sábado, 30 de abril de 2022

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Editoriais

Golpismo é arma eleitoral de Bolsonaro

O Estado de S. Paulo

Enquanto a população sofre com a inflação, o desemprego e a fome, Bolsonaro zomba da Constituição e ameaça uma vez mais o processo eleitoral. É o bolsonarismo em ação

Jair Bolsonaro avança, com desenvoltura crescente, na sua escalada contra as instituições. Não se vislumbra quais seriam os limites de sua irresponsabilidade. Num só dia, como fez na quarta-feira passada, é capaz de atacar o processo eleitoral, envolver as Forças Armadas em seus devaneios conspiratórios, zombar do Judiciário e profanar a liberdade de expressão. É uma sucessão de barbaridades que, a rigor, não têm nenhuma relevância para o País. Enquanto Jair Bolsonaro entretém seu eleitorado com afrontas golpistas, a população tem de enfrentar a inflação, o desemprego, a fome e a falta de perspectiva quanto ao futuro.

O quadro é grave e requer realismo. A situação do Brasil em 2022 não guarda nenhuma semelhança com o que se viu em 2017 e 2018. No governo de Michel Temer, havia a crise social e econômica gestada nas administrações petistas, mas tinha um Executivo federal disposto a trabalhar e a enfrentar os problemas nacionais. Esse esforço gerou resultados visíveis: redução da inflação, condições sustentáveis para a diminuição dos juros e a retomada do crescimento.

O cenário hoje é inteiramente diferente. Não são apenas os indicadores econômicos ruins; por exemplo, a inflação volta a apresentar índices não vistos desde os anos 90 do século passado. O mais grave é que, mesmo com essa situação, o presidente da República entende que o seu papel é afrontar o Supremo, promover a desconfiança contra o sistema eleitoral e ainda envolver o bom nome das Forças Armadas em questões políticas.

Não bastasse ter declarado a inocência de um condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) – o presidente da República pode conceder perdão, mas não reescrever uma sentença judicial –, Jair Bolsonaro promoveu no Palácio do Planalto um ato que, sob pretexto de defender a liberdade de expressão, homenageou o deputado que não respeita as leis e as instituições do País. O bolsonarismo expõe, assim, sua verdadeira identidade. Não é liberalismo, não é eficiência na gestão pública, não é abertura comercial, não é zelo pelo ambiente de negócios, não é estímulo à produtividade, não é melhoria da educação. Seu símbolo perfeito é Daniel Silveira, aquele que vem exercendo na atual legislatura o papel desempenhado por Jair Bolsonaro na Câmara durante seus vários mandatos. O padrão é rigorosamente o mesmo: quebra de decoro e violência contra as instituições democráticas como tática para ganhar visibilidade, na tentativa de acobertar a irrelevância política.

E é o que continua fazendo Jair Bolsonaro na Presidência da República. Sem disposição e competência para enfrentar os problemas nacionais, Bolsonaro percorre o caminho da ameaça e do enfraquecimento das instituições. No ato de quarta-feira no Palácio do Planalto, Bolsonaro defendeu a contagem paralela de votos pelas Forças Armadas. Por todos os ângulos que se veja, a proposta é inconstitucional. A definição do processo eleitoral não é uma disposição do chefe do Executivo federal, mas competência do Congresso Nacional. Não cabe às Forças Armadas a função de revisor do sistema eleitoral.

Jair Bolsonaro mostra-se alheio à Constituição e, também, à lei. São crimes de responsabilidade, segundo a Lei 1.079/50, “utilizar o poder federal para impedir a livre execução da lei eleitoral” e “incitar militares à desobediência à lei ou infração à disciplina” (art. 7.º, 4 e 7). Bolsonaro pode não gostar, mas tem o dever de respeitar a legislação eleitoral aprovada pelo Congresso. A Presidência da República não é órgão legislador.

Sem cumprir o que lhe cabe, que é governar o País, Jair Bolsonaro cria novas frentes de atrito e confusão. Revisa sentença judicial, desdenha da legislação aprovada pelo Congresso sobre processo eleitoral, instiga os militares a desempenharem funções além dos limites constitucionais. Nada disso é casual. É o bolsonarismo em ação, que ataca não apenas o STF, mas o papel e as competências constitucionais de todas as instituições, também do Congresso e das Forças Armadas. Não é política, é golpe.

O problema da ‘meta de investimentos’

O Estado de S. Paulo

Se metas como essa, proposta pelo PT, servissem para algo, o Brasil teria um ensino público de fazer inveja a países ricos

Sem apresentar nenhuma proposta clara sobre o que pretende fazer no governo caso seja eleito, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem se cercado de velhos aliados para dar alguma satisfação sobre seus projetos futuros. Um deles é o ex-governador do Piauí Wellington Dias, cotado a assumir um ministério em uma eventual administração petista e escalado para discutir as premissas econômicas do partido com empresários. Se as bases desse plano forem de fato as que foram explicitadas pelo ex-governador em entrevista ao Estadão, o País afundará ainda mais no atoleiro em que se encontra em caso de vitória de Lula.

Na entrevista, Dias defendeu o estabelecimento de uma “meta para investimentos públicos” no Orçamento. A ideia é que essa meta funcione como barreira ao aumento de despesas de custeio e com pessoal, praticamente uma homenagem ao finado teto de gastos destruído pelo governo Jair Bolsonaro, âncora fiscal que limitava o avanço das despesas à variação da inflação. No exemplo de Dias, os salários do funcionalismo não subiriam se o objetivo fixado não fosse alcançado. Como a maioria dos economistas do PT, ele acredita que os investimentos são fundamentais para impulsionar o crescimento. 

E são mesmo. O problema é outro e remete a um discurso populista que nem é novo no PT, segundo o qual investimentos não são gastos. Pode-se dourar a pílula o quanto quiser, mas o fato é que o dinheiro para gastos de custeio e investimentos sai precisamente do mesmo Orçamento, cujas despesas com servidores, aposentadorias, benefícios sociais e subsídios diversos atingiram a marca de 95% dos dispêndios. A fonte de financiamento da medida proposta pelo partido não foi revelada, mas, de forma realista, aumentar investimentos para além do atual patamar passa por reformas estruturantes, alta de impostos ou crescimento da dívida. Ademais, se metas como essa servissem para algo, o Brasil, que há mais de 30 anos obriga governadores e prefeitos a aplicarem 25% de suas receitas em educação, teria um ensino público de fazer inveja a países desenvolvidos. Isso só reforça a ideia de que investimento não deveria ser um fim em si mesmo, mas parte de um consistente plano de governo.

Uma vez que os recursos são escassos, eles precisam ser direcionados para o que realmente importa. No Orçamento atual, porém, as emendas parlamentares, por exemplo, representaram 24% das despesas não obrigatórias dos ministérios, compostas basicamente por, ora vejam, investimentos. Inúmeros casos revelados pela imprensa ligam as emendas de relator a indícios de superfaturamento nas licitações e baixa qualidade de obras. Estudo do economista Marcos Mendes revelou que o grau da captura do dinheiro público por emendas parlamentares no País é 20 vezes maior que a média dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Para este ano, o Congresso aprovou 3.563 emendas na peça orçamentária, mais da metade para localidades específicas, em detrimento de ações de abrangência nacional. Juntas, elas atingiram quase R$ 36 bilhões.

Fica evidente que aumentar o investimento público de qualidade não passa por fixar uma meta, mas por restabelecer o equilíbrio fiscal, a começar pelo fim da aberração em que se transformaram as emendas parlamentares nos últimos anos. A retomada do controle da peça orçamentária pelo Executivo, no entanto, não parece fazer parte das prioridades do PT. “Vai ter emenda parlamentar? Vai ter. Fui vereador, deputado estadual, federal, senador, além de quatro mandatos de governador, e em todos eles, tinha emendas. Só que é o Executivo quem deve estabelecer para onde vão os recursos das emendas. É ele que faz o plano”, disse o ex-governador. 

O ex-governador admitiu que tal plano ainda não existe, mas deveria, e não apenas no PT. Sem uma estratégia prévia, independentemente do presidente que vier a ser eleito, o Orçamento continuará refém dos interesses paroquiais do Centrão, que vem se aproveitando das fragilidades políticas do Executivo desde 2015 para aprovar regras que resultaram no sequestro do dinheiro público para fins escusos ou alheios ao interesse público sem qualquer responsabilização.

Homeschooling, uma antiprioridade

O Estado de S. Paulo

Primeiro ato do novo ministro da Educação foi encaminhar essa matéria irrelevante

A educação, premissa para o desenvolvimento do País, nunca fez parte da lista de prioridades do presidente Jair Bolsonaro. O que já estava claro a partir das escolhas equivocadas para o comando do Ministério da Educação (MEC) tornou-se ainda mais evidente na pandemia de covid-19, quando a omissão e a inoperância do governo federal prejudicaram quase 50 milhões de estudantes afetados pela suspensão das aulas presenciais na rede de ensino básico. 

Não surpreende, portanto, que o tema educacional a merecer empenho por parte de Bolsonaro, do primeiro ao último ano de seu mandato, seja a aprovação de um projeto de lei que autoriza a educação domiciliar ou o homeschooling. Além de opção indesejada, por privar crianças e adolescentes do necessário convívio com colegas e professores, não seria exagero dizer que o assunto beira a irrelevância, do ponto de vista estrutural da educação brasileira. 

Após dois anos de pandemia, com todas as dificuldades do ensino remoto e híbrido, o grande desafio é recuperar a aprendizagem, o que exigiria, por parte do MEC, enorme esforço de coordenação nacional. Nada mais longe da realidade, porém, no governo de Bolsonaro. Prova disso é que o primeiro ato do novo ministro da Educação, Victor Godoy, foi negociar um acordo para votar em maio a proposta que regulamenta o homeschooling.

A primeira versão do projeto de lei, de autoria do Poder Executivo, foi enviada à Câmara em abril de 2019. De lá para cá, deputados atuaram para moderar a proposta original. Uma das modificações estabeleceu que pelo menos um dos pais ou responsáveis tenha ensino superior completo, o que é bem-vindo. Do contrário, haveria o risco de que adultos com baixa escolaridade ficassem responsáveis pela formação escolar dos filhos. Por óbvio, algo não desejável.

Tal exigência, claro, desagradou ao governo e a defensores do ensino domiciliar, entre eles, representantes da bancada evangélica. Conforme revelou nesta semana o jornal Valor, o governo está disposto a ceder nesse ponto: em ano eleitoral, Bolsonaro tem pressa para viabilizar a aprovação de matéria tão cara a uma parcela de sua militância. Assim, segundo o jornal, o acordo manteve o requisito de escolaridade mínima, aceitando também diploma de educação profissional tecnológica.

Outras salvaguardas permanecem no texto da relatora, a deputada Luísa Canziani (PSD-PR): pais ou responsáveis não poderão ter antecedentes criminais e deverão matricular os filhos em instituições de ensino para avaliações periódicas − as famílias também deverão participar de reuniões semestrais para a troca de experiências. Os conteúdos terão que seguir a Base Nacional Comum Curricular, e alunos reprovados duas vezes seguidas ou três vezes intercaladas deverão regressar à escola. 

Por mais que a Câmara tenha feito no sentido de moderar o projeto de Bolsonaro, contudo, o fato de que o primeiro ato do novo ministro da Educação tenha sido encaminhar essa questão irrelevante, em meio a tantas urgências, mostra que a educação, sob Bolsonaro, não tem jeito de melhorar.

Reeleição de Bolsonaro esbarra na economia

O Globo

A avaliação negativa do presidente Jair Bolsonaro, mesmo com a queda recente, beira os 50%. Desde a instituição da reeleição, nenhum presidente em busca do segundo mandato foi tão mal avaliado. Embora Bolsonaro seja aprovado pelos 25% do eleitorado que consideram seu governo ótimo ou bom, isso é sabidamente insuficiente para ele vencer. E fica a cada dia mais claro, faltando pouco mais de cinco meses para o pleito de outubro, que a economia não será uma alavanca capaz de catapultá-lo à vitória.

A inflação é destacada em todas as pesquisas como um dos maiores problemas do Brasil, ao lado de saúde, economia e desemprego. Nenhuma surpresa. O acumulado de 12 meses passou dos 12%. A prévia de abril do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) foi de 1,73%, a maior alta para o mês desde 1995 e a maior variação mensal desde fevereiro de 2003. A inflação não está apenas alta, como tem se espalhado para mais produtos e serviços. Mesmo considerando que pode desacelerar nos próximos meses, economistas reviram as previsões deste ano para além de 8%, mais que o dobro da meta de 3,5%.

O desemprego não traz notícias melhores para o governo. É verdade que o índice do último trimestre aponta ligeira queda. Saímos de quase 15% no pico de 2020 para os atuais 11,1%. Mas o FMI coloca o Brasil entre os dez países com maior desemprego no mundo. Comparando a taxa atual à da época da posse de Bolsonaro, pouco mudou. Em dezembro de 2018, havia 12,2 milhões de desempregados. Hoje são quase 12 milhões. Nada sugere uma criação de vagas forte e acelerada nos próximos meses.

A aposta de Bolsonaro é recuperar os eleitores de renda mais baixa graças ao Auxílio Brasil, agora estipulado em no mínimo R$ 400. Só que esse valor está aí desde o início do ano e tem sido insuficiente para resgatar a popularidade dele nos estratos inferiores da pirâmide social. Ele também liberou gastos públicos de forma irresponsável, planeja aumentos para o funcionalismo e tenta se desvincular do aumento dos combustíveis.

Serão tais medidas suficientes para levar sua popularidade ao nível necessário para a reeleição? Difícil acreditar. Ele precisaria ganhar no mínimo dois pontos na avaliação ótimo e bom por mês para chegar a outubro como um candidato competitivo. Desde o início do ano se passaram quatro meses — e ele mal ganhou três pontos.

Para os bolsonaristas radicais, inflação nas alturas, desemprego de dois dígitos, suspeitas de corrupção, negacionismo na pandemia, mentiras sobre as urnas eletrônicas, nada é grave o suficiente para apagar o fervor. O eleitor sem ideologia, aquele que acabará decidindo a eleição, é mais sensível ao que se passa na economia. O conjunto da obra pode ser suficiente para levá-lo ao segundo turno, mas é difícil crer que garanta a vitória nas urnas. O próprio Bolsonaro não parece acreditar muito nessa hipótese. Não há maior evidência disso que seus repetidos ataques mentirosos ao sistema eleitoral, criando um pretexto para justificar uma virada de mesa.

Brasil é principal culpado pela destruição de florestas tropicais

O Globo

O mundo perdeu 3,7 milhões de hectares de florestas tropicais nativas em 2021, ou um campo de futebol por minuto. Além de ameaçar a biodiversidade e de interromper a captura de carbono da atmosfera pelas árvores, tal destruição provocou emissões de gases comparáveis às da Índia em um ano. Desgraçadamente, o Brasil foi o principal culpado. De acordo com dados da plataforma Global Forest Watch, da Universidade de Maryland, fomos responsáveis por 40% das perdas.

Não é razoável argumentar que o percentual é alto porque o Brasil concentra boa parte do que resta das florestas tropicais nativas: 30%. Mesmo que fossem 40%, não justificaria o que acontece. Os outros dois países com maior cobertura são Congo e Indonésia. Na Indonésia, o ritmo da destruição caiu em 2021 pelo quinto ano consecutivo. No Brasil e no Congo, não.

O Brasil já foi exemplo de combate ao desmatamento. A partir de 2004, houve tendência de queda consistente. Entre 2009 e 2015, em apenas dois anos ultrapassamos a marca de 1 milhão de hectares perdidos. Em 2013, respondemos por 24% do desmatamento no mundo. Isso mudou nos desastrosos anos de 2016 e 2017. Em 2016, a marca chegou a 46%.

No último ano do governo Temer, a devastação tornou a cair, mas se manteve num patamar alto: 1,35 milhão de hectares. A partir da posse de Jair Bolsonaro, as motosserras voltaram com tudo. No atual governo, o Brasil tem desmatado uma média anual de 1,54 milhão de hectares. No Congo, uma das principais causas é o caos. Aqui, o desmatamento tem método.

Simpático a grileiros, garimpeiros e madeireiros ilegais, Bolsonaro estrangulou de forma sistemática órgãos de fiscalização, suspendeu fundos de financiamento à proteção da floresta, incentivou a exploração de riquezas em reservas indígenas, combateu medidas de conservação, introduziu ou apoiou normas e legislação que favorecem o desmatamento. Diante de tantos absurdos, a resposta das instituições aos poucos começa aparecer.

Nesta semana, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu o trecho de um decreto presidencial que eliminara a participação da sociedade civil no conselho deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA). A Corte também revogou trechos de outros dois decretos de cunho ambiental, na extensa pauta sobre o tema em análise. Outros julgamentos sobre a devastação são esperados no STF.

Foi encorajadora a manifestação do ministro Luiz Fux, presidente do tribunal, na sessão de quinta-feira: “É notável ter a Constituição feito constar expressamente que o dever de preservação do meio ambiente se impõe tanto ao poder público quanto à coletividade, exigindo participação direta da coletividade na elaboração de políticas públicas”. O poder da coletividade é enorme, mas o responsável pela tragédia ambiental que envergonha o país hoje é o poder público, mais precisamente Bolsonaro.

Obras em declínio

Folha de S. Paulo

Investimento público chega ao 2º menor nível já medido e com piora de qualidade

Dados do Instituto Brasileiro de Economia, da FGV, mostram que o investimento público continua definhando. No ano passado, a taxa em todos os níveis de governo, incluindo estatais, recuou para 2,05% do Produto Interno Bruto, ante 2,68% em 2020. Trata-se do segundo patamar mais baixo da série histórica iniciada em 1947.

