sexta-feira, 8 de julho de 2022

Luiz Werneck Vianna*: O que ainda nos falta

Sem maiores incidentes, contrariando as previsões, aliás bem fundamentadas, a sucessão presidencial no dia 2 de julho, data mais celebrada no calendário cívico da Bahia recebeu seu batismo de fogo diante da presença dos principais candidatos. As candidaturas Lula-Alkmin, Ciro Gomes e Tereza Tebet participaram do cortejo multidinário com que os baianos festejam esse dia, a de Bolsonaro, num trajeto particular feito numa motociata, sua forma favorita de comunicação com o grande público. Mais uma vez, como há pouco na Avenida Paulista, a manifestação se revestiu de uma forma plebiscitária em favor da candidatura Lula-Alkmin em que o primeiro proferiu um discurso.

Tudo contado, a festa terminou em paz, não se ouviu a explosão de uma única bomba que empanasse seu brilho, marca registrada que os inimigos da democratização do país, como nos idos da década de 1980, deixam em seus rastros. Resultado surpreendente diante das manifestações quase diárias com que Bolsonaro alardeia suas pretensões de tumultuar o processo eleitoral e que exige interpretação. Ao longo da sua experiência, no curso do seu mandato presidencial, os estrategistas que o orientam compreenderam que seu estilo importado do fascismo italiano afetava apenas uma minoria de adeptos, vendo crescer contra ele um forte movimento de rejeição.

Com essa nova percepção, operaram um audacioso movimento do tipo cavalo de pau, movendo-se em direção às forças do Centrão que sempre avaliou de modo negativo, pretendendo até a sua extinção da cena política. Como logo se verificou, as sondagens da opinião pública seguiam indicando preferência dos eleitores pela candidatura Lula-Alkmin, frustrando as melhores expectativas dessa manobra. Em modo de desespero, cogitou-se então, mesmo face a disposições contrárias do texto constitucional, implementar uma operação de larga envergadura em matéria social – apelidada jocosamente pela mídia de PEC Kamikaze – franqueando-se recursos como auxílios às populações de baixa renda, calcanhar de Aquiles da campanha pela reeleição de Bolsonaro.

A medida legislativa que facultará essa indecente iniciativa está, como se sabe, ainda em fase de tramitação no Congresso, e, caso aprovada, como tudo indica, significará o empoderamento do Centrão na coalizão política que detém o governo do país, com óbvias repercussões futuras na disposição das forças em presença. Uma delas estaria na valorização da política na forma arcaica que conhecemos na 1ª República, dominada por setores retardatários de práticas patrimoniais, e, de outro lado, na desvalorização da ideologia fascista e de suas técnicas apropriação do poder. Tamanho regresso ao mundo do coronelismo, enxada e voto, tão bem analisadas por Vitor Nunes Leal, avesso às correntes modernas que amadurecem, apesar de tudo, em nossa sociedade, não contará mais com as extintas rebeliões tenentistas mas deverá servir de caldo de cultura para a emergência de novos venturosos personagens.

Outro cenário, mais plausível, é o do eleitor, como sarcasticamente comentou o candidato Lula, pegar o dinheiro com que lhe querem comprar a consciência, e votar no da sua preferência. De antemão essa distribuição a rodo de recursos públicos escapa a previsão dos seus efeitos, embora não se deva afastar a hipótese de que, ao menos, garanta a Bolsonaro o acesso ao segundo turno eleitoral, facultando a ele a mobilização de todo o arsenal golpista que meticulosamente vem amealhando. Na eventualidade, nessa disputa, segundo as pesquisas, em que seria francamente derrotado pelo candidato que demoniza, essa seria a sua hora, ao brandir com a ameaça da iminência do perigo comunista a fim de investir contra as instituições e desferir o golpe tão anelado.

A rigor, o esforço dispendido na campanha eleitoral pelas forças bolsonaristas mal disfarça que elas cultivam em surdina uma alternativa golpista se ela não se mostrar favorável aos seus desígnios. Nesse quadro, o fetichismo institucional panglossiano que orienta uma parte da oposição democrática deve ser severamente combatido na medida em que o campo reacionário está disposto a não ceder terreno a qualquer custo. A mobilização massiva da população em manifestações públicas, a exemplo das ocorridas na Avenida Paulista e nas ruas do centro de Salvador, consiste na mais eficaz forma de dissuadir as pretensões golpistas. É preciso lembrar dos efeitos benfazejos das gigantescas manifestações de massa dos anos 1980 para a derrota do regime militar da época.

De nada serve ficar mirando as nuvens e esperar pelas chuvas, como dizia Vianinha em peça famosa, pois há o que fazer para devolvermos vida plena à Carta constitucional que fizemos juntos, pois está em nossas mãos ganhar nas ruas e nas urnas em primeiro turno e com isso levantarmos barreiras de difícil transposição para os aventureiros do golpe.

*Luiz Werneck Vianna, Sociólogo, PUC-Rio     

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

A ''sucessão presidencial'' ainda não houve,na Bahia houve apenas manifestação dos candidatos.