sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

Humberto Saccomandi* - Os canhões na Ucrânia não vão silenciar logo

Não há ainda uma perspectiva à vista de fim da guerra

A guerra iniciada com a invasão da Ucrânia pela Rússia completa um ano daqui a uma semana sem a perspectiva de final à vista. As estratégias adotadas até agora pelos dois lados para acelerar o fim do conflito não funcionaram. Tudo indica que os combates vão se intensificar nos próximos meses. E o potencial de causar dano à economia mundial continuará elevado.

Quando ordenou que suas tropas invadissem a Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022, o presidente russo, Vladimir Putin, possivelmente não imaginava que a guerra se prolongaria por tanto tempo. A tentativa de uma ocupação rápida do país com a tomada da capital, Kiev, logo fracassou. E as forças russas acabaram perdendo, no final do ano, território no sul e leste da Ucrânia que haviam ocupado. Moscou não conseguiu ainda vencer no campo de batalha.

Para punir a Rússia e tentar forçar Putin a recuar, a Europa Ocidental, os EUA e mais alguns aliados adotaram uma série de sanções visando estrangular a economia russa. Mas isso não ocorreu. A economia está em recessão, mas o PIB russo recuou só 2,5% em 2022, bem menos que a queda de 10% a 15% esperada. Assim, a Ucrânia e o Ocidente não conseguiram ganhar a guerra das sanções.

Putin respondeu cortando o fornecimento de gás para a Europa, com o que esperava gerar uma crise econômica, insatisfação social e tensão política no continente, o que poderia levar os europeus a recuarem do apoio à Ucrânia e forçar Kiev a negociar com Moscou. Não funcionou. Putin perdeu a guerra do gás. A Europa conseguiu, com algum custo econômico, evitar um caos energético e diversificou sua cadeia de fornecimento de energia. O apoio ocidental à Ucrânia, econômico, político e militar, continua sólido.

A Rússia então tentou destruir a infraestrutura energética da Ucrânia com chuvas de mísseis, buscando provavelmente deixar a população no frio, no escuro e sem água, no rígido inverno, para dobrar o ânimo dos ucranianos de seguir lutando. Também não deu certo. O país não se deixou dobrar, mesmo em condições dificílimas. E o ataque de Putin aos civis ucranianos flopou.

Assim, nenhum lado parece ter na mão uma carta vencedora, que faria o inimigo capitular. O chefe do Estado-Maior Conjunto dos EUA, general Mark Milley, disse acreditar que nenhum dos dois lados conseguirá atingir os seus objetivos militares. "É improvável que a Rússia vá tomar a Ucrânia. Isso não vai acontecer", disse Milley em entrevista ao "Financial Times". Ele também acha improvável que a Ucrânia consiga expulsar as forças russas de todo o território ocupado. "Não digo que não vá ocorrer... Mas é extraordinariamente difícil. Iria, essencialmente, requerer o colapso militar russo".

Milley afirmou então acreditar que esse conflito vai se encerrar à mesa de negociações.

Ele não disse, mas ficou implícito, que essa negociação possivelmente implicaria que a Ucrânia terá de ceder território (não retomado) à Rússia. Ontem, porém, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, repetiu que não vai ceder nenhum território ao inimigo numa negociação. Moscou também não faz aceno de negociar enquanto não atingir seus objetivos, que não são bem claros.

Moscou declarou a anexação de quatro províncias no leste e no sul da Ucrânia (além da Crimeia, anexada em 2014), mas não controla totalmente essas áreas. Nesta semana, um aliado de Putin, o líder tchetcheno Ransam Kadyrov, disse que até o fim do ano as forças russas podem cumprir sua missão de tomar Kiev, Kharkiv e Odessa, ou seja, quase toda a Ucrânia. Mas pode ser apenas bravata.

Ainda assim, tudo indica que as forças russas tentarão tomar, nos próximos meses, ao menos o território anexado. Há semanas a Ucrânia e analistas ocidentais alertam para uma iminente ofensiva russa no leste. Já as forças ucranianos buscarão defender suas posições e, se possível, retomar mais terreno hoje ocupadas pelos russos.

A Rússia usou o inverno para consolidar suas linhas defensivas. Para isso, convocou centenas de milhares de reservistas. Já Kiev espera receber em breve armas ocidentais mais modernas e poderosas, como bombas de longo alcance e tanques. O governo ucraniano vem pedindo aos aliados ocidentais que enviem aviões de guerra, mas por ora isso não parece provável.

Na semana passada, o dono do grupo Wagner, empresa militar privada russa que combate na Ucrânia junto com o Exército da Rússia, disse que a guerra pode durar anos. Segundo Yevgeny Prigozhin, pode levar ainda dois anos para a Rússia garantir o controle das duas províncias no leste da Ucrânia. e até três anos se o objetivo for tomar totalmente as província ao sul do país.

Moscou parece acreditar que o tempo joga a seu favor. Por ter uma população maior, a Rússia pode repor tropas perdidas acima da capacidade da Ucrânia. E a aposta em cansar o Ocidente certamente continua. Pode dar certo. Pesquisa do instituto Norc divulgada nesta semana indicou que 48% dos americanos apoiam continuar mandando armas para a Ucrânia; eram 60% em março de 2022. Nesta semana, o ex-premiê italiano Silvio Berlusconi culpou Zelensky pela guerra e disse que o conflito pode acabar se os EUA cortarem o apoio à Ucrânia. O governo italiano rejeitou a declaração e reafirmou o apoio a Zelensky, mas Berlusconi lidera um partido que está no governo.

O Ocidente ainda espera que as sanções reduzam a capacidade russa de financiar a guerra. A Rússia divulgou um inédito déficit fiscal de US$ 25 bilhões em janeiro. A guerra custa cada vez mais, e a receita com a venda de gás e petróleo está caindo, por conta das sanções. Entidades internacionais divergem sob o impacto econômico das sanções. Banco Mundial e OCDE preveem que a recessão deve se agravar neste ano na Rússia. Já o FMI estima que o país pode até mesmo voltar a crescer neste ano.

Quando a Primeira Guerra Mundial começou, havia uma expectativa quase generalizada na Europa de que seria um conflito curto. Isso é mostrado no filme alemão "Nada de Novo no Front", indicado ao Oscar neste ano. Em agosto (verão) de 1914, o imperador Guilherme II chegou a dizer aos soldados alemães que “eles estariam de volta antes que as folhas começassem a cair” das árvores, ou seja, no outono. Mas a guerra durou longos quatro anos e meio e deixou 14 milhões de mortos, entre militares e civis. Guilherme renunciou ao final.

O conflito na Ucrânia já fez dezenas (talvez centenas) de milhares de mortos. Não há um final nem um vencedor claros.

*Humberto Saccomandi é editor de Internacional. 

Um comentário:

Anônimo disse...

Inverdades. Os objetivos da Rússia foram claros desde o início: neutralidade da Ucrânia, NATO fora da Ucrânia; autonomia das regiões russófonas - agora, já foi feito referendo ali, poderiam ser questionados e este ser um ponto de negociação; desmilitarização e desnazificação da Ucrânia, estão conseguindo. E não é verdade que o exército russo esteja perdendo. Se você ao menos ouvisse generais americanos, veteranos das guerras americanas, que tiveram funções relevantes tanto na Rússia quanto na ONU... Deveria também ouvir analistas europeus, demógrafos e historiadores... Deveria ouvir Jeffrey Sachs, ler sobre as pipelines e sobre os massacres contra as populações russas no Donbass há mais de 10 anos. É fraco.