No caso da administração federal, a taxa ficou em apenas 0,26% do PIB, a pior em 17 anos. Mesmo as estatais aportaram apenas 39,7% do volume que constava em seu planejamento, muito abaixo do padrão de 90%. A principal retração se deu na Petrobras, que agrega o maior volume de recursos.

Nos governos estaduais, o quadro foi algo melhor, com alta de 0,4% para 0,58% do PIB de 2020 a 2021. Nesse caso houve certa sobra de recursos, em razão do crescimento acelerado da arrecadação que decorreu da inflação, fenômeno que deve permanecer neste ano. Já nos municípios, houve queda de 0,81% para 0,55% do produto no período.

Cabe notar que no governo federal os números incluem as emendas parlamentares ao Orçamento, que têm crescido nos últimos anos —especialmente as emendas de relator, as verbas nebulosas sob o controle das lideranças do centrão, que passaram a representar uma parcela elevada dos recursos.

O problema, além da queda dos montantes, é que a qualidade dos investimentos é declinante. Sem planejamento claro, a destinação do dinheiro passa a seguir ditames políticos, em geral distantes de critérios de eficiência e racionalidade.

Têm sido numerosos os exemplos de obras mal conduzidas, que se tornam esqueletos inacabados nos rincões do país, resultado de clientelismo político —ou, nas piores hipóteses, de corrupção.

Perde-se, assim, outro grande papel que deve ser desempenhado pelos investimentos públicos: mobilizar o setor privado em aportes complementares num encadeamento virtuoso que eleve o potencial de crescimento do país.

Já o caso das estatais é intrigante. As empresas hoje estão mais saneadas e com maior espaço de caixa.
Mais desembolsos, de todo modo, nem sempre significam melhor uso das empresas, como se verificou nos anos em que a Petrobras embarcou em projetos perdulários, ao custo de maior dívida.

As boas notícias passam a depender de maior participação privada, como no caso do saneamento, cujas concessões tem atraído recursos que carregam o potencial de finalmente erradicar o déficit de acesso a água e esgoto que ainda atinge milhões de brasileiros.

É inegável que o setor público precisa ter mais protagonismo. Retomar a capacidade de investir, porém, depende de equilíbrio orçamentário que só virá com reformas.

Há perigo na esquina

Folha de S. Paulo

Pane nos semáforos segue degradação urbana em SP e ameaça motoristas e pedestres

Pare, olhe e escute. O aviso, comum em cruzamentos de linhas férreas Brasil afora, decerto faria algum sentido caso fosse replicado em parte das esquinas paulistanas.

Conhecida pelo trânsito caótico por natureza, São Paulo enfrenta agora uma multiplicação desenfreada de quebras de semáforos —estorvo já rotineiro, frise-se.

Segundo dados da CET, companhia responsável pelo trânsito da metrópole, o apagão nos equipamentos quase dobrou. Houve um crescimento de 91% no primeiro trimestre deste ano em comparação com o mesmo período de 2021, ou 1.849 ocorrências ante 968.

A escalada vai além de meras falhas técnicas e expõe uma crise social latente e de difícil solução.

De acordo com a gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB), o problema se deve em sua maioria à ação de ladrões, que furtam cabos e fios para vender cobre e alumínio como sucata. Nada menos que 126 km de fiação foram reinstalados entre janeiro e março, diz a CET.

Os furtos geralmente são praticados por usuários de drogas em situação de vulnerabilidade social. Receptado por ferros-velhos, o metal vira dinheiro fácil para a compra de entorpecentes. Não à toa a região central, onde está instalada a cracolândia, é a mais afetada.

Em alguns casos, como no cruzamento da avenida Duque de Caxias com a alameda Barão de Limeira, os semáforos estavam desligados havia um mês, relatam comerciantes. Acidentes não são raros, e a travessia de pedestres tornou-se uma aventura tensa e arriscada.

Para contornar a sensação de terra de ninguém no trânsito da cidade, a prefeitura abusa do improviso. Como o número de agentes é insuficiente para organizar o tráfego, a "sinalização" é reforçada com cones interligados por fitas. Diminui, assim, o número de faixas de rolamento, forçando os motoristas a reduzir a velocidade.

A gestão Nunes prevê estancar o volume de ocorrências com obras de reforço e alteamento nas portas dos controladores semafóricos para dificultar o acesso à fiação elétrica. Já o governo do Estado, por meio de operações policiais, afirma ter intensificado apreensões de metais, prisões de suspeitos e fiscalização em estabelecimentos de reciclagem de materiais.

Enquanto ações administrativas e de segurança pública não amenizam o perigoso tormento, resta a motoristas, ciclistas e pedestres redobrar a atenção, mantendo olhos e ouvidos bem abertos.

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