidade.
A gestão Nunes prevê estancar o volume de
ocorrências com obras de reforço e alteamento nas portas dos controladores
semafóricos para dificultar o acesso à fiação elétrica. Já o governo do Estado,
por meio de operações policiais, afirma ter intensificado apreensões de metais,
prisões de suspeitos e fiscalização em estabelecimentos de reciclagem de
materiais.
Enquanto ações administrativas e de segurança pública não amenizam o perigoso tormento, resta a motoristas, ciclistas e pedestres redobrar a atenção, mantendo olhos e ouvidos bem abertos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário